Estudo calcula ‘efeitos indiretos’ e diz que o etanol de cana-de-açúcar reduz a emissão de gases-estufa
Nova chance para o etanol de cana – Uma das agências de proteção ambiental mais poderosas dos EUA está prestes a aprovar uma resolução que deverá provocar a reavaliação profunda dos benefícios gerados por biocombustíveis como o etanol, criando novas oportunidades para os usineiros brasileiros interessados em aumentar as exportações do produto para o cobiçado mercado americano.
A medida está há meses em estudos no Conselho de Qualidade do Ar do Estado da Califórnia, organismo encarregado de definir regras para a execução de um ambicioso programa lançado há dois anos para incentivar o consumo de combustíveis limpos e combater o aquecimento global. A iniciativa poderá levar à adoção de políticas semelhantes em outros Estados americanos e na esfera federal. Matéria Ricardo Balthazar, de Washington, no Valor Econômico.
No centro do debate está a possibilidade de os EUA adotarem um método novo e controverso para calcular a contribuição da indústria dos biocombustíveis para as mudanças climáticas, contabilizando efeitos indiretos como o impacto da produção no desmatamento na Amazônia e no uso da terra em outras partes do globo.
Diversos estudos científicos demonstram que a substituição da gasolina pelo etanol reduz de forma significativa as emissões de dióxido de carbono e outros gases responsáveis pelo efeito estufa. Mas essas análises consideram apenas as emissões que podem ser atribuídas diretamente à produção e à distribuição do combustível e não incluem efeitos indiretos, difíceis de medir com exatidão.
Os ambientalistas americanos temem que o avanço dos biocombustíveis empurre a produção agrícola mundial para regiões como a Amazônia, o que poderia anular seus benefícios para o planeta. Mas os estudos que estão sendo feitos nos EUA têm servido para realçar as vantagens que o etanol brasileiro oferece em relação a outros tipos de biocombustível.
Cálculos preliminares do Conselho de Qualidade do Ar da Califórnia sugerem que o etanol produzido no Brasil permite reduzir em 72% a emissão de gases-estufa associados ao consumo de gasolina, em linha com estudo recente da estatal brasileira Embrapa . Se forem incluídos na conta desmatamento e outros efeitos indiretos atribuídos pelos ambientalistas à produção de álcool, a redução seria bem menor: 24%.
Ainda assim, o álcool brasileiro sairia ganhando na comparação com o etanol produzido nos EUA, onde o combustível é feito de milho em vez de cana-de-açúcar. Os cálculos da Califórnia sugerem que a substituição da gasolina por etanol de milho aumentaria em 4% as emissões de carbono, depois de computados os efeitos indiretos.
A resolução em discussão no Conselho de Qualidade do Ar deve ser aprovada no próximo dia 24 e dará enorme força a esses números. O programa de combate ao aquecimento global lançado pela Califórnia estabelece como meta para a próxima década uma redução de 10% na intensidade de carbono dos combustíveis usados por carros e outros veículos no Estado.
A partir de 2011, as refinarias do Estado precisarão de volumes crescentes de combustíveis limpos para cumprir essa meta. Se as regras propostas pelo governo prevalecerem, os cálculos que incluem o desmatamento e outros efeitos indiretos na análise dos biocombustíveis terão peso decisivo nas escolhas das refinarias e poderão favorecer o álcool produzido no Brasil.
Mais rico dos Estados americanos, a Califórnia consumiu quase 57 bilhões de litros de gasolina em 2008. Se as refinarias substituíssem um décimo disso por etanol, misturando o álcool à gasolina para cumprir as exigências da legislação do Estado, a demanda gerada pela iniciativa seria equivalente a três vezes o volume de etanol vendido pelos usineiros brasileiros para os EUA no ano passado.
Se a proposta dos ambientalistas da Califórnia vingar, o álcool do Brasil terá uma vantagem significativa sobre o etanol feito de milho nesse mercado. “O combustível que proporcionar uma redução maior das emissões de carbono poderá cobrar um prêmio por isso”, disse o representante da União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica) nos EUA, Joel Velasco, que tem acompanhado de perto a discussão do tema na Califórnia.
O etanol brasileiro enfrenta atualmente diversas barreiras para entrar nos EUA. Os produtores americanos recebem subsídios oficiais generosos para extrair o combustível do milho. Tarifas impostas ao álcool importado encarecem o produto brasileiro, reduzindo sua competitividade. As normas em debate na Califórnia podem reduzir a importância dessas barreiras se de fato gerarem um aumento na demanda pelo etanol do Brasil.
Políticos, cientistas e grandes corporações com interesses no setor tem se mobilizado para influir na discussão. Vários grupos estão pressionando as autoridades da Califórnia a abandonar a ideia de incluir os efeitos indiretos nas suas análises, por causa das perdas que isso pode causar especialmente às usinas americanas. É provável que diversos grupos recorram à Justiça contra a decisão da Califórnia.
Os modelos matemáticos usados para calcular os efeitos indiretos são imperfeitos. Se uma floresta é destruída porque fazendeiros precisam de terra para produzir alimentos, o carbono armazenado nas árvores é liberado na atmosfera, contribuindo para o efeito estufa. Mas inúmeros fatores podem contribuir para que isso ocorra, e o avanço dos biocombustíveis em áreas que eram dedicadas à produção de comida é só um deles.
“A premissa básica dessa discussão, a de que os biocombustíveis também são responsáveis por emissões que ocorrem fora da sua cadeia produtiva, está errada”, disse o professor Bruce Dale, um especialista da Universidade de Michigan. “Outro problema é achar que temos condições de analisar todas as variáveis envolvidas no processo e tomar decisões com base em modelos tão pouco confiáveis”.
Mas os ambientalistas têm muito poder na Califórnia e neste ano passaram a ocupar postos-chave em Washington também, com a posse do presidente Barack Obama. “Não há como fugir dessa discussão”, disse Nathanael Greene, um analista do Conselho de Defesa dos Recursos Naturais, um influente grupo de pressão. “Pode haver dúvidas sobre a melhor forma de calcular isso, mas é certo que o impacto dos biocombustíveis sobre o uso da terra não é zero e precisamos desenvolver a indústria de forma mais sustentável”.
Há no momento uma discussão muito semelhante em curso na esfera federal. A Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA, na sigla inglês) também está prestes a definir uma nova metodologia para calcular as emissões de gases-estufa associadas aos vários tipos de biocombustíveis, incluindo os efeitos indiretos sobre o uso da terra. A proposta da EPA ainda está em análise na Casa Branca.
Metas fixadas pela legislação americana impõem limites à expansão das usinas de etanol de milho no país e determinam que no futuro o consumo de outros biocombustíveis só poderá aumentar se eles emitirem 50% menos gases-estufa do que a gasolina. Cálculos preliminares feitos pela EPA indicaram uma redução de 44% com o uso do etanol de cana, numa conta que inclui os efeitos indiretos.
O presidente Lula apresentou na reunião do G-20, realizada na semana passada em Londres, estudo da Embrapa que aponta que a substituição de gasolina por etanol chega a reduzir em 73% a emissão total de dióxido de carbono (CO2), óxido nitroso presente no nitrogênio de fertilizantes e gás metano – mesmo levando-se em consideração todo o processo de produção de cana, seu processamento e o transporte, distribuição e comercialização do combustível. Segundo a Embrapa, se toda a frota brasileira de veículos movidos a gasolina fosse convertida ao etanol, a economia seria de 53,3 milhões de toneladas em um ano. Como informou o Valor, a Embrapa Agrobiologia está preparando, a partir de dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), um trabalho que compara a economia de CO2 nas produções de etanol a partir da cana e a partir do milho.
Representantes da indústria de biocombustíveis se mobilizaram nos últimos meses para convencer os técnicos do Conselho de Qualidade do Ar da Califórnia a rever diversos aspectos dos cálculos que eles estão fazendo para avaliar o impacto ambiental dos vários tipos de combustível, num esforço para evitar os prejuízos que essa análise pode provocar.
Cada grama de carbono faz diferença nessa discussão. Boa parte das emissões de gases-estufa associadas à produção de etanol no Brasil ocorre por causa das queimadas, um método tradicionalmente usado para destruir a palha da cana e facilitar o corte da planta. Mas a prática começou a ser abandonada pelos usineiros e os modelos usados na Califórnia não refletem essa evolução.
Conforme cálculos preliminares apresentados pela Califórnia em fevereiro, quase um terço das emissões associadas à produção de etanol de cana tem origem nas queimadas. A União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) pediu à Califórnia que incorpore aos seus modelos índices maiores de mecanização na colheita da cana, o que faria desaparecer da conta final mais da metade das emissões associadas às queimadas.
O relatório mais recente publicado pela Califórnia diz que o etanol de cana tem um índice de intensidade de carbono equivalente a 26,6 gramas de carbono por megajoule de energia gerada, sem incluir os efeitos indiretos atribuídos ao desmatamento e outras mudanças no uso da terra. A Unica calcula que esse índice poderia ser reduzido para 20 se práticas mais modernas adotadas pelas usinas forem reconhecidas pelos modelos usados pelos técnicos.
Mas o que preocupa mais a Unica é a forma como a Califórnia calculará os efeitos indiretos. Do jeito que as coisas estão hoje, eles somariam 46 gramas ao índice de intensidade de carbono do etanol de cana, levando o total para 72,6. Um dos problemas que já foram detectados é que os técnicos da Califórnia estão usando imagens de satélite antigas, do fim dos anos 1990, para estudar a evolução do desmatamento no Brasil.
Os produtores de etanol de milho dos EUA querem que a Califórnia reconheça o valor de um subproduto, o DDG (do inglês Distillers Dried Grains), uma espécie de farelo de milho que é extraído na produção do etanol e usado para ração animal. Eles argumentam que a existência desse subproduto freia o avanço do milho em regiões dedicadas a outras culturas, um dos principais efeitos indiretos associados às usinas americanas.
Os cálculos da Califórnia atribuem ao etanol de milho um índice de intensidade de carbono equivalente a 69,4 gramas, que chega a 99,4 depois de somados os efeitos indiretos. Um estudo encomendado pela indústria americana a uma consultoria, a Air Improvement Resource, sugere que uma reavaliação do subproduto das usinas e outros pequenos ajustes poderiam levar a zero o peso dos efeitos indiretos na conta da Califórnia.
Outro problema que a indústria tenta contornar é o tratamento dado à gasolina. Os modelos usados na Califórnia medem a intensidade de carbono dos combustíveis fósseis sem atribuir a eles nenhum efeito indireto como os associados aos biocombustíveis. Os representantes da indústria acham que isso distorce qualquer comparação e estão produzindo estudos para convencer os técnicos a associar um volume maior de emissões à gasolina.(RB)
[EcoDebate, 13/04/2009]
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