Cientistas receiam que ideia de descontrole irreversível das mudanças climáticas desestimule ações
Cientistas divergem sobre ‘pontos climáticos sem volta’ – Sua linguagem foi apocalíptica. No mês passado, um conhecido cientista, estudioso do clima, alertou que o aumento das temperaturas na Terra vai desencadear desastres irreversíveis se não forem adotadas rapidamente medidas para frear o aquecimento global. “O clima está se aproximando de um ponto sem volta”, escreveu James Hansen, cientista da Nasa, no jornal britânico Observer. “Se não mudarmos o rumo das coisas, nossos filhos herdarão uma situação totalmente sem controle.”
Segundo Hansen e outros cientistas que compartilham sua opinião, as calamidades provocadas por esse aquecimento poderão ser generalizadas e avassaladoras, como o desaparecimento de um número incalculável de espécies, a destruição de recifes e florestas, a transformação da Amazônia numa savana ressecada, a perigosa elevação dos níveis do mar (por causa do derretimento da camada de gelo da Antártida e da Groenlândia) e o degelo da tundra ártica, que pode liberar torrentes de gás metano na atmosfera, retroalimentando o efeito estufa. Matéria Andrew C. Revkin, do New York Times.
Mas a noção de que o planeta se aproxima desses pontos sem retorno – limites a partir dos quais as mudanças climáticas serão incontroláveis – vem provocando dissensão mesmo entre cientistas que estão bastante preocupados com as implicações do aquecimento climático.
Na tentativa de chamar a atenção da opinião pública, uma ala de ambientalistas e estudiosos tem alertado para a iminência desses becos sem saída. O termo “ponto sem volta” foi cunhado justamente para realçar quão urgente é a ameaça, que de outro modo poderia parecer muito teórica e distante das pessoas para conseguir preocupá-las de fato.
Para outros cientistas, contudo, são poucas as evidências que embasam o discurso “a partir daqui, não haverá mais nada a fazer”. A preocupação desse grupo é que ele possa levar a equívocos e produzir o efeito contrário, exacerbando as acusações de alarmismo e ameaçando o apoio público à redução das emissões de gases-estufa.
“Acho que essa conversa é perigosa”, diz Kenneth Caldeira, cientista da Universidade Stanford e do Instituto Carnegie, que defende uma ação rápida para reduzir as emissões de dióxido de carbono.
“Se dizemos que chegamos ao limite e que atingimos um ponto sem volta, isso é desculpa para não agirmos amanhã.” Ele pondera: “Embora estudos de padrões climáticos num passado distante mostrem claramente o potencial para que o clima sofra mudanças drásticas, é muito incerto fazer previsões específicas sobre o futuro.”
Plausibilidade
Em alguns casos, há fortes dúvidas sobre se os potenciais desastres provocados pelo clima – como o desaparecimento da Amazônia ou a elevação dos níveis do mar dentro de um século – são plausíveis. E mesmo sendo consensual que o aumento das temperaturas pode provocar mudanças incontroláveis, ninguém sabe em que ponto, afinal, as rédeas serão perdidas.
Ainda assim, “ponto sem volta” é conceito bastante empregado ultimamente, com os esforços do governo Obama e do Congresso para ser votada lei tratando da redução das emissões de gases-estufa e com a tentativa de negociação de um novo tratado global sobre clima.
Em relatórios divulgados este mês, o Banco Mundial e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) destacaram os tais pontos sem retorno como sua maior preocupação. No ano passado, uma equipe de cientistas europeus publicou um documento na prestigiosa revista Proceedings of the National Academy of Sciences com uma compilação de tudo o que se sabe – e tudo que ainda não se sabe – sobre os diversos pontos sem volta climáticos – incluindo o derretimento do gelo marinho no Polo Norte e as mudanças preocupantes das monções na África Ocidental.
Os autores do estudo dizem que sua intenção é reduzir o risco de “a sociedade ser iludida por uma falsa sensação de segurança por projeções menos pessimistas sobre as mudanças climáticas no globo”.
De outro lado, o Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre Mudança Climática (IPCC), num estudo realizado em 2007, evitou expressamente especificar quaisquer pontos sem retorno, concluindo simplesmente que a cesta de riscos aumenta a cada grau Celsius de aquecimento.
Mas Hansen insiste no uso do termo, alegando que ele define exatamente algumas consequências prováveis de um aquecimento global descontrolado. Segundo ele, existem muitas evidências de que as temperaturas em elevação podem ter um efeito abrupto, calamitoso e “não linear” sobre glaciares e ecossistemas.
“Garanto que esses sistemas não lineares existem”, defende. “As capas de gelo realmente desintegram. Aumentos no nível do mar documentados, de quatro a cinco metros por século, existem – é um colapso não linear. Os ecossistemas também podem entrar em colapso.” Hansen diz ainda que, quando discute o aquecimento global, refere-se não só aos marcos de irreversibilidade, mas também a ameaças mais gerais.
Recuperação
Mas cientistas que também têm buscado uma resposta para as alterações que afetam o gelo polar e as florestas tropicas retrucam que há pouca evidência de destruição galopante. Por exemplo, a ideia de que a forte retração, verificada recentemente, do gelo marinho do Polo Norte no verão chegou ao seu ponto culminante foi contestada por estudos realizados pelos cientistas John Wettlaufer, de Yale, e Ian Eisenman, do Instituto de Tecnologia da Califórnia.
Eles afirmam que a banquisa, a camada superficial de gelo resultante do congelamento da água do mar, tem capacidade de se recuperar quando o verão acaba, equilibrando o derretimento que ocorre quando a luz do sol aquece as águas abertas.
Wettlaufer sublinhou a importância de ser “incisivamente honesto sobre o que sabemos e o que desconhecemos”. À medida que os legisladores buscam uma fórmula para fazer frente aos riscos apresentados pelo aquecimento, alguns especialistas avaliam que colocar o foco nos pontos sem volta só vai perpetuar o debate sobre questões específicas, enquanto a necessidade real de se tomar decisões, mesmo diante das incertezas, será deixada de lado.
“Seria muito melhor não gastar muito tempo ruminando sobre pontos sem volta”, resume Christopher Green, economista que estuda energia e clima na Universidade McGill. “Não importando se a probabilidade é grande, média ou pequena, acho que a resposta é a mesma: o clima não pode ser estabilizado sem uma revolução no campo da tecnologia energética”, afirma.
Matéria [Among Climate Scientists, a Dispute Over ‘Tipping Points’] do New York Times, no O Estado de S.Paulo, 05/04/2009.
[EcoDebate, 08/04/2009]
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t http://dotearth.blogs.nytimes.com/2009/03/28/tipping-points-and-the-climate-challenge/