A COP27 e o caminho do inferno climático e ambiental
A COP27 e o caminho do inferno climático e ambiental, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
“Estamos na autoestrada rumo ao inferno climático e com o pé no acelerador”
António Guterres, na abertura da COP27
Todos os anos ocorre uma reunião da Conferência das Partes (COP) da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC na sigla em inglês). A exceção foi 2020, que teve a Cúpula adiada por conta da pandemia. A COP27 acontece no balneário egípcio de Sharm El-Sheikh, em novembro de 2022 e coincide com a data em que o mundo alcança a marca de 8 bilhões de habitantes (em 15/11/2022). Na abertura da Conferência do Egito, o Secretário-geral da ONU, António Guterres, disse: “Estamos na autoestrada para o inferno climático e com o pé no acelerador”.
De fato, a concentração de CO2 na atmosfera continua aumentando e está em aceleração, em função do crescimento demográfico e econômico. Em 1960, quando a população mundial era de 3 bilhões de habitantes e uma economia de menor volume, a concentração de CO2 na atmosfera era de 317 partes por milhão (ppm). Em 2022, com 8 bilhões de habitantes e um PIB muito maior, a concentração de CO2 atingiu 421 ppm, o mais alto valor dos últimos 12 mil anos do Holoceno.
O gráfico abaixo apresenta o processo de aumento da curva de Keeling e os diversos eventos da governança global que foram incapazes de interromper as emissões de gases de efeito estufa. Há 50 anos, foi realizada a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano (ou Conferência de Estocolmo), realizada na capital da Suécia, entre 5 e 16 de junho de 1972. Naquela ocasião, a concentração de CO2 na atmosfera estava em 330 partes por milhão (ppm) e a população mundial era de 3,85 bilhões de habitantes. Em 1987, quando o mundo chegou a 5 bilhões de habitantes, foi publicado o Relatório Brundtland (Nosso futuro comum), com a definição clássica de desenvolvimento sustentável.
Em 1988, o climatologista James Hansen fez um depoimento no Congresso Americano mostrando como o aquecimento global estava se acelerando. Naquele ano a concentração de CO2 estava em 351 ppm. Em 1992, foi realizada a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, também conhecida como Eco-92 ou Cúpula da Terra, que aconteceu na cidade do Rio de Janeiro de 3 a 14 de junho de 1992, com o objetivo foi debater os problemas ambientais globais. Naquela ocasião a concentração de CO2 tinha passado para 357 ppm.
A 1ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (a COP1) aconteceu na cidade de Berlim em 1995. Dois anos depois, em 1997, aconteceu a COP3, quando foi assinado o Protocolo de Kyoto, no Japão. Naquele ano a concentração de CO2 estava em 367 ppm e a população mundial tinha passado para quase 6 bilhões de habitantes. A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, conhecida também como Rio+20, foi realizada entre os dias 13 e 22 de junho de 2012, na cidade do Rio de Janeiro. Naquele ano a concentração de CO2 estava em 396 ppm e a população mundial tinha ultrapassado 7 bilhões de habitantes.
Nos 70 anos da ONU, foi realizado a COP21, quando foi assinado o Acordo de Paris que é um tratado ocorrido no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (CQNUMC). O acordo foi negociado na capital da França e aprovado em 12 de dezembro de 2015. Entre as principais medidas estão a redução das emissões de gases estufa, a fim de conter o aquecimento global abaixo de 2º C e, preferencialmente, abaixo de 1,5º C, e garantir a perspectiva do desenvolvimento sustentável. Naquele ano a concentração de CO2 estava em 404 ppm.
No final de 2021 foi realizada a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática, na cidade de Glasgow, na Escócia. A tarefa mais urgente da COP26 foi traçar metas mais ambiciosas de redução de gases de efeito estufa para evitar um aquecimento global acima de 1,5º C. A concentração de CO2 estava em 419 ppm. Os mesmos desafios permanecem na COP27 do Egito, em 2022, quando concentração de CO2 atingiu 421 ppm no mês de maio e a população mundial alcançou 8 bilhões em novembro.
Assim, a curva de Keeling continua aumentando a despeito de todo o blá-blá-blá da governança global. De fato, as emissões globais de CO2 estavam em 2 bilhões de toneladas em 1900, passaram para 6 bilhões de toneladas em 1950, chegaram a 25 bilhões de toneladas no ano 2000 e atingiram 36 bilhões de toneladas entre 2019. No passado foram os países desenvolvidos que mais emitiram CO2 em função da queima de combustíveis fósseis. Mas no século XXI os países fora da OCDE emitem mais do que os países da OCDE e a soma da China + Índia emite muito mais do que a Europa + EUA. Em consequência do efeito estufa, as temperaturas do Planeta estão subindo e acelerando as mudanças climáticas e seus efeitos danosos sobre a vida na Terra.
Por conseguinte, o aquecimento global é uma realidade inexorável e as pessoas já começam a perceber a dimensão do problema quando sofrem os efeitos dos furacões, inundações, secas prolongadas, ondas letais de calor, etc. O período de 2014 a 2022 apresentou os 9 anos mais quente do Antropoceno.
O ano de 1998 foi o mais quente do século passado e apresentou temperatura 0,65º C acima da média do século XX. O ano de 2010 registrou 0,73º C, mas em 2011 a temperatura ficou em 0,58º C acima da média do século passado, valor menor do que aquele registrado em 1998. O gráfico abaixo mostra a variação mensal da temperatura nos últimos 9 anos, que registraram as maiores temperaturas da série histórica iniciada em 1880.
Desta forma, o quadro mudou e piorou. A partir de 2014, todos os anos apresentam variações de temperatura acima do registrado em 1998 e 2010. Em 2014 a temperatura foi 0,74º C acima da média do século XX. Em 2016 e 2020 ficou quase 1º C acima da média do século XX (mas cerca de 1,2º C em relação ao final do século XIX). Em 2021, com o fenômeno La Niña, a temperatura ficou 0,84º Celsius, acima da média do século XX. Em 2022, a temperatura está estimada em 0,87º C, constituindo o sexto ano mais quente da série histórica.
O aquecimento global é a estrada para o inferno, com disse António Guterres, pois gera ondas letais de calor (ameaçando centenas de milhões de pessoas), acidifica os solos e as águas dos rios, lagos e oceanos, mata os corais que são o berçário para a vida marinha, aumenta a frequência e a intensidade dos furacões, além de provocar o degelo dos polos, dos glaciares e da Groenlândia.
O gráfico abaixo, da Organização Meteorológica Mundial, mostra que a elevação do nível do mar ocorria no ritmo de 2,1 milímetros (mm) por ano entre 1993 e 2002, passou para 2,9 mm entre 2003 e 2012 e atingiu 4,4 mm por ano entre 2013 e 2022. Portanto, o ritmo de elevação do nível do mar tem se acelerado e perda de gelo nos polos, Groenlândia e glaciares tende a agravar este quadro nas próximas décadas.
A perda de gelo e o aumento do nível dos oceanos ameaça bilhões de pessoas que vivem ou dependem das áreas litorâneas. Bangladesh, por exemplo, terá amplas áreas territoriais inundadas pelas águas salgadas, inclusive a capital Daca ficará profundamente ameaçada, pois está a poucos metros acima do nível do mar. A capital da Nigéria, Lagos, também já sofre com os alagamentos, as mortes e os prejuízos provocados pelas mudanças climáticas.
A missão precípua da COP27 é acelerar o financiamento de perdas e danos para ajudar os países pobres e frear a crise climática e humanitária em curso. Países como Tuvalu, Kiribati, Vanuatu, Ilhas Marshall, Ilhas Salomão, Seychelles, Nauru, Fiji, dentre outros, estão correndo o risco de desaparecerem. Estes países atuam na COP27 exigindo o controle do aquecimento global e compensações financeiras para se adaptar às mudanças climáticas. Também pedem que as grandes empresas petrolíferas participem dos esforços globais para mitigar a crise climática e que paguem pelos custos gerados pelas emergências climática e ambiental. A situação dos países africanos é crítica pois a população africana deve passar de cerca de 1,5 bilhão de habitantes atualmente para 4 bilhões em 2100, enquanto o ritmo de crescimento do PIB do continente deve ser reduzido por conta das crises climáticas e ambientais.
No caso do Brasil, as emissões de gases de efeito estufa tiveram em 2021 sua maior alta em quase duas décadas. Dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG) do Observatório do Clima, divulgados em 1 de novembro, mostram que, no ano passado, o país emitiu 2,42 bilhões de toneladas brutas de CO2 equivalente, um aumento de 12,2% em relação a 2020 (2,16 bilhões de toneladas).
As eleições de outubro de 2022 tiraram o Brasil da condição de pária global do clima. O presidente Lula foi convidado pelo presidente do Egito, Abdul Fatah Al-Sisi, para participar da COP27, na segunda semana. Ele estará acompanhado da deputada federal Marina Silva (Rede-SP) e da senadora Simone Tebet (MDB-MS) dentre outras personalidades da política nacional. O reengajamento do quinto maior emissor do planeta nas negociações da Conferência das Partes tem tudo para ser a maior novidade política da COP27.
A ciência é clara, pois para controlar o aquecimento global é preciso reduzir as emissões de CO2. O gráfico abaixo mostra que o limite de 1,5º C poderá ser alcançado se as emissões globais forem reduzidas a zero até 2040. O limite de 1,7º C poderá ser alcançado se as emissões globais forem zeradas antes de 2060. E o limite de 2º C poderá ser alcançado se as emissões globais forem reduzidas a zero até 2082.
Para mudar de direção na autoestrada do inferno é preciso mudar o modelo de produção e consumo do mundo, fazendo uma transição energética que abandone os combustíveis fósseis, mudando os meios de transporte para veículos elétricos, fazendo uma revolução no sistema agropecuário para reduzir as emissões de CO2 e metano e planejar o decrescimento demoeconômico ao longo das próximas décadas para reduzir a pegada ecológica global e aumentar a biocapacidade do Planeta.
Será que a COP27 vai trocar o caminho da danação pelo caminho da salvação ecológica?
José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referência:
ALVES, JED. Crescimento demoeconômico no Antropoceno e negacionismo demográfico, Liinc em Revista, RJ, v. 18, n. 1, e5942, maio 2022 https://revista.ibict.br/liinc/article/view/5942/5595
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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