A China deve perder 654 milhões de habitantes entre 2022 e 2100
A China deve perder 654 milhões de habitantes entre 2022 e 2100, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
A China tem sido o país mais populoso do mundo desde tempos imemoriais. Contudo, vai perder a liderança global entre os países mais populosos do mundo em 2023, quando será superado pela Índia.
A China tem uma área de 9.596.960 km2, maior do que a área territorial do Brasil. A densidade demográfica em 2022 é de 149 habitantes por km2, bem inferior à densidade da Índia de 478 hab/km2, mas bastante superior à densidade brasileira de 26 hab/km2.
O chamado “Império do Meio” tinha 544 milhões de habitantes em 1950, chegou a 1 bilhão em 1982 e alcançou o pico populacional em 2022 com 1,43 bilhão de habitantes. Mas vai começar a apresentar decrescimento populacional a partir de 2023 e deve chegar a 771 milhões de habitantes em 2100, segundo as projeções médias divulgadas pela Divisão de População da ONU (revisão 2022). Portanto, o país deverá perder 654 milhões de habitantes nos próximos 78 anos (número semelhante aos 658 milhões de habitantes de toda a América Latina e Caribe em 2022).
O gráfico abaixo (painel do lado esquerdo) mostra a evolução da população total da China de 1950 a 2100, trazendo uma série de projeções dependendo do grau de probabilidade. Na projeção mais alta a população chinesa ficaria em torno de 1,2 bilhão de habitantes em 2100 e na projeção mais baixa ficaria com menos de 500 milhões no final do século. O outro gráfico (à direita) mostra a população em idade de 15-59 anos que chegou a quase 1 bilhão de pessoas em idade produtiva em 2010, já caiu nos últimos 12 ano e deve diminuir ainda mais rapidamente no restante do século, ficando com cerca de 330 milhões de pessoas em 2100 (na projeção média).
Evidentemente, uma redução da força de trabalho para cerca de um terço, em relação ao valor máximo, representará um grande desafio para os objetivos de manutenção das atividades econômicas. Porém, a redução da população em idade ativa (PIA) não é um entrave escatológico, pois a China possui altas taxas de poupança e investimento que permitem renovar o parque produtivo do país, avançando com a ciência e a tecnologia e permitindo que o conjunto da força de trabalho fique mais produtiva, inclusive a população idosa.
O gigante asiático está se preparando para avançar na liderança de setores produtivos fundamentais da 4ª Revolução Industrial. A China pretende não apenas ser vanguarda em setores de ponta, como planeja avançar na produção de robôs, na automação industrial e na construção de uma economia informatizada, garantindo o aumento do bem-estar humano e ambiental com a diminuição da população. Os chineses estão mudando o foco do crescimento intensivo em trabalho para um modelo de crescimento qualitativo e intensivo em ciência e tecnologia, visando a chamada “prosperidade comum”, isto é, progresso com foco na redução da desigualdade social. Haverá menos empregos, mas com a pretensão de postos de trabalho mais produtivos e com produção de maior valor agregado.
Os gráficos abaixo mostram a evolução das taxas de fecundidade e a expectativa de vida. As taxas de fecundidade (gráfico da esquerda) estavam em torno de 6 filhos por mulher em meados do século passado, caiu na década de 1950, mas teve um grande aumento na época da Revolução Cultural (anos 1960). Na década de 1970, a fecundidade começou a cair em função da política “Mais Tarde, Mais Tempo e em Menor Número” (em chinês: “Wan, Xi, Shao” e em inglês: “later, longer, fewer”) que incentivava as mulheres a terem o primeiro filho em idades mais avançadas, que mantivessem um espaçamento maior entre os filhos e que limitasse o tamanho da prole, adotando um tamanho pequeno de família. A fecundidade caiu rapidamente.
Porém, no bojo das reformas implementadas por Deng Xiaoping em dezembro de 1978, foi instituída a “Política de filho único”, a iniciativa controlista mais draconiana da história. Como resultado, a fecundidade ficou abaixo do nível de reposição já nos anos de 1980 e caiu ainda mais desde meados da década passada. Assim, o número de nascimentos anuais caiu de cerca de 30 milhões na década de 1960 para menos de 15 milhões atualmente. E continua caindo.
A expectativa de vida ao nascer que estava em torno de 45 anos em 1950 teve uma grande queda na época da grande fome provocada pela política do “Grande Salto para a Frente” no início dos anos de 1960. Mas desde então, o tempo médio de vida vem aumentando rapidamente e está próxima dos 80 anos, devendo ultrapassar 90 anos até 2100.
A consequência da queda da fecundidade e do aumento da expectativa de vida é a mudança na estrutura etária, com a diminuição dos grupos jovens e o aumento da proporção dos grupos mais idosos. O gráfico abaixo (da esquerda) mostra a população de 0 a 14 anos da China de 1950 a 2100. A população jovem cresceu nos primeiros 30 anos da Revolução Chinesa (de 1949), mas começou a cair desde o fim da década de 1970, quando atingiu o pico de quase 400 milhões de jovens. Na projeção média, o número de jovens (crianças e adolescentes) deve ficar abaixo de 100 milhões em 2100. Já o número de idosos (gráfico da direita) cresceu, passando de menos de 50 milhões em meados do século, estando estimado em mais de 500 milhões em meados do século XXI. Na segunda metade do atual século, seguindo a tendência geral da população, o número de chineses com 60 anos ou mais de idade deve diminuir e atingir cerca de 350 milhões.
Esta mudança da estrutura etária, provocada pelo avanço da transição demográfica (queda nas taxas de mortalidade e natalidade) se expressa na transformação da pirâmide populacional, estreitando a base e alargando o topo entre 1950 e 2100, conforme mostrado nos gráficos abaixo. A pirâmide etária de 1950 tinha uma base larga e um topo estreito, devido às altas taxas de natalidade e mortalidade. Existia uma alta razão de dependência de jovens e uma baixa proporção de pessoas em idade ativa. Mas a partir da década de 1970, as taxas de fecundidade caíram, reduzindo a proporção de jovens e aumentando a proporção de pessoas em idade de participar da força de trabalho, como mostrado na pirâmide de 2022. Isto gerou o 1º bônus demográfico que ajudou o país a reduzir a pobreza e a incrementar o desenvolvimento econômico. Mas no restante do século o predomínio será do envelhecimento populacional.
A China terá uma população menor e uma estrutura etária mais envelhecida, mas está investindo para ter uma população mais saudável, com maiores níveis educacionais, mais qualificada e mais adaptada à tecnologia e à sociedade da informação e do conhecimento. Portanto, ao invés de pensar em manter o incremento populacional a China está se preparando para crescer economicamente com uma força de trabalho mais produtiva e o aproveitamento do 2º e 3º bônus demográfico. Com menor volume populacional, o gigante asiático se prepara não apenas para garantir maior qualidade de vida de seus habitantes, mas também se prepara para lidar com as questões ecológicas, buscando mitigar os seus imensos problemas ambientais.
Indubitavelmente, a nova dinâmica demográfica ajudou a acelerar o bom desempenho econômico. A mudança da estrutura etária reduziu a razão de dependência após 1980, que atingiu o menor valor ao redor de 2010, gerando um bônus demográfico (com uma pessoa dependente para cada duas pessoas em idade de trabalhar). Mas a razão de dependência já começou a aumentar e deve ficar acima de 100 na segunda metade do atual século, ou seja, vai haver mais pessoas dependentes do que pessoas em idade ativa, conforme mostra o gráfico.
A decolagem da economia do “Gigante Asiático” ocorreu na fase de expansão do 1º bônus demográfico e na formação de famílias menores que favoreceram o aumento das taxas de poupança. O Produto Interno Bruto (PIB) da China representava apenas 2,3% do PIB global em 1980 (o PIB do Brasil representava 4,3% do PIB global na mesma data) e passou para 18,8% do PIB global em 2022 e deve chegar a 20% em 2026, conforme mostra o gráfico abaixo (lado esquerdo). Em poder de paridade de compra (ppp) a China já é a maior economia do mundo, caminhando para ter um tamanho 10 vezes maior do que o PIB brasileiro.
A renda per capita da China (em preços correntes em poder de paridade de compra) era de apenas US$ 307 em 1980, dez vezes menor do que a renda per capita mundial. Mas o alto crescimento ao longo de 40 anos fez a renda per capita chinesa (US$ 21,4 mil) ultrapassar a renda per capita mundial (US$ 20,1 mil) em 2022. Para 2026, o FMI estima uma renda per capita de US$ 28,6 mil para a China e de US$ 24,3 mil no mundo, conforme mostra o gráfico abaixo (lado direito).
A China, em cerca de 40 anos, deixou de ser um país de renda baixa e se tornou uma nação de renda média. Nos próximos 30 anos terá a chance de entrar para o clube dos países ricos e de alta renda per capita. Um grande desafio advém do envelhecimento populacional, pois a China que tem uma idade mediana de 38 anos em 2022, passará para uma idade mediana de 50 anos em meados do século XXI, constituindo uma sociedade plenamente envelhecida. Mas a experiência mostra que os países enriquecem antes de envelhecerem. Portanto, a China tem cerca de 30 anos para aproveitar o 2º e o 3º bônus demográfico e fugir da “armadilha da renda média”.
O outro grande desafio advém da área ecológica, pois o sucesso econômico da China aconteceu em meio ao retrocesso ambiental. Segundo o Instituto Global Footprint Network a China tinha, em 1961 uma Pegada Ecológica per capita de 0,91 hectares globais (gha) e uma Biocapacidade per capita de 0,95 gha. Portanto havia superávit ambiental. Mas com o elevado crescimento demoeconômico a Pegada Ecológica per capita passou para 3,8 gha para uma Biocapacidade de 0,92 gha em 2018. Assim, o déficit ecológico per capita passou para 2,9 gha, o que representa um déficit relativo de 303%, conforme mostra a figura abaixo. Em termos absolutos a China tem uma Pegada Ecológica de 5,6 bilhões de gha (quase metade dos 12 bilhões de gha da Biocapacidade global).
A China é o maior emissor de gases de efeito estufa e lança grande quantidade de produtos químicos e lixo no solo, nos rios e no oceano. Esta situação é insustentável. Mas o decrescimento populacional e a descarbonização da economia poderão diminuir a pressão sobre os serviços ecossistêmicos.
Se houver menor Pegada Ecológica e maior eficiência produtiva e energética, o padrão de vida humano e ambiental melhorará. Resta saber se haverá tempo para a China e a comunidade internacional reduzirem a sobrecarga planetária, evitando um colapso ecológico global.
José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
ALVES, JED. Transição urbana e demográfica na trajetória chinesa da pobreza à prosperidade, Ecodebate, 20/10/2021
https://www.ecodebate.com.br/2021/10/20/transicao-urbana-e-demografica-na-trajetoria-chinesa-da-pobreza-a-prosperidade/
ALVES, JED. Envelhecimento populacional e terceiro bônus demográfico na China, Ecodebate, 15/09/2021 https://www.ecodebate.com.br/2021/09/15/envelhecimento-populacional-e-terceiro-bonus-demografico-na-china/
ALVES, JED. A ascensão da China, a disputa pela Eurásia e a Armadilha de Tucídides, IHU, 21/06/2018 http://www.ihu.unisinos.br/580107-a-ascensao-da-china-a-disputa-pela-eurasia-e-a-armadilha-de-tucidides-entrevista-especial-com-jose-eustaquio-diniz-alves
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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