A Era das Narrativas
A Era das Narrativas, artigo de Montserrat Martins
Surpreende que no século XXI ainda haja quem conteste a importância das vacinas. Quando tudo é contestado, vivemos uma Era das disputas de Narrativas
De que você precisa para ser feliz, saúde, emprego, amor, família? As coisas mais básicas parecem fatos concretos (que você tem ou não tem, ou “mais ou menos”) mas existe uma subjetividade até mesmo na saúde, como vimos agora nas polêmicas em torno da Covid.
Informações médicas eram contestadas por grupos com teorias diferentes, redes de teorias da conspiração se disseminaram na internet, justificando a ironia que “se você não está confuso, está mal informado”.
Que tempos são esses em que vivemos, no século XXI, que era para ser uma era de enorme progresso tecnológico, avanço científico, civilizatório, humanitário? Tempos atrás, se acreditava que o futuro traria a felicidade através do progresso da Medicina, da Economia, da sociedade, enfim. Mas já havia pensadores críticos sobre a “sociedade de massas” em que o mundo se transformou, o qual (após milênios) há meio século mudou radicalmente com a maioria da população vivendo em cidades, com a formação de grandes regiões metropolitanas.
“Era do Espetáculo” é outra característica da sociedade de massas, onde para se destacar você tem de fazer algo “espetacular”, como você vê nos vídeos no youtube que “viralizaram”. “Era da Incerteza” é uma realidade também, pois “tudo que é sólido desmancha no ar”, outra expressão para isso é de “Era Líquida”. Ninguém mais tem certezas sobre os relacionamentos, por isso prosperam religiões que prometem “casamento blindado”. Ausência de certezas que gera a Era da Angústia (ou depressão).
As transformações assustam, prosperem pelo mundo movimentos políticos “tradicionalistas”, buscando reviver as certezas do passado, mesmo que seja uma volta à forma de pensar da Igreja medieval e até da Inquisição em certos aspectos, mas que proporciona algumas convicções simplórias, do tipo “menina veste rosa, menino veste azul”.
Surpreende que no século XXI ainda haja quem conteste a importância das vacinas. Quando tudo é contestado, vivemos uma Era das disputas de Narrativas. “Numa guerra a primeira vítima é a verdade” e em 2022 essa vítima padecerá como nunca, em ano eleitoral.
A realidade não importa para os grupos que disputam sua adesão à visão de mundo deles. O século XXI não é (como imaginávamos) das verdades consensuais. É a Era das (disputas de) Narrativas, onde a felicidade não depende só da Ciência, mas também da Literatura.
Montserrat Martins é Médico Psiquiatra
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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