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O boi e a ovelha, ora, quem diria… artigo de Washington Novaes

[O Estado de S.Paulo] Há alguns dias a internet se abarrotou de comentários, a maioria jocosos ou debochativos, a respeito de uma sugestão da Agência de Proteção Ambiental dos EUA de que se passe a taxar criações de animais que em seu processo de ruminação de alimentos produzam arrotos e flatulência (digamos assim), como bois e ovelhas principalmente, numa tentativa de reduzir as emissões de metano, gás cerca de 23 vezes mais danoso que o dióxido de carbono para o efeito estufa e as mudanças de clima.

Um dos países onde a taxação parece perto de ocorrer é a Nova Zelândia, que tem quase 35 milhões de ovelhas e quase 10 milhões de bois, num território pouco maior que o do Estado de São Paulo. Mas esses animais emitem quase metade de todo o metano e o óxido nitroso produzido no país e a previsão é de que produzam o dobro até meados do século (New Scientist, 20/12/2008). Além de estar testando vários caminhos para reduzir as emissões na ruminação do gado (com vacinas, aditivos químicos ou óleo de girassol, trevo e alho na ração), não falta também quem proponha baixar o consumo de carne e leite, campanhas em favor do vegetarianismo ou até mesmo a substituição das ovelhas por cangurus, que não geram metano por aqueles caminhos.

Deveríamos, apesar dos ângulos chistosos da questão, levá-la mais a sério por aqui, porque não faltarão, em breve, pressões também sobre o Brasil no que toca à emissão de metano pelo gado bovino, principalmente. Como já se mencionou neste espaço, o País tem hoje um rebanho de mais de 200 milhões de cabeças, que cresce principalmente em áreas desmatadas da Amazônia. Nos estudos feitos na Embrapa Meio Ambiente em Jaguariúna (SP) mediram 58 quilos anuais de metano, em média, emitidos por um boi adulto.

O inventário brasileiro de emissões apresentado à Convenção do Clima, e que se refere a 1994, registra que o Brasil emitia naquele ano 13,17 milhões de toneladas de metano, das quais 10,16 milhões na agropecuária (inclui também arroz cultivado com inundação de áreas) e 1,8 milhão de toneladas por “mudança no uso de terra e florestas”, além de 803 mil toneladas no “tratamento de resíduos”. Como essas 13,17 milhões de toneladas podem ser multiplicadas por mais de 20 para encontrar o equivalente ao carbono, conclui-se que as emissões por gado e desmatamento contribuem mais para as emissões totais do País do que toda a matriz energética (transporte, indústria, etc.), que respondia no inventário por 236,5 milhões de toneladas anuais. Sem falar que, de 1994 para cá, as emissões brasileiras cresceram muito. O novo inventário, prometido para o ano passado, foi adiado. Mas tanto o Banco Mundial como o ex-economista chefe dessa instituição, Sir Nicholas Stern, dizem que o aumento foi significativo (Stern chegou a mencionar o dobro).

A bióloga e cientista ambiental holandesa Elke Stehfest, em entrevista ao Instituto Humanitas Unisinos, enumera, entre os caminhos para baixar as emissões no mundo, a redução no consumo de carne a 400 gramas por pessoa por semana – tese polêmica, ainda mais num momento de crise econômica e com as exportações brasileiras de carnes em queda acentuada. De qualquer forma, ela acha indispensável que cesse a multiplicação de rebanhos em áreas desmatadas, como na Amazônia. Outro cientista, em tom de deboche, propôs que os 40% da população norte-americana que já sofrem com a obesidade (motivada em parte por gorduras nas carnes) se submetam a lipoaspirações e que a gordura retirada seja utilizada como biocombustível e gere energia.

Brincadeiras à parte, o tema se coloca a cada dia com mais gravidade, principalmente com o temor de que a imensa quantidade de metano estocada sob os gelos polares e o permafrost da Sibéria seja liberada com o derretimento desses gelos, de que são cada vez mais frequentes as notícias. Só debaixo dos gelos do Ártico calculam os cientistas que haja mais metano que todo o carbono contido nas reservas mundiais de carvão (Steve Connor, Eco 21, novembro 2008). Hoje é raro o dia em que não apareça na comunicação alguma notícia sobre o derretimento de gelos nos pólos, na Groenlândia, nos Andes sul-americanos. A calota polar do Ártico perdeu em 2008 cerca de 4,13 milhões de km², diz o WWF. Com o derretimento, a elevação no nível dos oceanos ao longo deste século poderá ser até três vezes maior do que se calculava, afirma estudo do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), e chegar a 1 metro. Outras instituições avançam para 1,80 metro. A Associação Americana para o Avanço da Ciência avalia que o Ártico poderá deixar de existir em duas décadas, com a progressão do derretimento. E a concentração de poluentes na atmosfera chegou a 384,9 partes por milhão, 2,2 mais que em 2007 – apesar da redução de atividades econômicas com a crise. O balanço dos “desastres climáticos” chegou a US$ 200 bilhões no ano. Texas e Califórnia enfrentam as maiores secas de sua história, assim como a Austrália e o norte da China. Países-ilha como Maldivas e Kiribati tentam comprar territórios em outras partes para evacuar sua população, hoje sem saída com a elevação das águas do Pacífico.

As previsões para as próximas décadas também são complicadas, inclusive as do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), que teme uma redução na produção de alimentos no mundo em 25% até 2050, por “degradações ambientais” e mudanças climáticas. Faz até várias sugestões, entre elas redução de subsídios, maior uso de biocombustíveis gerados por resíduos (para reduzir a competição por terras). No Brasil, é preciso dar muito estímulo a pesquisas como as da Embrapa, que tenta produzir variedades de capim para pastos que produzem menos metano. Este é um tema muito difícil entre nós, mas não há como fugir dele.

Washington Novaes é jornalista E-mail: wlrnovaes{at}uol.com.br

* Artigo originalmente publicado no O Estado de S.Paulo, 13/03/2009.

[EcoDebate, 16/03/2009]

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