Por que tanta indiferença aos bons ventos das eólicas? artigo de Simone Silva Jardim
Na matriz elétrica brasileira, a fonte eólica tem potencial realista de 60 mil megawatts, ou dez vezes mais capacidade que terão as usinas do rio Madeira.
Mas, na prática, a participação das eólicas no País é vexatória: menos de 1%. Pudera, o valor médio estimado da tarifa gira em torno de R$ 180,00 a R$ 220,00 por MWh. Só para se ter um parâmetro, varia entre R$ 30,00 e R$ 40,00 o megawatt-hora da energia gerada pela força das águas.
Mundo afora a situação é outra. As chamadas “jazidas de ventos” estão em franca exploração e abocanham mais de 30% dos investimentos direcionados para as chamadas fontes de energias renováveis.
Para se ter uma idéia, a geração de energia a partir dos ventos, em âmbito global, triplicou entre 2003 e 2008, passando de 40 mil MW para 120 mil MW.
Estima-se que a energia eólica poderá garantir 10% das necessidades mundiais de eletricidade até 2020, criando 1,7 milhão de novos empregos, além de reduzir a emissão global de dióxido de carbono na atmosfera em mais de 10 bilhões de toneladas.
Outros números que merecem atenção: o Brasil ocupa a 24ª posição no ranking de produtores de energia eólica, com produção de 341 MW, contra robustos 25 mil MW dos Estados Unidos, o primeiro colocado mundial. A Alemanha tem a vice-liderança (23% da energia que consome é proporcionada por eólicas), seguida de China, Espanha e Índia. Na América Latina, onde a produção é de 625 MW, somos o maior produtor, vindo em seguida o México (85 MW).
Uma “Itaipu dos ventos”
O fato é que na terra Brasilis, apesar da evidente vantagem competitiva – 70% de nossa população concentra-se na faixa litorânea e as regiões Sul e Nordeste têm perfil para abrigar tais usinas –, o governo permanece indiferente aos bons ventos das eólicas.
E não é porque esteja preocupado com o impacto das plantas, que com suas imensas torres e pás alteram, sim, a paisagem e podem até ameaçar pássaros se forem instaladas em rotas de migração. Venhamos e convenhamos, os interesses políticos e econômicos por trás desse distanciamento das eólicas são inconfessáveis publicamente.
Veja-se o paradoxo: ano passado foram realizados no Brasil leilões de energia nova em que as usinas termelétricas movidas a óleo diesel reinaram absolutas. É pedagógico o comentário de um alto executivo que conhece bem o setor: “Em um país como o Brasil, que possui grande potencial de geração por meio de uma matriz energética mais limpa, as termoelétricas devem existir, mas desligadas.” Pode? E nós, bravos contribuintes, é que pagamos mais esta conta.
Algumas iniciativas tentam romper o cerco, a exemplo do Centro de Excelência em Energia Eólica da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). A USP também protagoniza um megaprojeto de energia eólica offshore no Ceará.
O empreendimento é ambicioso. Pretende ser uma “Itaipu dos ventos”, mas para virar realidade depende do desenvolvimento de uma tecnologia inovadora, ainda inexistente no país, a qual consiste na fabricação de super aerogeradores. Recursos para esta pesquisa nem são cogitados nos gabinetes. Mas no universo empresarial, nomes de peso como Vestas, GE, Villares Metals, Impsa e Siemens exibem disposição para investir pesado no negócio das eólicas aqui no Brasil.
Reservatórios de óleo leve
“Cá com meus botões”, fico imaginando se o presidente Lula tivesse, pelas eólicas, apenas um “fiapo” do entusiasmo que exibe quando o assunto é a exploração dos campos de petróleo na camada do pré-sal e a dinheirama que está disposto a investir para chegar ao poluente combustível fóssil.
Apesar de a Petrobras há tempos alardear a existência de bilhões de barris de petróleo, supostamente encobertos por espessas camadas de sal abaixo do leito do mar brasileiro, de fato, não existe na área o que tecnicamente é chamado de “reserva provada”. O que se encontrou até agora foram indícios. E ponto final.
Em tempo, a chamada camada do pré-sal é uma faixa do subsolo que se encontra sob uma espessa camada de sal situada alguns quilômetros abaixo do leito do mar. Acredita-se que a camada do pré-sal, formada há 150 milhões de anos, possui grandes reservatórios de óleo leve. A faixa das rochas do pré-sal se estendem por 800 quilômetros do litoral brasileiro, desde Santa Catarina ao Espírito Santo, e chega a atingir até 200 quilômetros de largura.
Pólo a profundidade de 7 mil metros
É de conhecimento público que, para este ano, a Petrobras já tem garantidos US$ 12,5 bilhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e mais US$ 5 bilhões de empréstimo-ponte de bancos brasileiros, sendo que US$ 1,5 bilhão já foi lançado no mercado de capitais.
Mas nessas águas, o mar não está para cruzeiro. Especialistas alertam sobre o alto risco envolvido em algumas dessas operações. Trocando em miúdos: a probabilidade de “afundar” milhões do contribuinte brasileiro em nome do pré-sal não é desprezível.
Em agosto do ano passado, durante sua apresentação no seminário “Os Desafios do Pré-Sal”, promovido pelo Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP) e a Fundação Getúlio Vargas, o presidente da Devon no Brasil, Murilo Marroquim, lembrou que mais de 100 poços já tinham sido perfurados na bacia de Campos, na camada do pré-sal, sem sucesso. E arrematou: “Essa história de que não há risco no pré-sal não existe. Não há risco no pólo Tupi. Também já houve casos em que os Testes de Longa Duração no pré-sal de Campos não confirmaram o volume previsto inicialmente.”
Um parêntesis. Tupi é a parte que realmente interessa na área do pré-sal, pois está a 300 quilômetros do litoral, a uma profundidade de 7.000 metros e sob 2.000 metros de sal. É de lá e dos blocos contíguos que o governo espera jorrarem aproximadamente 50 bilhões de barris de petróleo.
Grandes desafios para a economia
Ainda no referido seminário outro expositor, Ivan Simões Filho, diretor da British Petroleum (BP) e ex-diretor da Agência Nacional de Petróleo (ANP) afirmou: “A viabilidade dos campos não está comprovada.”
Simões disse que a Petrobras já havia furado 150 poços na bacia de Campos desde 1990 e não conseguiu encontrar petróleo no pré-sal. Na época, a estatal preferiu não se pronunciar sobre o assunto.
Outra polêmica gira em torno da tecnologia que será necessária para a extração no pré-sal e se a relação custos/benefícios irá compensar. Sabe-se que para retirar o óleo de camadas tão profundas serão exigidos materiais como um tipo mais resistente de aço, que o Brasil não dispõe, e talvez até sejam necessários equipamentos que não são realidade em parte alguma do globo.
Quanto à estimativa de custos, alguns estudos, como o elaborado pelo banco USB Pactual, por exemplo, dizem que seriam necessários 600 bilhões de dólares (45% do PIB) para extrair os 50 bilhões de barris estimados para os blocos de exploração de Tupi, Júpiter e Pão de Açúcar (apenas 13% da área do pré-sal).
A Petrobras aposta em outra previsão. Admite que o custo até se aproxima dos 600 bilhões de dólares, mas engloba as seis áreas já licitadas em que é operadora: Tupi e Iara, Bem-Te-Vi, Carioca e Guará, Parati, Júpiter e Carambá.
“Tal volume (de dinheiro), mesmo diluído ao longo de vários anos, coloca grandes desafios para a economia brasileira. Não se trata, simplesmente, do financiamento dos investimentos. Mesmo se houver influxos de capitais externos para financiá-los, persistirão ameaças ao equilíbrio macroeconômico.” A análise é de Márcio G. P. Garcia, Ph.D por Stanford e professor do Departamento de Economia da PUC-RJ, no artigo “Macroeconomia do Pré-Sal”.
Fonte complementar e competitiva
Mas de volta às nossas usinas de ventos, o secretário-executivo do Conselho Global de Energia Eólica, Steve Sawyer, apresenta argumentos consistentes quando defende a necessidade de o governo brasileiro fazer investimentos em energias alternativas, já que, segundo ele, “a energia hídrica não será suficiente para suprir o crescimento da demanda energética, calculada em 5 mil MW por ano”.
Faz coro com Sawyer o secretário-executivo da Associação Brasileira de Energia Eólica, Pedro Perreli. E ele vai longe: quer que o Congresso Nacional estabeleça uma legislação que faça a energia eólica entrar de verdade na matriz energética tupiniquim. Para isso sugere um modelo semelhante ao das hidrelétricas, com prazos de contratos de 10 a 30 anos para venda de energia e condições de financiamento amigáveis.
Aliás, faltam poucos dias para o encerramento da Consulta Pública para o primeiro leilão de energia eólica que o Ministério de Minas e Energia (MME) está promovendo. Empreendedores, fabricantes de equipamentos, associações civis e outros interessados podem oferecer sugestões ao novo modelo, cujo ponto nevrálgico está em tornar a fonte eólica complementar e competitiva frente à geração termoelétrica e à hidroeletricidade. Segundo o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, o leilão de energia eólica deve acontecer apenas no final deste ano.
Os interesses dos lobistas
Polêmicas à parte, nossas generosas “jazidas de ventos” são tangíveis e seu potencial também está bem mapeado em estudos sérios como o Atlas do Potencial Eólico Brasileiro. Mais: superada a burocracia da aprovação do projeto, esse tipo de planta entra em operação em menos de dois anos.
Pergunto eu – e quem sabe a mídia “grande” também abrace esta pauta: por que a exploração de petróleo no pré-sal pode receber tanto dinheiro, mesmo com o mencionado risco de “mico”, e as eólicas continuam a deriva só porque seus críticos afirmam que os aerogeradores ainda têm alto custo? Se o problema é fazer bom uso do dinheiro público, então a matemática e a teoria do risco favorecem as eólicas.
Moral da história: as eólicas só precisariam ganhar um pouquinho do tratamento VIP dado ao petróleo da camada do pré-sal, ou às hidrelétricas e termoelétricas. Cá entre nós, nada capaz de colocar em risco os interesses dos lobistas de plantão.
Simone Silva Jardim – Jornalista, há duas décadas faz cobertura da temática ambiental e das editorias de finanças e negócios para diversos veículos como repórter especial
* Artigo originalmente publicado no Observatório da Imprensa.
[EcoDebate, 13/03/2009]
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