Tapando a poeira com a peneira
Tapando a poeira com a peneira, artigo de Roberto Malvezzi (Gogó)
As tempestades de areia têm se tornado cada vez mais constantes no interior de São Paulo. Pior, às vezes elas vem com fuligem da palha da cana queimada ou até mesmo com fogo.
Esses dias tivemos as quatro primeiras vítimas humanas desse fenômeno, e com elas cerca de 100 cabeças de vaca. Enfim, vidas humanas e de outros animais já começam a ser sacrificadas no altar da devastação.
Porém, essa não é uma exclusividade do interior paulista. Aqui em Juazeiro da Bahia grande parte da cidade ainda é brindada com fuligem de cana na época da queima da palha, um problema que atravessa anos a fio e até hoje não foi resolvido, mesmo já existindo uma legislação ambiental específica para o assunto.
Colegas da CPT do litoral de Pernambuco dizem que a terra nas lavouras de cana, secularmente ocupada, só serve para segurar a cana em pé. Há muito tempo os solos estão esgotados e a produtividade hoje em dia é muito baixa. Esse é o destino de todo solo destinado às monoculturas, quaisquer que sejam elas.
Para completar, a pulverização aérea, mesmo com uma legislação restringente, pulveriza cana, mananciais, animais, famílias e franjas das cidades onde estão os canaviais, principalmente. Mas, pode ser estendida a qualquer monocultura, que sempre pressupõe grandes extensões de terras, remoção das comunidades, supressão total da vegetação e biodiversidade nativas, desnudamento dos solos e, portanto, agrotóxicos para depois tentar controlar o que eles chamam de praga, na verdade resultado do desequilíbrio ecológico provocado.
Mas, o que acontece no interior de São Paulo é mais grave e mais profundo. Ali, a supressão do Cerrado está criando aos poucos o deserto já previsto pelos cientistas do clima, isto é, com a eliminação da Amazônia e de seus rios voadores, com a supressão do Cerrado que guarda essas águas originadas pelos rios voadores, a desertificação da região é só questão de tempo. Os estudiosos nos mostram que todas as áreas do globo terrestre, nessa latitude, são desertos, como o Atacama no Chile, o deserto da Namíbia na África, o deserto australiano na Austrália. Apenas os rios voadores da Amazônia podem explicar que chova no interior das regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil. Portanto, sem Amazônia toda essa região também será desértica.
As tempestades de areia já são uma realidade definitiva. Não têm mais retorno. Cada vez mais o calor será infernal, a poeira devorando as cidades, a falta de água será constante, problema que antes era uma exclusividade da região Semiárida. A região vai colher o que o agronegócio plantou.
Aí entra o problema. Observo nos jornais das TVs o anúncio das tempestades de areia. Especialistas explicando os fenômenos sob encomenda. Nenhum deles, em nenhum jornal, falou abertamente que estamos colhendo o resultado de 50 ou 60 anos de desmatamento do Cerrado da região. O tema é tabu, é intocável. São explicações fáceis da “poeira acumulada” pela falta de chuva. Que interessante!
É assim, tapando a poeira com a peneira, que vamos transformando o Brasil num imenso canavial ou outra monocultura, posteriormente num deserto, já que aqueles que mandam no Brasil decidiram que assim será.
Roberto Malvezzi (Gogó)*, possui formação em Filosofia, Teologia e Estudos Sociais. Atua na Equipe CPP/CPT do São Francisco.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
A manutenção da revista eletrônica EcoDebate é possível graças ao apoio técnico e hospedagem da Porto Fácil.