Cidades que mais desmatam lideram crimes na Amazônia
Os municípios que mais desmatam na região amazônica são também os que mais registram trabalho escravo e violência no campo. O avanço da pecuária na área acompanha o ritmo da queda das árvores. Essas relações foram detectadas a partir do cruzamento de dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), do Ministério do Trabalho e da CPT (Comissão Pastoral da Terra). A reportagem é de Eduardo Scolese e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 27-04-2008.
A reportagem teve acesso a levantamento do Inpe que identifica o total desmatado de agosto de 2004 a julho de 2007 em 601 cidades da Amazônia Legal (Estados do Norte, além de Mato Grosso e Maranhão).
No ranking dos 50 municípios que mais extraíram madeira no período, sendo 23 em Mato Grosso e 20 no Pará, a violência no campo aparece em 39 deles, com crimes ligados a conflitos fundiários e flagrantes de trabalhadores em situação análoga à escravidão.
Os municípios “top 50” do desmate acumularam a média de um assassinato entre 2004 e 2007, índice sete vezes acima do registrado na região amazônica (0,14), segundo a CPT.
Os campeões na derrubada de árvores também estão à frente nos flagrantes de trabalho escravo, ou seja, quando, além de ser submetido a situações degradantes, o trabalhador é impedido fisicamente de deixar a propriedade.
Entre 2004 e 2007, a média nesses 50 municípios foi de 109 trabalhadores resgatados pelo grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho. Na Amazônia, no mesmo intervalo, a média geral dos municípios foi de 16 pessoas flagradas nessas condições.
Gigante
No topo da lista do desmate está o gigante paraense São Félix do Xingu, município com área equivalente à soma dos Estados de Alagoas e do Rio Grande do Norte (84,2 mil km2).
Nele, em três anos, foram devastados 2.812 km2, com quatro assassinatos e 291 trabalhadores resgatados.
“Onde tem desmatamento ilegal, onde tem grilagem de terra, tem madeireiras e tem morte. A vinculação é realmente essa”, afirma Ailson Machado, assessor de mediação de conflitos agrários da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência.
“O trabalho escravo vem junto, porque eles [proprietários ou grileiros] usam essas pessoas, a maioria delas migrantes, para abrir a mata. Quando termina o desmate, ou elas ficam expostas à violência, sem trabalho, ou são levadas para outras áreas para serem exploradas”, completa.
O avanço do desmatamento na Amazônia também coincide com o crescimento da pecuária. Entre os 50 municípios da região que, segundo dados do IBGE, mais avançaram na quantidade de cabeças de gado entre 2003 e 2006, 29 deles também integram os top 50 na derrubada da floresta.
Colniza (MT) é um exemplo. No extremo noroeste do Estado, na divisa com Amazonas e Rondônia, a cidade aparece em quarto no ranking do desmate, com 982 km2 derrubados, 115,9 mil novas cabeças de gado e dois assassinatos, em três anos.
No mesmo intervalo, Confresa, município no nordeste mato-grossense, seguiu uma linha semelhante, com 270 km2 de desmate, 114,6 mil novas cabeças de gado e 1.013 trabalhadores flagrados em situação análoga à escravidão. “A gente lamenta, mas tem pessoas que ainda estão fazendo isso. Se aproveitarem as áreas já abertas, não precisam desmatar”, diz o pecuarista Nerci Wagner, presidente do sindicato rural de Confresa.
Entre os top 50 do desmatamento, houve um crescimento médio de 90,9 mil cabeças de gado, contra 15,7 mil em toda a região amazônica, uma diferença de 579%.
Valor da floresta
Para a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, o que acontece é que o desmate é uma resposta ao que classifica de baixo valor econômico da floresta. A entidade rejeita a relação entre a violência no campo e a atividade econômica.
José Batista Afonso, advogado da CPT do Pará e integrante da coordenação nacional do braço agrário da Igreja Católica, afirma que a relação entre o desmatamento e a violência no campo não é coincidência.
“Não existe coincidência, e sim uma relação. Na Amazônia, especialmente no Pará, a atividade da pecuária sempre foi a campeã na utilização de mão-de-obra do trabalho escravo. E, se existe expansão da pecuária, há também a expansão da área de desmatamento”, declara Afonso, advogado da CPT.
(www.ecodebate.com.br) matéria da Folha de S.Paulo, publicada pelo IHU On-line, 27/04/2008 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]