Mudanças climáticas ameaçam sítios arqueológicos costeiros
Sítios arqueológicos de povos ancestrais em áreas litorâneas estão sob risco de desaparecimento devido ao aumento do nível do mar, erosão e eventos climáticos extremos.
O avanço das mudanças climáticas coloca em risco sítios arqueológicos costeiros nos Estados Unidos, no Peru e no Brasil. Especialistas defendem políticas integradas que unam a preservação ambiental e cultural, com base em conhecimento tradicional indígena e serviços ecossistêmicos.
Desde os tempos mais remotos, as civilizações humanas se estabeleceram às margens de rios, lagos e oceanos. Por isso, as zonas costeiras do planeta concentram não apenas riquezas naturais, mas também um patrimônio arqueológico inestimável. Hoje, esse legado histórico enfrenta uma ameaça crescente: o avanço do nível do mar, as tempestades cada vez mais intensas e os efeitos das mudanças climáticas.
Um estudo conduzido pelo arqueólogo Jayur Mehta e colegas, publicado recentemente, chama atenção para a vulnerabilidade desses locais e defende que as políticas de preservação ambiental e cultural não podem mais caminhar separadas. Os pesquisadores alertam que tanto os ecossistemas costeiros quanto os sítios arqueológicos estão expostos aos mesmos riscos climáticos, e a proteção eficaz dessas paisagens depende de uma abordagem integrada.
A equipe utilizou modelos digitais de elevação via tecnologia LiDAR, dados de localização de sítios arqueológicos e projeções da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA (NOAA) sobre elevação do nível do mar, para analisar o impacto nas regiões costeiras do Golfo do México — incluindo o Big Bend, na Flórida, e o Delta do Rio Mississippi.
O resultado da análise é alarmante: na Flórida, 11 sítios indígenas já estão no nível do mar ou abaixo dele, e outros 142 — que incluem montes cerimoniais e depósitos arqueológicos conhecidos como middens — podem ser submersos até o final deste século. Entre eles está o Garden Patch, um dos sítios arqueológicos monumentais mais relevantes da região. Já no Delta do Mississippi, além de 11 sítios já vulneráveis, outros 107 enfrentam risco semelhante, incluindo o complexo Magnolia Mounds e o sítio de Bayou Grand Cheniere.
O estudo também aponta que esse problema não é exclusivo dos Estados Unidos. Em várias partes do mundo, regiões litorâneas que abrigam tesouros arqueológicos milenares estão sob pressão. Países como os Países Baixos, onde sítios pré-históricos situam-se em áreas baixas, ilhas do Pacífico na Oceania e a costa peruana enfrentam desafios crescentes. No Peru, a expansão acelerada da agricultura sobre áreas arqueológicas agrava ainda mais o cenário, mostrando que as ameaças não vêm apenas do clima, mas também do avanço humano sobre áreas frágeis.
No Brasil, o risco também é real. O extenso litoral brasileiro guarda inúmeros sítios arqueológicos que documentam a ocupação humana há milhares de anos, como sambaquis — montes construídos por povos ancestrais a partir de conchas, restos de peixes, ossos e outros materiais orgânicos, encontrados do litoral de Santa Catarina ao Espírito Santo. Essas formações arqueológicas são testemunhos da adaptação humana aos ambientes costeiros ao longo dos milênios.
Com o avanço do nível do mar e a intensificação das ressacas e erosões costeiras, muitos desses sambaquis estão em risco iminente de desaparecer. Além disso, regiões estuarinas, manguezais e áreas de restingas, que abrigam tanto biodiversidade quanto registros culturais, enfrentam ameaças crescentes, sobretudo em estados como Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia, onde a urbanização desordenada pressiona ainda mais essas áreas vulneráveis.
Para os autores do estudo, enfrentar esse desafio exige políticas públicas que integrem a conservação ambiental à proteção do patrimônio cultural. Eles destacam a importância de incorporar o conhecimento ecológico tradicional de comunidades indígenas e locais, além de valorizar os chamados “serviços ecossistêmicos culturais” — benefícios que essas paisagens oferecem, como identidade cultural, memória coletiva e conexão espiritual com o território.
Segundo Mehta e sua equipe, os sítios arqueológicos costeiros são elementos fundamentais de resiliência para os ecossistemas, especialmente em paisagens que combinam valor histórico e biodiversidade. Para eles, a preservação dessas áreas é vital, não apenas para proteger a memória da humanidade, mas também para garantir a sustentabilidade das regiões costeiras frente aos desafios do clima.
No caso do Brasil, a urgência de políticas integradas é ainda maior, já que a combinação de mudanças climáticas, expansão urbana descontrolada e ocupação irregular acelera a perda de áreas naturais e arqueológicas ao longo do litoral.
Proteger essas paisagens é, ao mesmo tempo, uma estratégia de preservação cultural e uma defesa da biodiversidade e da resiliência ambiental.
Densidade populacional moderna em locais costeiros selecionados, onde os sítios arqueológicos estão em risco de inundação e outras ameaças. Este estudo se concentra em (A) o Delta do Rio Mississippi e (B) o Big Bend da Flórida dos EUA. Costa do Golfo, (C) costa do Peru, (D) o Delta do Reno-Meuse, e (E) as ilhas havaianas e (F) Nova Zelândia (Aotearoa) da Oceania. O mapa global retrata a iluminação à noite, um proxy para habitação / industrialização, e painéis a-e mostram densidade populacional nos focos do estudo, conforme indicado na escala de cores.
Referência:
Jayur Madhusudan Mehta, Elizabeth L Chamberlain, Matthew Helmer, Elizabeth Haire, Mark D McCoy, Roy van Beek, Haizhong Wang, Siyu Yu, Preserving coastal environments requires an integrated natural and cultural resources management approach, PNAS Nexus, Volume 4, Issue 4, April 2025, pgaf090, https://doi.org/10.1093/pnasnexus/pgaf090
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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