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Crise climática aumenta a migração ambiental

 

as mudanças climáticas afetam desproporcionalmente as populações mais vulneráveis

À medida que os efeitos das mudanças climáticas se intensificam globalmente, um conceito ganha relevância nos debates sobre migrações: a habitabilidade.

Este é o tema central do artigo acadêmico “How Habitability Shapes Climate-Related Migration and Displacement” (Como a Habitabilidade Molda a Migração e o Deslocamento Relacionados ao Clima), da pesquisadora Julia Blocher, que propõe uma análise mais profunda e matizada dos deslocamentos populacionais relacionados às alterações ambientais.

Habitabilidade: uma nova lente para entender migrações climáticas

O estudo de Blocher desafia a visão simplista de “refugiados climáticos” que tem dominado tanto o discurso midiático quanto algumas políticas públicas. Em vez de estabelecer uma relação direta e automática entre eventos climáticos extremos e migrações em massa, a pesquisadora demonstra que a habitabilidade — entendida como a capacidade de um lugar sustentar vida humana e bem-estar — é o fator mediador crucial nessa equação.

“A habitabilidade não se resume apenas a condições físicas ou ambientais”, explica Maria Santos, especialista em migrações climáticas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, ao comentar o trabalho de Blocher. “Trata-se de um conceito multidimensional que envolve aspectos sociais, econômicos, culturais e políticos que determinam se as pessoas podem — ou querem — permanecer em suas regiões de origem.”

Vulnerabilidade diferenciada e desigualdades estruturais

Uma das contribuições mais significativas do artigo é destacar como as mudanças climáticas afetam desproporcionalmente populações já vulneráveis. Blocher argumenta que a degradação ambiental não cria simplesmente novos problemas, mas amplifica desigualdades socioeconômicas e políticas preexistentes.

Comunidades marginalizadas enfrentam múltiplas camadas de vulnerabilidade: além de frequentemente habitarem áreas mais expostas a riscos ambientais, possuem menos recursos para adaptação e enfrentam barreiras institucionais que limitam sua capacidade de migrar de forma segura e digna.

Implicações para políticas públicas e cooperação internacional

As conclusões do estudo têm implicações profundas para formuladores de políticas públicas. Ao invés de focar exclusivamente em medidas reativas e de emergência diante de crises migratórias, o trabalho sugere a necessidade de estratégias proativas que fortaleçam a habitabilidade das regiões vulneráveis.

Isto significa investir em adaptação climática e resiliência comunitária, mas também abordar fatores estruturais como pobreza, desigualdade, governança frágil e conflitos que agravam os impactos das mudanças climáticas na mobilidade humana.

Para o Brasil, país que tem recebido um número crescente de migrantes socioambientais, especialmente da América Central e Caribe, o artigo oferece perspectivas valiosas. “Precisamos superar abordagens puramente humanitárias e desenvolver políticas que reconheçam a complexidade dos fatores que levam as pessoas a se deslocarem por razões ambientais”, defende Ana Clara Rodrigues, coordenadora do Observatório das Migrações Climáticas.

Para além das previsões catastróficas: agência e resiliência

Um aspecto frequentemente negligenciado nos debates sobre migração climática, e destacado por Blocher, é a ação das comunidades afetadas. O estudo chama atenção para como populações vulneráveis não são meras vítimas passivas das mudanças climáticas, mas atores que desenvolvem estratégias criativas de adaptação e resistência.

“As comunidades tradicionais do semiárido brasileiro, por exemplo, têm desenvolvido ao longo de gerações tecnologias sociais para conviver com a seca. Esse conhecimento é fundamental para políticas de adaptação climática efetivas”, exemplifica Pedro Almeida, diretor do Centro de Pesquisas sobre Clima e Justiça Ambiental.

De acordo com a Autora, políticas e fluxos de financiamento devem considerar as seguintes ações para expandir as estratégias locais e globais de mitigação e adaptação às mudanças climáticas:

  • Abordar as causas profundas das vulnerabilidades socioeconômicas e ambientais que contribuem para a migração e deslocamento relacionados ao clima, como o subdesenvolvimento, o afastamento e a falta de apoio (por exemplo, ajuda, seguro ou redes de segurança social), particularmente nas áreas rurais.

  • Abertura de vias de financiamento adicionais e direcionadas para fazer face à migração e deslocação relacionadas com o clima, complementando os fundos de adaptação existentes, bem como os fundos econômicos e .
  • Apoiar abordagens participativas e abordagens políticas que incluam vozes de migrantes, pessoas deslocadas e comunidades indígenas, com foco nos esforços liderados pela comunidade que gerenciam esses desafios e os potenciais impactos adversos das limitações e deslocamentos da mobilidade.

  • Reforçar as capacidades adaptativas das áreas que recebem migrantes e reforçar os sistemas de mediação e resolução de conflitos nestas regiões.

  • Melhorar o planejamento e a infraestrutura nas áreas de destino dos migrantes, particularmente nos centros urbanos, para apoiar sua capacidade de lidar com os impactos climáticos e prosperar como comunidades socioeconômicas diversas.

  • Incluir uma lente de migração relacionada ao clima em diferentes níveis de governança, particularmente nas leis e políticas de imigração e asilo, mas também na redução e gestão de riscos de desastres, estratégias de adaptação às mudanças climáticas e planos de desenvolvimento sustentável em geral.

  • Melhorar o monitoramento e a avaliação do progresso em direção a esses objetivos, incluindo especificamente uma lente de migração relacionada ao clima em planos de adaptação nacionais e subnacionais, além de Contribuições Nacionalmente Determinadas para a Convenção do Clima da ONU.

Ao todo, as políticas devem abordar a migração relacionada ao clima através da lente da habitabilidade, aumentando os mecanismos de desenvolvimento e adaptação nas áreas de origem, promovendo um acesso mais equitativo a recursos e oportunidades para todos e reduzindo as desigualdades dentro e em todos os países – muitas das quais são exacerbadas pela migração e deslocamento.

O trabalho de Julia Blocher representa uma contribuição significativa para uma abordagem mais holística e matizada da migração relacionada ao clima. Ao colocar a habitabilidade no centro do debate, o artigo oferece uma base conceitual robusta para entender por que algumas pessoas migram enquanto outras permanecem, mesmo quando expostas a ameaças ambientais semelhantes.

Em um contexto global de crescente polarização sobre questões migratórias, o estudo fornece evidências científicas que podem informar políticas mais humanas e eficazes, capazes de proteger populações vulneráveis e fortalecer a resiliência comunitária diante das mudanças climáticas.

 

Referência:

Rice University’s Baker Institute for Public Policy https://doi.org/10.25613/M823-3T09

 
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
 

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