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Artigo

O que o saneamento tem a ver com doenças?

 

Saneamento não é algo que se faz em três quatro anos. Precisamos de décadas e até séculos, se olharmos para experiência dos países desenvolvidos (Leo Heller, pesquisador da Fiocruz Minas).

Precisamos priorizar investimentos que promovam o acesso à água tratada, coleta e tratamento dos esgotos se quisermos atingir as metas do Novo Marco Legal do Saneamento

Artigo de Adrimauro Gemaque

Muito embora nos últimos anos, o Brasil tenha registrado avanços significativos no saneamento, o país ainda está muito atrasado comparando a outros nações. Isso ocorre com o acesso a água tratada e com os serviços de esgotamento sanitário, ambos estão aquém dos observados por nações com padrões de desenvolvimento econômico semelhante ao nosso. O que se traduz em prejuízos à qualidade de vida da população e para a economia como um todo do país.

O estudo divulgado pelo Instituto Trata Brasil, no dia 19.03.2025, Dia Mundial da Água revelou que o Brasil registrou mais de 344 mil internações por doenças relacionadas ao saneamento inadequado em 2024. Sendo 168,7 mil relacionadas a alguma infecção propagada por um inseto-vetor, principalmente a dengue e em segundo lugar as doenças relacionadas as doenças de transmissão feco-oral (transmitidas pelas fezes de um indivíduo infectado), como as gastroenterites causadas por vírus, bactérias ou parasitas com 163,8 mil casos.

Fazendo um recorte do estudo e analisando por regiões do país, idade, sexo e etnia, apontando que, em localidades onde o saneamento é precário, cresce o número de internações e óbitos relacionados às Doenças relacionadas ao Saneamento Ambiental Inadequado (DRSAI), que impactam significativamente mais as crianças e os idosos.

Na Região Norte, a taxa de incidência alcançou aproximadamente 19 casos por 10 mil habitantes em 2024. Em todos os estados, com exceção de Tocantins e Roraima, a taxa de incidência ficou entre 15 e 25 internações a cada 10 mil habitantes.

Os estados em pior situação foram o Amapá, com 24,6 internações por 10 mil habitantes, Rondônia, com 22,2 internações por 10 mil habitantes e o Pará, com 21,9 internações por 10 mil habitantes, segundo o estudo do Trata Brasil.

Taxa de incidência de internações por DRSAI e seus grupos, casos por 10 mil habitantes, unidades da Federação e Brasil, 2024

taxa de incidência de internações por drsai e seus grupos

Fonte: DATASUS, Ministério da Saúde, e IBGE. Elaboração: Ex Ante Consultoria Econômica.

Os Mapa apontam as taxas de incidência de internações por doenças de transmissão feco-oral e doenças de transmissão por inseto-vetor nas unidades da Federação em 2024. As cores destacam os grupos de unidades da Federação em que prevalecem as internações por doenças de transmissão feco-oral (azul escuro) em relação às doenças de transmissão por inseto-vetor (azul claro). Nota-se que a prevalência de doenças de transmissão feco-oral na faixa de leste a oeste em latitudes tropicais.

Taxa de incidência de internações por DRSAI nas unidades da Federação, em casos por 10 mil habitantes, 2024

taxa de incidência de internações por drsai nas unidades da federação

Fonte: DATASUS, Ministério da Saúde, e IBGE. Elaboração: Ex Ante Consultoria Econômica.

Gastos com a Saúde Pública no Brasil:

O estudo destaca que a universalização do saneamento no país, tem impacto relevante nos gastos com a Saúde Pública no Brasil. Pode reduzir em 86.760 o número de internação por DRSAI no país. Ao custo de R$ 506,32 por internação, na média do país em 2024, essa redução no número de casos implicaria uma economia de R$ 49,928 milhões por ano. A perpetuidade desse ganho – ou seja, o legado positivo para a sociedade brasileira em termos de despesas hospitalares – seria de R$ 1,255 bilhão.

Despesa média com internações por DRSAI e grandes grupos, por unidades da Federação da Região Norte, em R$ por internação, 2024

despesa média com internações por drsai e grandes grupos

Fonte: DATASUS, Ministério da Saúde, e IBGE. Elaboração: Ex Ante Consultoria Econômica.

Mais afetados:

As populações com menor status socioeconômico, são as afetadas. Em 2024, 64,8% do total de internações foram de pessoas pretas e pardas. Vale destacar que as crianças e os idosos são os que costumam adoecer com mais gravidade, necessitando de internação. Entre as pessoas hospitalizadas em 2024, cerca de 70 mil eram crianças de zero até quatro anos, ou 20% do total. Nessa faixa etária, a incidência foi de 53,7 casos a casa 10 mil pessoas, três vezes mais do que a média de todas as idades, segundo o estudo do Trata Brasil.

É importante destacar que essas cerca de 70 mil eram crianças de zero até quatro anos de idade, se reportam a Primeira Infância que vai de 0 aos seis anos. Pesquisas têm demonstrado que essa fase é extremamente sensível para o desenvolvimento do ser humano, pois é quando ele forma toda a sua estrutura emocional e afetiva e desenvolve áreas fundamentais do cérebro relacionadas à personalidade, ao caráter e à capacidade de aprendizado (BRASIL, 2020).

Já entre as pessoas com mais de 60 anos, a incidência foi 23,6, com cerca de 80 mil internações, ou 23,5% do total. Como fica evidenciado os idosos são os mais impactados.

Mortalidade

Outro achado no estudo do Trata Brasil, foram os dados analisados sobre a mortalidade associada a essas doenças, em comparação com dados de 2023. Neste ano, foram registrados 11.544 óbitos por doenças relacionadas ao saneamento ambiental, a maioria – 5.673 casos – por infecções feco-oral, e outras 5.394 causadas por doenças transmitidas por insetos.

Taxa de incidência de óbitos por DRSAI por faixa etária, em
casos a cada 100 mil habitantes, unidades da Federação e Brasil, 2023

taxa de incidência de óbitos por drsai por faixa etária

Fonte: DATASUS, Ministério da Saúde, e IBGE. Elaboração: Ex Ante Consultoria Econômica.

Quando se olha a taxa de incidência de óbitos, ou seja, o número de ocorrências a cada 100 mil pessoas, nota-se uma incidência bastante alta entre as crianças de zero a quatro anos de idade e uma incidência ainda maior entre os idosos. Em 2023, as taxas de incidência de óbitos por DRSAI foram de 4,478 casos a cada 100 mil crianças de zero a quatro anos e de 26,773 casos a cada 100 mil idosos. As taxas de incidência nas demais faixas etárias foram bem menores, variando de 0,452 casos a cada 100 mil pessoas a 1,587 casos a cada 100 mil pessoas.

Taxa de Mortalidade Infantil, da Região Norte, por Unidades da Federação 2019-2023

taxa de mortalidade infantil da região norte

Fonte: DATASUS – Elaborada pelo Autor.

Com relação a taxa de incidência de óbitos por DRSAI relacionada a Mortalidade Infantil, que é o número de óbitos de crianças com menos de um ano de idade, por mil nascidos vivos em destaque no estudo do Trata Brasil, nos permite compreender melhor, o fato do Amapá ocupar a segunda maior taxa de mortalidade infantil no Ranking das Unidades da Federação, só perdemos para Roraima.

Muito embora a taxa de óbitos por DRSAI, tenha como referência a faixa etária de zero a quatro anos mesmo assim, passamos a ter mais clareza porque perdemos tantas crianças no Amapá, o que eleva quase o dobro da taxa do Brasil, que é de 12,62.

Comparando a taxa do Amapá de 2022 (18,07) com a 2023 (21.01) constatamos que cresceu. Então, pioramos. O que vem exigir por parte dos gestores públicos a implementação das ações já previstas no sentido de reduzir essa taxa enquanto a universalização do saneamento na chega. Afinal, os dados do IBGE apontam que taxa de fecundidade no Brasil vem diminuído. O Amapá, não pode continuar perdendo crianças e o saneamento básico no Amapá se apresenta como grande vilão nesse processo.

Nesse contexto é importante destacar que o Amapá tem a pior rede de esgoto do país. Dos 252.082 domicílios, apenas 24.239 são atendidos, somando 12% de cobertura, segundo o IBGE. Paralelo a isso, fazendo um comparativo entre o acesso de esgoto e a água, é possível analisar uma diferença de 31,3% entre os serviços, sendo assim 43,4% usam a distribuição geral do líquido, ou seja, nem 50% da população tem acesso à rede geral no Estado banhado pelo Rio Amazonas.

É muito triste ver que no Brasil, país que será sede da COP-30 este ano, ainda aconteçam quase 350 mil internações por DRSAI. Precisamos priorizar investimentos que promovam o acesso a água tratada, coleta e tratamento dos esgotos se quisermos atingir as metas do Novo Marco Legal do Saneamento. Priorizar o tema hoje é ter um Brasil no futuro mais próspero e saudável (TRATA BRASIL, 2025).

Para os especialistas, a universalização do saneamento deve acontecer em um ritmo muito mais rápido do que o atual, se quisermos melhorar a expectativa e qualidade de vida das populações mais vulneráveis.

Adrimauro Gemaque, Administrador (graduado em Administração Pública), Pós- Graduado Latu Sensu em Docência do Ensino Superior, Consultor em Gestão Pública, Analista do IBGE e Articulista.

Referências:

Saneamento é saúde: como a falta de acesso à infraestrutura básica impacta na incidência doenças (DRSAI), Instituto Trata Brasil (2025). < https://tratabrasil.org.br/saneamento-e-saude/ >.

BRASIL, Ministério da Saúde. Primeira Infância (2020). < https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/s/saude-da-crianca/primeira-infancia .

Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas – Fapespa < https://www.fapespa.pa.gov.br/ >.

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394

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