Micro e nanoplásticos: ameaças atuais silenciosas

Os impactos e riscos à saúde humana dos MNP são atualmente temas de intensas pesquisas, mas já se sabe que os mesmos são capazes de afetar vários órgãos, o sistema circulatório e o cérebro
Artigo de Waldir L. Roque
Entropia é um conceito da termodinâmica que mede o grau de desorganização de um sistema e que tende a aumentar naturalmente no universo. Desde o princípio da humanidade as ações antrópicas sempre contribuíram para a desorganização do planeta, porque fazem intervenções na natureza. Estas ações, das mais variadas formas, estão levando o planeta a um ponto bastante delicado e assustador. Um exemplo claro é o aumento da temperatura global como consequência das emissões dos gases do efeito estufa (GEE), que é resultado direto de ações antrópicas.
São inúmeros os tipos de poluição ambiental e todos estão relacionados entre si. Estudos recentes mostraram que a presença de micro e nanoplásticos (MNP) no fígado, rins e cérebro de humanos é uma realidade e que os MNP no cérebro ocorreram de 7 a 30 vezes acima das concentrações no fígado e rins. Pior ainda é que nos casos de pacientes com algum tipo de demência, as concentrações no cérebro foram ainda mais elevadas.
A produção mundial anual de plásticos já ultrapassou 300 milhões de toneladas. Depois de descartados na natureza, os plásticos passam por diversos processos sob diferentes condições ambientais tais como: acumulação, degradação e migração, o que, eventualmente, leva a entrarem no corpo humano através de mecanismos como inalação, ingestão e até pela epiderme.
Os riscos apresentados pelos MNP para os seres humanos se tornaram tão preocupantes que em 2019 a Organização Mundial de Saúde fez um apelo aos cientistas do mundo inteiro para ampliarem as pesquisas sobre os seus impactos à saúde humana.
Os oceanos são os principais depósitos do descarte desordenado de plásticos. Os destroços provenientes dos continentes contribuem com 80% do plástico nos oceanos e são, essencialmente, originados a partir do lixo deixado nas praias, transporte atmosférico e dos rios. São vários os processos que geram MNP na natureza, mas olhando apenas a partir de macroplásticos (pedaços maiores que 5 mm), os processos de degradação envolvem exposição ao sol, temperatura, quebra e abrasão devido a forças mecânicas, dentre outros.
O elevado volume dos GEE presente e que está sendo anualmente lançado na atmosfera vem expondo as consequências de forma visível, sensorial e econômica, atingindo a todos, especialmente os mais pobres. No entanto, o estrago provocado pelo plástico (MNP), embora tão terrível quando os GEE, ainda não tem sido percebido com tanta evidência pelos seres humanos, mas as suas consequências são uma realidade, com um enorme potencial de letalidade.
As pesquisas têm demonstrado a presença de MNP em uma variedade de alimentos e bebidas de uso diário pela população, em particular, na água que bebemos. Estimativas apontam que a ingestão média anual de microplásticos por uma pessoa é de 4000 proveniente da água, 11.000 de frutos do mar, entre 37-1000 do sal marinho, e que microplásticos de tamanho de 0,2 – 2,0 micrometros conseguem penetrar nas raízes de plantas, como trigo e alface, indo até suas folhas. Os nanoplásticos penetram nas sementes e frutas chegando à nossa cadeia alimentar e assim entrando no nosso corpo. Mas não é só isso, a entrada de MNP no organismo também ocorre pela respiração uma vez que o ar está cheio dessas partículas. Estudos apontam que inalamos cerca de 272 partículas de microplásticos por dia, algumas alcançando o pulmão, e os nanoplásticos com maior facilidade.
Os impactos e riscos à saúde humana dos MNP são atualmente temas de intensas pesquisas, mas já se sabe que os mesmos são capazes de afetar vários órgãos, o sistema circulatório e o cérebro. As consequências estão sendo avaliadas, no entanto experimentos com animais evidenciaram impactos negativos no sistema imunológico e na saúde das células. O problema já existe, só não temos a dimensão real de toda a sua extensão e consequências para os seres vivos.
Recentemente, fiz um pequeno experimento. Saí para uma caminhada em uma das praias da cidade de João Pessoa, levando uma sacolinha de tecido. O objetivo era coletar apenas as tampinhas plásticas de água ou outras bebidas, as quais estivessem na linha reta ao longo da beira-mar, por uma distância de 400 m, e dentro da faixa de tolerância de um passo à esquerda e à direita da reta. Não foi surpresa, mas impressionou o número de 612 tampinhas coletadas. Algumas com aparência de nova, outras já mais degradadas, outras continham piche grudado nelas, outras tinham apenas o anel sem o tampo, outras deformadas, etc.
Fora da faixa desses 400 metros foi possível visualizar um número muito superior ao coletado, além de deduzir que outras tantas estivessem enterradas. Havia muitos outros objetos com dimensões diversas, como isqueiros, tampas metálicas, embalagens de biscoitos e picolés, garrafas PET, pedaços de cordas de nylon, etc. Apenas nesse pequeno experimento e em uma praia que não é a mais frequentada, obtive 1,53 tampinhas por metro na faixa delimitada.
As pessoas que caminhavam pareciam que não tinham nada a ver com a presença de objetos exógenos ao ambiente marinho. Todo aquele material plástico presente foi largado por pessoas ali próximo ou em uma praia mais distante, mas certamente por um ser humano.
É importante destacar que há metodologias que podem ser adotadas globalmente para reduzir o volume de plásticos descartados. As projeções são de que o descarte desordenado de plásticos praticamente duplique até 2050 se não houver sérias intervenções e de que os GEE associados ao plástico crescerão 37% neste mesmo período. Simulações de políticas que poderiam ser adotadas mostram que seria possível reduzir-se até 91% do descarte desordenado do plástico e um terço da emissão cruzada correspondente aos GEE.
O aumento da temperatura e do nível dos mares são consequências diretas da poluição dos GEE, porém os GEE e os MNP são o resultado de ações antrópicas. Se não houver conscientização coletiva, se não educarmos as crianças nas escolas sobre os diversos tipos de poluição e enquanto não tivermos ações mais objetivas dos governos, indústria e organizações da sociedade civil, os MNP só aumentarão e sorrateiramente penetrarão no organismo humano e dos animais, com consequências desastrosas.
Waldir L. Roque
Articulista e escritor
CV: http://lattes.cnpq.br/4602196835460192
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
[ Se você gostou desse artigo, deixe um comentário. Além disso, compartilhe esse post em suas redes sociais, assim você ajuda a socializar a informação socioambiental ]