O ovo e a crise climática na Faria Lima
No salve-se quem puder do calor inaugural da Era da fervura global, é quase inegável que estamos vivendo um verão atípico, mas ao que tudo indica, se tornará comum
Artigo de Alberto Calil Elias Junior e Celso Sánchez
2025 começou quente e veio fervendo com impressionantes 4 ondas de calor. O estresse térmico se soma ao estresse diante da surdez de quem nega que eventos climáticos extremos têm se tornado cada vez mais frequentes, conforme alertaram, sem nenhum sucesso, os inaudíveis cientistas do IPCC , o Painel intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU, que anunciaram o aumento em 1,5 graus celsius a temperatura média do planeta, além das previsões mais pessimistas.
Foi assim que os inéditos recordes de temperatura passaram a fazer parte do nosso cotidiano. No “Rio 40 graus” os ônibus continuam a circular sem ar-condicionados1 e os trilhos de trem derretem com o calor escaldante2.
O verão está tão quente que até Marina Lima não deixou “a bundinha de fora”, mas as fotos das praias lotadas continuam nos convidando para aproveitar o calor junto ao mar no noticiário das 6. Agora também nas madrugadas, afinal é verão na “cidade maravilha, purgatório da beleza e do caos”3.
No entanto, no salve-se quem puder do calor inaugural da Era da fervura global, é quase inegável que estamos vivendo um verão atípico, mas ao que tudo indica, se tornará comum.
Não adiantou nem Al Gore ter protagonizado “uma verdade inconveniente”4, aliás ele nem imaginaria em 2006 que, anos depois, as verdades se tornariam quase todas elas, inconvenientes.
Na era do negacionismo e das fake News, mercadores das dúvidas5, bilionários, agora equipados pelos algoritmos, impõe sua ideologia travestida de verdades validadas por aplicativos, que capturam nossos afetos, nossa atenção e desqualificam os ssberes científicos e populares, apagando outras vozes e outras cores.
A pós-verdade dos “bem sucedidos” ganha escala e com o apoio do novo “hype” das Inteligências Artificiais, cujas “inteligências” são duvidosas, já que embaladas pelos seus vieses ideológicos, ajudam a decidir não apenas as eleições, quer no Brasil, nos Estados Unidos da América ou alhures, mas surgem como uma panaceia – ou seria uma caixa de Pandora – trazendo promessas de soluções , meio que mágicas, para os problemas do cotidiano, através do desenvolvimento tecnológico que um dia irá nos salvar do colapso ambiental, pelo menos aqueles que podem comprar suas passagens para Marte ou para os bunkers em algum lugar isolado do planeta, ou então para os escolhidos sustentados pelas Teologias da Prosperidade e do Domínio, descartando a Teoria da Evolução.
A quem nunca interessou perguntar quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha. Para esses, a resposta não importa, desde que Deus tenha criado tanto a galinha quanto o ovo e a própria resposta a qualquer pergunta.
Mas o problema é que o ovo está cerca de 40% mais caro6 e a culpa de novo, parece cair sobre “a Natureza” – sempre ela – nesse caso, o calor.
As altas temperaturas e a estiagem levaram a um aumento do custo da produção do ovo (do café, da carne, de frutas, de hortaliças), as galinhas sentiram o efeito das ondas de calor e houve a necessidade do resfriamento das granjas, bem como “a Natureza”, impactou a produção de milho elevando o preço da ração que obviamente foi repassado para o consumidor.
Assim temos uma pressão inflacionária já que o ovo está na cesta básica, (assim como o milho) e o preço da cesta básica é fundamental para o cálculo do IPCA o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, calculado pelo IBGE mensalmente a partir da coleta de preços de diversos produtos, entre eles o ovo.
Os comentaristas econômicos que aparecem na televisão, adoram dizer que o “remédio” para “conter” a pressão da inflação, nessa sociedade inflamada, chama-se juros. Esta por sua vez é a palavra preferida dos playboys da Faria Lima, também conhecidos como farialimers ou vapers, que por sua vez, salvo algumas excessões que devem existir, não costumam pegar ônibus no subúrbios cariocas ou andar sob os trilhos derretidos dos trens.
Esses personagens que compõe o tal “mercado”, o mesmo que tem uma mão invisível, apesar de adorarem” Top Less na areia”7 e terem suas bundinhas de fora, nunca botaram ovos ou se preocuparam com o preço dos ovos, mas chocaram e continuam a chocar ovos de serpente, desde que possam continuar mamando nas tetas (ou telas) das serpentes.
Nossos comentaristas econômicos, que adoram estrangeirismos (se forem dos EUA, melhor ainda), se agarram aos índices e propagam a urgência dos rates elevados para garantir lucros recordes para os “pobres” bancos8, lucros estes que jogam o custo de vida, das outras vidas que não importam, nas alturas.
Nosso neoliberalismo, adaptado aos trópicos, ensaiado pelos farialimers adoradores de vapers, que talvez nunca andaram de “coletivo” ou de trem e que vivem de especular e de serem rentistas de suas heranças, adoram quando as galinhas não colocam ovos ou quando se apropriam das galinhas dos ovos de ouro. As bolsas de valores, sempre em destaque, ou as BETs da galera que mobilizam as paixões futebolísticas, percorrem a montanha-russa diária, com a especulação garantindo o lucro dos rentistas, das BETs e das celebridades-propaganda, aos custos dos prejuízos e da fome nos pratos de quem tem fome.
Alugam ações, apostam na crise e no caos. Adoram o demônio, o mercado, no seus cultos, bilionários e coachs-empreendedores, pregam,
Sua oração é a oferta do “ganhe seu primeiro milhão” e do “trabalhe, que você consegue”. Eles não sentem calor porque estão em salas climatizadas, com seus ar-condicionados funcionando 24 horas por dia, uma forma artificial e paliativa de controlar o clima em pequena escala.
Tão artificial quanto sua inteligência e suas vidas . Feitas de plástico, asfalto, concreto e indiferença em cidades cujas elites têm como hobby cortar árvores e mais árvores9, até mesmo nos jardins celestes. Brincam de fazer condomínios nos quais muitos deles, destroi-se a natureza para vender uma vida perto da natureza.
O problema do ar-condicionado é que ele não dura pra sempre, nem resfria todo mundo.
Quando todo mundo descobrir onde está geladinho e o calor estiver pelando, vai ser a hora de ver o valor de uma galinha e o verdadeiro preço do ovo.
Alberto Calil Elias Junior e Celso Sánchez
Professores da Unirio, bibliotecário e biólogo em crise climática
1 https://www.brasildefato.com.br/2025/01/22/no-rio-vereadora-maira-do-mst-questiona-prefeitura-sobre -climatizacao-dos-onibus/
2 https://g1.globo.com/bom-dia-brasil/video/calor-derrete-trilho-e-trem-descarrila-em-mage-na-baixada-f luminense-13361222.ghtml
3 Referência ao sucesso musical “ Rio 40 Graus” de Fernanda Abreu, Laufer e Fausto Fawcett, de 1992.
4 Documentário produzido em 2006 em que o ex Vice-presidente dos Estados Unidos busca alertar sobre os riscos do aquecimento global.
5 Mercadores da dúvida, documentário produzido em 2014 sobre o livro homônimo dos historiadores Naomi Oreskes e Erik M. Conway, em que apresentam uma pesquisa sobre o negacionismo científico financiado pelas indústria dos combustíveis fósseis e do tabaco, na segunda metade do século XX.
6 https://g1.globo.com/sp/itapetininga-regiao/noticia/2025/02/22/preco-do-ovo-aumenta-40percent-e-co merciantes-sentem-impacto-na-hora-de-revender-ou-compr
7 referencia a música “Uma noite e ½, composta por Renato Rocketh cantada por Marina Lima, gravada em 1987, a quem pedimos desculpas.
8 https://istoedinheiro.com.br/lucro-bancos-2024/#:~:text=Os%20quatro%20maiores%20bancos%20bra sileiros,6%25%20em%20rela%C3%A7%C3%A3o%20a%202023.
9 https://diariodorio.com/prefeitura-do-rio-autoriza-a-retirada-de-130-arvores-do-jardim-de-alah/
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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Obrigada por essa publicação Prof. Celso e Prof. Alberto. Estamos diante do caos, sendo o maior deles a “surdez”diante desses fatos.