A reversão do hiato de gênero na educação brasileira
Artigo de José Eustáquio Diniz Alves
Durante a maior parte da história brasileira as mulheres eram consideradas cidadãs de segunda classe e não tinham acesso à educação, ao mercado de trabalho e aos espaços de poder da política.
Somente em 1932 as mulheres brasileiras conquistaram o direito de voto. Esta conquista foi marcante para reduzir o analfabetismo, abrindo espaço para outras vitórias femininas, especialmente na educação.
No passado, o Brasil deu pouca atenção à educação. Em 1960, a população brasileira tinha um nível educacional muito baixo.
O gráfico abaixo mostra que a escolaridade média dos brasileiros estava abaixo de 2 anos, sendo 1,9 ano dos homens e 1,7 ano de estudo das mulheres. O atraso brasileiro na educação era enorme. Em 1991, os brasileiros atingiram cerca de 4 anos médios de estudo e, em menos de 30 anos depois, a escolaridade média foi duplicada novamente, chegando a mais de 9 anos de estudo.
O progresso na educação foi significativo nos últimos 60 anos, mas o Brasil ainda encontra-se atrás da posição alcançada por países com o mesmo nível de desenvolvimento, como mostrei no livro “Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século XXI” (Alves, 2022).
Cabe destacar que, se a escolaridade média cresceu para ambos os sexos, as mulheres conseguiram avançar em uma maior velocidade. Os dados agregados mostram que a reversão do hiato de gênero aconteceu na década de 1980, pois em 1991 as mulheres atingiram 4,1 anos de estudo contra 4 anos dos homens. Já em 2022, esses números passaram a 9,3 e 9,8 anos, respectivamente. A diferença, que era de 0,2 ano em favor dos homens no censo de 1960, passou a 0,5 anos em favor das mulheres, em 2022. Portanto, o século XXI começou com taxas de escolaridade bem superiores àquelas dos séculos anteriores.
O gráfico abaixo, do IBGE, com dados do censo demográfico de 2022, mostra que o número médio de anos de estudo são sempre maiores nas gerações mais novas e menores nas gerações mais velhas, sendo que no grupo etário de 80 anos e mais os homens possuem média de 4,9 anos de estudo e as mulheres 4,8 anos de estudo. Ou seja, a realidade de 80 anos atrás era de níveis educacionais maiores entre os homens.
Mas isto foi mudando na segunda metade do século XX. No grupo etário de 60-64 anos a diferença entre homens e mulheres é de 0,6 anos a favor das mulheres e no grupo etário 25-29 a diferença a favor das mulheres é de 1,1 ano. Hoje em dia as mulheres brasileiras superam os homens em todos os níveis educacionais.
Em 2004 publicamos o artigo “A Reversão do Hiato de Gênero na Educação Brasileira no Século XX”, publicado no Encontro Nacional de Estudos Populacionais, XIV, ABEP, em Caxambu-MG (BELTRÃO, K; ALVES, JED, 2004). O mesmo artigo foi atualizado e publicado no Cadernos de Pesquisa em 2009, explicando como foi que as mulheres conseguiram ultrapassar os homens no desempenho da escolaridade brasileira.
O artigo mostra a evolução histórica do hiato de gênero, que no início do século XX, o acesso das mulheres à educação era limitado por barreiras sociais e culturais. A escolarização feminina cresceu gradualmente, mas a desigualdade persistiu até meados do século.
A partir da segunda metade do século XX, a universalização do ensino fundamental e políticas públicas inclusivas permitiram que as mulheres avançassem mais rapidamente na educação. Essa mudança se intensificou nas décadas de 1980 e 1990, após a Constituição de 1988, quando as mulheres passaram a apresentar taxas de escolarização superiores às dos homens.
São vários os fatores explicativos. O papel da mulher na sociedade passou por transformações significativas, aumentando a valorização da educação. Expansão da oferta de escolas e programas de combate ao analfabetismo beneficiaram mais as mulheres.
Estudos mostram que as meninas, em média, apresentam melhor desempenho acadêmico e menores taxas de repetência e evasão escolar. Enquanto muitos meninos eram pressionados a ingressar precocemente no mercado de trabalho, as meninas tendiam a permanecer mais tempo na escola.
Os autores enfatizam como a reversão do hiato de gênero na educação reflete mudanças sociais mais amplas, mas também aponta para a necessidade de avanços em outras áreas para garantir a equidade de gênero na sociedade como um todo. Segue abaixo o resumo do artigo.
“A redução do hiato de gênero e o maior acesso das mulheres à educação são objetivos explícitos da IV Conferência da Mulher (1995), do Fórum Mundial de Educação (2000) e da Cúpula do Milênio (2000).
Todas as Conferências Internacionais promovidas pela Organização das Nações Unidas (ONU) recomendam ações para eliminar as discriminações contra o sexo feminino em todos os campos de atividade, especialmente na educação.
O hiato de gênero e o déficit educacional das mulheres fizeram parte da realidade brasileira durante cerca de 450 anos. Contudo, as mulheres conseguiram eliminar e reverter este hiato ao longo do século XX. Este artigo tem como objetivo principal analisar quando se deu a reversão do hiato de gênero na educação no Brasil.
Para isso, apresentaremos as informações educacionais dos censos demográficos de 1960 a 2000, por níveis de escolaridade, desagregadas por sexo e por coortes de nascimento. Esta metodologia nos permitirá acompanhar a evolução do hiato de gênero das coortes nascidas após 1890 até o ano 1995”.
Neste 8 de março de 2025 se comemora mais um Dia Internacional da Mulher. O Brasil comemora os 93 anos do direito de voto feminino e a reversão do hiato de gênero na educação foi uma grande conquista das mulheres brasileiras.
Muitas vitórias foram conquistadas no século XX. Mas uma sociedade com plena equidade entre homens e mulheres é a meta necessária para ser alcançada no século XXI.
José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
BELTRÃO, K.I. ALVES, JED. A Reversão do Hiato de Gênero na Educação Brasileira no Século XX. Cadernos de Pesquisa, v.39, n.136, p.125-156, jan./abr. 2009
https://www.scielo.br/j/cp/a/8mqpbrrwhLsFpxH8yMWW9KQ/?format=pdf&lang=pt
ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século XXI (com a colaboração de GALIZA, F), ENS, maio de 2022
https://prdapi.ens.edu.br/media/downloads/Livro_Demografia_e_Economia_digital_2.pdf
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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