Ferrogrão: Estudo questiona viabilidade e aponta riscos socioambientais
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Enquanto o Ministério dos Transportes finaliza os estudos da Ferrogrão para submetê-los ao Tribunal de Contas da União (TCU), uma nova análise do Instituto Socioambiental (ISA) levanta dúvidas sobre o projeto.
A entidade, que representa povos indígenas e comunidades tradicionais da Amazônia, aponta falhas metodológicas e conceituais na Análise Socioeconômica de Custo e Benefício (ACB) da ferrovia, conduzida pelo governo.
Por Camila Del Nero, REPAM-Brasil
O estudo do ISA indica que os custos de construção da ferrovia podem estar subestimados, podendo saltar dos R$ 20,04 bilhões previstos pelo governo para R$ 27,68 bilhões, com base em experiências de outros projetos ferroviários no Brasil.
Além disso, a avaliação oficial teria desconsiderado impactos ambientais, como o desmatamento induzido pela obra e a necessidade de medidas para mitigar riscos climáticos.
Projetada para escoar a produção agrícola de Sinop (MT) até Itaituba (PA), a Ferrogrão promete reduzir em 20% o custo do transporte de grãos e cortar a emissão de 3,4 milhões de toneladas de CO₂ por ano ao substituir o modal rodoviário pelo ferroviário.
No entanto, organizações socioambientais questionam os reais benefícios do projeto diante dos impactos sobre territórios indígenas e ecossistemas da região. O Ministério dos Transportes informou, em nota, que foi notificado sobre o estudo do ISA e só se manifestará após análise técnica do material.
Para Mariel Nakane, assessora técnica e economista do ISA, “os custos da ferrovia podem estar subestimados, podendo chegar a R$ 27,68 bilhões”. Segundo ela, esse aumento pode ser influenciado por falhas metodológicas, além da desconsideração de externalidades e do risco de sobrecusto. “O custo de construção (Capex) da Ferrogrão saltaria de R$ 10,85 bilhões para R$ 27,68 bilhões, se tomarmos como base o custo efetivo da FICO aprovado pela ANTT e pelo TCU”, explica.
Nakane também alerta para os desafios estruturais do projeto: “a localização na Amazônia impõe condições específicas que impactam nos custos e na viabilidade da obra”. Quanto à promessa de redução de 20% nos custos logísticos, ela pondera que “os investimentos privados podem ser viáveis, mas não há justificativa para subsídios públicos, uma vez que o projeto não apresenta externalidades positivas para a sociedade”. Caso haja subsídio, “toda a sociedade será onerada”, adverte.
Outro ponto levantado é a ausência de uma análise comparativa sobre alternativas mais eficientes e sustentáveis para o escoamento da produção do Mato Grosso. “A ACB deveria ter comparado a Ferrogrão com outras opções, inclusive a de não fazer nada. Mas isso não foi feito”, critica Nakane.
O bispo Dom José Ionilton Lisboa de Oliveira, prelado do Marajó (PA), também manifesta preocupação: “Os povos, os territórios e os pastorais que estão na Amazônia têm muita preocupação com mais uma grande obra de infraestrutura em nossa região: a Ferrogrão prevê 933 quilômetros de extensão, seguindo o traçado da BR-163, entre Sinop (MT) e o distrito de Miritituba (PA). Desde o início do projeto, as comunidades sofrem com mais uma ação sem diálogo, sem compreensão e sem um processo de consulta livre, prévio e informado, antes da decisão dos governos e das empresas”.
“O cuidado com a Casa Comum traz uma exigência ética de todos com os amazônicos e com a criação. Sem isso, qualquer obra é um grave ataque e comprometimento a ecologia integral”, completa o bispo do Marajó (PA).
A REPAM-Brasil acompanha de perto o debate sobre a Ferrogrão e reforça a necessidade de um processo decisório transparente e participativo, que leve em conta não apenas os benefícios econômicos, mas também os impactos ambientais e sociais para os povos da Amazônia.
Articulações e escutas
Em 2024, Dom Evaristo Pascoal Spengler, bispo de Roraima e presidente da REPAM-Brasil, Dom Pedro Brito, arcebispo de Palmas e vice-presidente, e Melillo Dinis, assessor jurídico da instituição, reuniram-se com o procurador-geral da República, Paulo Gonet, para solicitar a consulta efetiva das populações tradicionais afetadas pelo projeto.
Em uma carta entregue ao procurador-geral em 2023, a REPAM-Brasil expressou preocupação com a tramitação da Ação Direta de Inconstitucionalidade que questiona a alteração dos limites do Parque Nacional de Jamanxim. Segundo o documento, essa mudança viola o princípio do não retrocesso socioambiental, afetando a proteção dos ecossistemas.
O procurador-geral comprometeu-se a acompanhar o caso e garantir a aplicação das leis. A Ferrogrão, caso concretizada, pode impactar pelo menos 16 terras indígenas, algumas ainda não demarcadas, além de diversas propriedades de pequenos agricultores. O projeto integra o Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC) do Governo Federal.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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