Florestas familiares
Artigo de Waldir L. Roque
No Brasil não há uma estimativa de quantas florestas nativas ou regeneradas estão nas mãos de proprietários privados, pessoas físicas ou jurídicas, muito menos qual a dimensão média em hectares dessas florestas.
Talvez no futuro um inventário possa ser realizado utilizando do Cadastro Ambiental Rural (CAR), mas por ora o CAR ainda está longe de ser um banco de dados amplo e confiável.
As RPPNs (Reservas Particulares do Patrimônio Natural) são iniciativas, em sua maioria, de proprietários rurais pessoa física, os quais destinam parte de sua propriedade para a preservação com reconhecimento do ICMBio quando de cunho Federal, ou dos Estados ou Municípios, quando estes possuem legislação própria para a criação de tais reservas. Nem todas as RPPNs são florestas de alguma tipologia, mas aquelas que possuem, compõem um conjunto de Florestas Familiares.
Atualmente, são pelo menos 1.879 RPPNs cobrindo uma área de quase 840 mil hectares, segundo a Confederação Nacional de RPPNs. De acordo com o Sistema Nacional de Informações Florestais (SNIF, 2022), a cobertura florestal no Brasil corresponde a 58,3% do seu território, sendo dessa 98,1% formado por florestas naturais (486 milhões de ha) e 1,9% por florestas plantadas. A tipologia principal é a Floresta Ombrófila Densa (FOD) muito presente no bioma Amazônia, correspondendo a 40,2% da floresta natural, o restante inclui cobertura por outras tipologias e que estão essencialmente fora do bioma Amazônia. Isso corresponde a uma área de aproximadamente 291 milhões de hectares. No entanto, infelizmente, não dispomos de informações sobre a quantidade nem qualidade das florestas familiares.
Dados recentes dos Estados Unidos apontam que aproximadamente 40% das florestas do país são propriedades privadas, tendo em média 27 hectares, pertencentes a famílias ou indivíduos. Coletivamente, estas florestas familiares cobrem uma área estimada em 117 milhões de hectares. É, sem dúvida, uma considerável área coletiva de florestas. Note que apenas a área de cobertura por florestas naturais no Brasil, excluindo a Amazônia, é cerca de 60% superior à das florestas familiares dos Estados Unidos.
A preservação das florestas naturais é fundamental para reduzir e mitigar as consequências produzidas pelos gases do efeito estufa (GEE) lançados à atmosfera, além de permitir a continuidade dos serviços ambientais e a sustentabilidade da biodiversidade dos ecossistemas onde elas estão inseridas. As Soluções Climáticas Naturais, que incluí a preservação das florestas em pé e saudáveis, são capazes de mitigar cerca de 30% dos gases lançados anualmente. Mas um dos problemas enfrentados é: Como preservar e melhorar a capacidade de sequestro e absorção os GEE por tais florestas ao longo de vários anos.
Nos Estados Unidos, a American Forest Foundation e a The Nature Conservancy, duas instituições não governamentais, criaram um programa especial (Family Forest Carbon Program) para dar suporte aos proprietários de florestas familiares visando manter e melhorar as suas florestas, oportunizando a participação destes no mercado voluntário de carbono. Esta é uma iniciativa interessante uma vez que abre a possibilidade de pequenas propriedades com florestas familiares terem alguma remuneração por preservarem e manterem as suas florestas em pé frente às pressões impostas pelos custos de oportunidade.
No Brasil não temos nenhum programa semelhante. Em geral, as empresas certificadoras de créditos de carbono no país mantêm o foco em áreas florestais contínuas enormes, com um mínimo de 10 mil hectares, o que excluí de pronto a grande maioria das florestas familiares. Um exemplo são as florestas familiares formadas por araucárias, árvores ainda na lista do Ministério do Meio Ambiente com status “EN – Em Perigo” de extinção, que estão presentes no sul do país e que, em geral, compõem áreas pequenas de florestas familiares com a tipologia de Floresta Ombrófila Mista. No entanto, quando consorciadas estas formam uma área de cobertura significativa prestando inúmeros serviços ambientais, dentre eles o sequestro e a absorção de carbono, além de oxigênio limpo.
As estimativas nos Estados Unidos são de que a maioria dos proprietários de florestas familiares não estão ativamente atuando na preservação de suas áreas e dentre aqueles com alguma atuação, apenas 13% possuem um plano de manejo elaborado. No Brasil, os proprietários das RPPNs são, sem dúvida, aqueles que se preocupam com suas florestas familiares e nem todos possuem planos de manejo tecnicamente elaborado, apenas procuram manter a floresta em pé.
Recentemente, alguns poucos governos estaduais lançaram editais para Pagamentos por Serviços Ambientais das RPPNs, o que, em princípio, representa uma boa iniciativa e incentivo, mas a complexidade, exigências e baixo valor estabelecido não têm atraído muitas RPPNs. Devemos lembrar que as RPPNs são uma pequeníssima parte das florestas familiares que estão distribuídas por todo território nacional, que mesmo sem incentivos e sem explorar todo o seu potencial, ainda assim estão produzindo importantes serviços ecossistêmicos.
Falta muito a ser feito, mas é fundamental buscar-se, o quanto antes, algum modo para estabelecer um programa capaz de integrar as florestas familiares do país num grande programa de acolhimento à preservação, com suporte técnico e monetizando-as como florestas produtoras de serviços ambientais no sentido lato.
As RPPNs, por suas características, são um caminho, mas ainda são pouco conhecidas e, até certo ponto, são vistas com ceticismo por gestores públicos e proprietários de florestas familiares brasileiras.
Waldir L. Roque
Prof. Universitário (aposentado), escritor, articulista.
CV: http://lattes.cnpq.br/4602196835460192
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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