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Artigo

As árvores são crianças birrentas e teimosas

 

parque nacional da floresta da tijuca

Estamos vivendo num mundo onde não temos mais tempo para o amor, a brincadeira e a felicidade

Ensaio de Rosângela Trajano

Estou ouvindo esta canção linda “Amigo do sol, amigo da lua” de Benito di Paula e Rodrigo Vellozo, neste momento em que escrevo: “Ê eu, criança presa em brinquedos de trapaças / Quase sem história pra contar / Você, criança tão liberta, me tire dessa peça / E assim, ter história pra contar… Vem amigo, nadar nos rios / Vem amigo, plantar mais lírios / No vale, no mato e no mundo
Vamos brincar…

Vou falar da teimosia e da birra que árvores e crianças fazem para poderem brincar, um direito assegurado por lei, mas que os pais e responsáveis pelos dois estão esquecendo isso aos poucos e cada vez mais vemos árvores e crianças trabalhando.

Ah, eu nunca vi uma árvore trabalhar! Será mesmo que não, leitor querido? Pense na multidão de árvores que precisam purificar o ar das grandes cidades ou morreríamos todos sufocados com a poluição dos carros, fábricas e indústrias. Elas precisam de um tempo também para brincar! Ou você pensa que árvores não são crianças? Aliás, elas nunca crescem, só se tornam grandes no tamanho e pequeninas por dentro como muita gente linda que conheço!

Uma criança birrenta quer porque quer o que deseja e ninguém vai conseguir controlá-la com gritos ou palmadas, como ainda fazem alguns pais. Assim também são as nossas árvores, elas têm desejos um pouco diferente dos das crianças, mas nem tanto. Quando querem algo ai de nós, humanos nem muito humanos, se não as atendemos.

Com raivas as árvores mobilizam as raízes fincadas no chão e nos seus movimentos elas racham calçadas, seus frutos apodrecem muito rapidamente e insistem em produzirem folhas secas só para nos darem trabalhos por demais. Para nos vingarmos destas árvores birrentas as podamos ou as derrubamos.

As nossas crianças sofrem castigos, levam palmadas e gritos, as árvores são podadas de formas irregulares e erradas. Não matamos as nossas crianças quando elas fazem birras porque sabemos que seremos presos e julgados pelo crime cometido, mas costumamos derrubar as nossas árvores quando elas insistem nas suas birras e teimosias.

Por mais que podemos as árvores teimosas elas vão lá e só de propósito, só para nos dizer que podem mais do que nós, que são mais espertas do que nós, elas voltam a crescer suas copas bem mais do que antes estendendo galhos por um espaço maior ainda do que o de antes. As árvores roubam as nossas paciências, geralmente. Imaginem quando estão juntas as árvores e as crianças a zorra que não acontece? Crianças pulando de galho em galho, comendo os frutos das árvores, por outro lado as árvores balançando seus galhos fazendo suas folhas secas “sujarem” o chão e nos darem trabalho mais tarde. Crianças e árvores extrapolam nas suas brincadeiras e desaparecem dos nossos olhos quando as suas sombras as cobrem todas e as escondem.

É preciso paciência, humanos menos humanos, para lidarmos com as birras e teimosias das árvores, porém devemos saber que todo esse barulho é para chamar a nossa atenção, talvez elas estejam necessitando de mais carinho e cuidado, um pouco de compreensão, de brincar. Quem não gosta de brincar? Creio que as árvores adoram brincar! Digo isso porque vejo as suas alegrias quando as crianças se jogam em cima dos seus galhos e ficam por horas brincando embaixo delas, correndo aos seus arredores, abraçando-as e sorrindo para elas.

Estamos vivendo num mundo onde não temos mais tempo para o amor, a brincadeira e a felicidade. Somos da era da Inteligência Artificial e as nossas brincadeiras agora vêm prontas em imagens ou textos criados por máquinas que são alimentadas pelos próprios homens. Com isso, deixamos as nossas crianças e árvores de lado. Elas choram! Elas sentem saudades de um abraço ou carinho! Eu sei disso! Elas me segredaram outro dia quando vi uma dessas árvores sendo podadas de forma irresponsável por um jovem rapaz da minha rua. Que pena! Eu não pude fazer nada por aquela árvore! Ela só queria brincar um pouco com os seus galhos de dançar, de pular, de esconde-esconde, mas acharam que quando ela se movia muitas folhas caíam ao chão e sujava tudo dando trabalho para a sua proprietária.

Por que as crianças e as árvores birrentas são tão incompreendidas pelos adultos? É claro que elas vão desarrumar tudo, bagunçar, sujar a roupa e o chão! Tentemos entendê-las! As nossas crianças ainda não cresceram o bastante para deixarem de brincar e as árvores nunca deixarão de ser crianças. Esta é a pequena diferença que vejo entre esses dois seres da natureza tão lindos e que os amo muito!

Quando uma árvore faz birra e você grita com ela é capaz de adoecer e morrer só pra lhe ver triste e com culpa de ter causado a sua morte. Sim, as crianças também são capazes de ficarem doentes se fizerem birras e não tiverem o brinquedo que tanto querem comprado e lhe dado de presente. As birras das árvores estão na insistência de balançarem seus galhos sem parar, como se estivessem revoltadas e fizessem aquilo só para nos chamar a atenção, mas nós humanos não tão humanos assim, pensamos que elas estão fazendo vento para gente. Somos uns tontos! Parecemos palitos de picolés!

Se compreendêssemos verdadeiramente a essência das árvores saberíamos que elas fazem birra e são teimosas iguais às crianças porque não têm as suas perguntas respondidas, não têm os seus pedidos atendidos ou não querem acordar cedinho para fazerem sombra àquele homem chato que insiste em se abrigar embaixo delas quando ainda estão dormindo. Qual criancinha não acorda e fica chorando por alguns minutos? Isso porque não dormiu todo o seu soninho. Alguém atrapalhou o seu soninho tão gostoso! Assim acontece com as árvores, elas só querem ficar quietinhas nos seus berços. E se possível nos braços de uma mãe adorável!

E se você acha que as árvores não têm mãe está muito enganado! Elas têm mãe, sim! Acontece que suas mães precisam largá-las ainda novinhas e seguirem o caminho do arco-íris para onde vão as mamães árvores depois de darem à luz. Elas acreditam que nós, humanos nem tão humanos assim, vamos cuidar das suas filhas igual cuidamos dos nossos. Infelizmente elas se enganam!

Ainda existem alguns países no continente Africano que seu povo cuida das árvores como se fossem as suas mães. E por mais birras e teimosias que elas façam continuam a ser amadas e respeitadas como uma criança que se acalenta com amor e respeito. Os povos indígenas, mesmo os nossos brasileiros que infelizmente estão cada vez mais adotando os hábitos e costumes dos homens ditos civilizados, também veem nas árvores as suas mães e as adotam quando elas precisam ir embora.

É uma pena que nós, humanos quase nada de humanos, sejamos assim tão ignorantes e não consigamos enxergar a inocência e a criancice das árvores. Acho que nunca ninguém aqui deu uma bola ou uma pipa para uma árvore brincar, não é mesmo? As crianças já fizeram isso e ainda fazem até hoje na minha rua. Elas chutam a bola para o alto e deixam-na lá na copa da árvore por vários dias. Também empinam suas pipas bem no meio dos galhos das árvores para brincarem com elas.

É a vontade de ser criança novamente entrando dentro de mim e querendo junto com o meu cajueiro fazer birra para comer algodão doce ou pipoca na festa do menino ao lado da nossa casa. As árvores não gostam muito de doces e comidas industrializadas. Elas preferem as naturais e tomam muita água para estarem sempre hidratadas. Esses costumes devíamos ensinar às nossas crianças. Eu sei disso tudo porque sei, porque sou amiga das árvores assim como você poderia ser.

Deixo vocês hoje com os versos do poeta e cantor maravilhoso Renato Russo que nos diz “Escreva-me
quando o vento desfolhar as árvores / e os outros tenham ido ao cinema / mas você ficar sozinha, pouca vontade de falar então
escreva-me / fará você sentir-se menos frágil, quando nas pessoas
encontrar, tão somente indiferença… / você não se esquecerá jamais de mim / e se não tiver para dizer nada de especial, / você não deve preocupar-se, pois eu saberei entender…

Escreva-me ou balance seus galhos, minha árvore amada, sempre que a indiferença dos homens não muito humanos tocarem seus troncos e caules. Quando não souberem compreender as suas birras e teimosias, pois eu estarei aqui para lhe fazer companhia e quem sabe juntas assistirmos a um bom filme.

Se você gosta de ser teimosa, árvore que mora no bosque perto da minha casa, onde aquela gente adulta caminha todas as manhãs ainda de madrugada fazendo barulho e atrapalhando o seu soninho, mas mesmo assim você insiste em dormir mande me dizer que eu trancarei o bosque só para que possamos juntos dormir o dia inteiro até nos cansarmos de ser incompreendidas e sufocadas pela ingratidão dos vivos quase mortos senão cadáveres de Augusto dos Anjos que nos alerta dizendo “se a alguém causa ainda pena a tua chaga, apedreja essa mão vil que te afaga, escarra nessa boca que te beija!”  

Rosângela Trajano, Articulista do EcoDebate, é poetisa, escritora, ilustradora, revisora, diagramadora, programadora de computadores e fotógrafa. Licenciada e bacharel em filosofia pela UFRN e mestra em literatura comparada também pela UFRN. É pesquisadora do CIMEEP – Centro Internacional e Multidisciplinar de Estudos Épicos. Com mais de 50 (cinquenta) livros publicados para crianças, ministra aulas de Filosofia para crianças na varanda da sua casa, de forma voluntária. Além disso, mora pertinho de um mangue aonde vai todas as manhãs receber inspiração para poetizar.

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394
 

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