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Artigo

O degelo da Groenlândia e a elevação do nível dos oceanos

 

O degelo da Groenlândia é um dos sinais mais alarmantes das mudanças climáticas.

Artigo de José Eustáquio Diniz Alves

A área global de gelo marinho ficou abaixo de 13 milhões de km² em meados de fevereiro de 2025, o menor nível já registrado. O polo Norte nunca teve tão pouco gelo marinho e isto acelera o aquecimento global via efeito Albedo (medida de refletividade de uma superfície). Quanto menos gelo marinho maior é o aquecimento das águas e o aumento da temperatura na região do Ártico.

A Groenlândia, que está na mira imperial do governo Trump, já está sofrendo com o aumento da temperatura do Atlântico Norte e do degelo do Ártico. Além do efeito Albedo, o degelo da Groenlândia é um dos principais fatores que contribuem para a elevação do nível dos oceanos, com implicações profundas para o clima global e as populações costeiras ao redor do mundo.

A Groenlândia abriga a segunda maior camada de gelo do mundo, depois da Antártida. Se toda a sua camada de gelo derretesse, o nível do mar subiria cerca de 7 metros, o que inundaria cidades costeiras em todo o planeta, como as grandes cidade de Recife, Santos e Rio de Janeiro. Embora esse cenário seja extremo e demore séculos ou milênios para ocorrer completamente, o derretimento já em andamento está acelerando a elevação do nível do mar.

Estudos indicam que a Groenlândia perdeu quase 4 trilhões de toneladas de gelo desde 1992, o que já elevou o nível do mar em aproximadamente 1 cm. As projeções sugerem que até 2100, o derretimento da Groenlândia pode adicionar entre 5 cm e 33 cm ao nível global do mar, dependendo das emissões de gases de efeito estufa. Esse valor se soma ao degelo da Antártida e à expansão térmica dos oceanos.

gráfico do degelo do Ártico e da Antártida

 

O artigo “Increased crevassing across accelerating Greenland Ice Sheet margins”, publicado na revista Nature Geoscience (Chudley et al, 2025), mostra que a camada de gelo da Groenlândia – o segundo maior corpo de gelo do mundo – está rachando mais rapidamente do que nunca como uma resposta ao aquecimento global.

Pesquisadores usaram 8.000 mapas de superfície tridimensionais de imagens de satélite comerciais de alta resolução para avaliar a evolução das rachaduras na superfície da camada de gelo entre 2016 e 2021. Eles descobriram que as fendas em forma de cunha que se abrem nas geleiras aumentaram significativamente em tamanho e profundidade ao longo dos cinco anos e em uma taxa mais rápida do que a detectada anteriormente.

O degelo da Groenlândia é um dos sinais mais alarmantes das mudanças climáticas. Mesmo ações rápidas para reduzir emissões podem não evitar uma elevação significativa do nível do mar, tornando fundamental o planejamento para adaptação e mitigação dos impactos costeiros.

Para complicar o cenário, a reeleição de Donald Trump e sua postura em relação à Groenlândia podem influenciar o degelo da região por meio de políticas ambientais e geopolíticas. Em 2019, Trump expressou interesse em comprar a Groenlândia, o que gerou grande controvérsia. Embora a proposta tenha sido rejeitada pela Dinamarca (que controla o território), essa intenção reflete uma visão estratégica dos Estados Unidos sobre a região, especialmente em relação a recursos naturais, militarização e políticas climáticas. Isso poderia impactar a Groenlândia de várias formas.

A Groenlândia é rica em minérios estratégicos, como terras raras, urânio e petróleo.

O interesse dos EUA (e de outras potências) na exploração desses recursos pode levar: a) O aumento da mineração que pode acelerar a degradação ambiental, afetando o ecossistema local e liberando mais carbono armazenado no permafrost; b) A exploração de combustíveis fósseis na Groenlândia pode liberar mais emissões de gases de efeito estufa, intensificando o aquecimento global.

Donald Trump já retirou os EUA do Acordo de Paris durante seu primeiro mandato (2017-2021) e repetiu a medida agora, com impactos negativos na Groenlândia. Políticas de energia baseadas em combustíveis fósseis, que aumentam a temperatura global, contribuem para o degelo.

Um grande desafio é a militarização da Groenlândia. Os EUA já mantêm uma base militar na Groenlândia, a Base Aérea de Thule. Com o aumento da competição com a Rússia e a China pelo controle do Ártico, os EUA podem: a) Expandir a presença militar, possivelmente construindo infraestrutura que degrada o ambiente local; b) Intensificar exercícios militares e uso de combustíveis fósseis na região, aumentando o impacto climático.

O controle da Groenlândia pode impactar significativamente as rotas marítimas do Ártico, que estão se tornando cada vez mais navegáveis devido ao degelo acelerado. Essa mudança tem implicações estratégicas, econômicas e militares, especialmente para países como os Estados Unidos, China e Rússia. A Groenlândia está estrategicamente localizada entre a Passagem do Noroeste e o Atlântico Norte, tornando-se um ponto crucial para controle naval, comércio e segurança marítima.

O controle da Groenlândia afeta as rotas Árticas e é um ponto estratégico para o comércio global. Se os EUA assumissem maior controle sobre a Groenlândia, poderiam influenciar o tráfego marítimo no Ártico de várias formas: a) Monitorando e regulando o acesso de navios chineses e russos às rotas polares; b) Estabelecendo novas bases militares para projetar poder na região; c) Facilitando o comércio para empresas ocidentais ao fornecer infraestrutura de suporte para embarcações; d) Com a redução do gelo no verão, o tempo de viagem entre a Ásia e a Europa pode ser reduzido em até 40%, tornando as rotas polares mais atrativas do que o Canal de Suez ou Canal do Panamá.

Em 2020 escrevi o artigo “O degelo do Ártico e o atalho na rota comercial norte entre o Leste Asiático e a Europa”, aqui no Ecodebate (Alves, 14/10/2020) onde tratei da disputa geopolítica em torno das rotas de navegação que se tornavam viáveis em função do degelo do Ártico.

Sem dúvida, o controle da Groenlândia pode transformar a dinâmica do transporte marítimo no Ártico. Os EUA poderiam usá-la como um posto avançado para monitorar a navegação, competir com Rússia e China e influenciar a exploração dos vastos recursos do Ártico. Isso poderia intensificar a corrida por influência na região e aumentar os riscos de disputas geopolíticas em meio ao agravamento do colapso ambiental.

José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382

Referências:

ALVES, JED. Recorde de degelo nos polos em julho de 2019, Ecodebate, 09/08/2019
https://www.ecodebate.com.br/2019/08/09/recorde-de-degelo-nos-polos-em-julho-de-2019-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/

ALVES, JED. O degelo do Ártico e as emissões do permafrost, Ecodebate, 22/01/2020
https://www.ecodebate.com.br/2020/01/22/o-degelo-do-artico-e-as-emissoes-do-permafrost-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/

ALVES, JED. O degelo do Ártico e o atalho na rota comercial norte entre o Leste Asiático e a Europa, Ecodebate, 14/10/2020
https://www.ecodebate.com.br/2020/10/14/o-degelo-do-artico-e-o-atalho-na-rota-comercial-norte-entre-o-leste-asiatico-e-a-europa/

Chudley, T.R., Howat, I.M., King, M.D. et al. Increased crevassing across accelerating Greenland Ice Sheet margins. Nat. Geosci. (2025). https://doi.org/10.1038/s41561-024-01636-6

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394
 

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