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Artigo

Em defesa da vida é urgente combater o crime de ecocídio

 

futuro insustentável

Reinaldo Dias

Articulista do EcoDebate, é Doutor em Ciências Sociais -Unicamp

Pesquisador associado do CPDI do IBRACHINA/IBRAWORK

Parque Tecnológico da Unicamp – Campinas – Brasil

http://lattes.cnpq.br/5937396816014363

reinaldias@gmail.com

É possível imaginar um rio cristalino que sustenta a vida de uma comunidade inteira ser transformado em uma corrente de resíduos tóxicos, onde milhares de peixes mortos flutuam como um triste lembrete da destruição ambiental. Ou então, florestas milenares, que abrigam incontáveis espécies, sendo dizimadas em questão de dias para abrir espaço a práticas econômicas predatórias. Essas não são cenas de um futuro distante, mas realidades que marcam tragédias ambientais ao redor do mundo.

No Brasil, infelizmente, esses episódios se repetem com frequência alarmante. Muitos crimes ambientais levam anos para serem julgados e, quando chegam aos tribunais, frequentemente resultam em impunidade – seja por decisões favoráveis aos infratores, seja pela prescrição dos delitos. Esse ciclo de destruição e negligência jurídica evidencia a urgência de medidas punitivas mais severas e eficazes, capazes de proteger o meio ambiente e garantir justiça às populações afetadas.

A ausência de uma responsabilização proporcional à gravidade dos crimes ambientais não apenas perpetua a destruição dos ecossistemas, mas também desestimula práticas de conservação e sustentabilidade. Nesse contexto, a criação de leis específicas sobre ecocídio emerge como uma ferramenta essencial que contribui para a reversão desse cenário de devastação e impunidade.

O reconhecimento do ecocídio como crime internacional representaria um marco na defesa do meio ambiente, equiparando a destruição ambiental intencional a outras violações graves de direitos humanos, como genocídio e crimes contra a humanidade.

A criação de leis nacionais sobre ecocídio é igualmente vital. Enquanto as legislações internacionais estabelecem padrões globais e permitem ações contra indivíduos e corporações de alcance transnacional, as normas nacionais desempenham um papel fundamental ao adaptar esses princípios às realidades locais.

Leis nacionais podem abordar especificidades regionais, garantindo que crimes ambientais sejam investigados e julgados com celeridade, além de criar um arcabouço jurídico mais próximo das comunidades afetadas.

No Brasil, por exemplo, a aprovação de uma lei nacional que tipifique o ecocídio como crime representaria um avanço significativo no combate à destruição ambiental.

Em um país marcado por tragédias recorrentes como o rompimento de barragens, desmatamentos químicos e incêndios criminosos em biomas como a Amazônia e o Pantanal, essa legislação poderia fornecer os instrumentos necessários para responsabilizar os infratores e impedir que ações tão devastadoras permaneçam impunes.

Além disso, essas normas nacionais poderiam servir como exemplo para outras nações, especialmente na América Latina, onde os impactos ambientais são frequentemente severos e subnotificados.

Tanto no âmbito nacional quanto internacional, leis contra o ecocídio poderiam não apenas punir os responsáveis por crimes ambientais, mas também atuam como ferramentas de conscientização, fortalecendo a governança ambiental e promovendo uma cultura de respeito aos ecossistemas.

Reconhecer e legislar contra o ecocídio, em todas as esferas, é um compromisso ético e moral indispensável para proteger o meio ambiente, garantir justiça às comunidades afetadas e preservar o equilíbrio do planeta.

  1. Histórico do Surgimento do Termo Ecocídio

O termo “ecocídio” surgiu no início da década de 1970, motivado pelas devastadoras consequências ambientais da Guerra do Vietnã. Foi nessa época que o biólogo americano Arthur W. Galston, sensibilizado pelos efeitos do uso do desfolhante químico Agente Laranja, cunhou o termo durante a Conferência sobre Guerra e Responsabilidade Nacional, em 1970 (Unuigbe & Benedict, 2020; Mustafayeva & Rahimli, 2024).

Essa substância, pulverizada em grandes quantidades pelas forças armadas dos Estados Unidos entre 1961 e 1971, foi empregada para eliminar a vegetação densa do Vietnã, expondo esconderijos inimigos. No entanto, o impacto foi devastador, destruindo ecossistemas inteiros, causando doenças graves, como cânceres e defeitos congênitos, e afetando várias gerações de vietnamitas e veteranos americanos (Multiterno & Stohrer, 2018).

O conceito de ecocídio ganhou destaque na comunidade internacional quando, em 1972, o primeiro-ministro sueco Olof Palme, em seu discurso de abertura na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, em Estocolmo, descreveu os atos de devastação ambiental no Vietnã como ecocídio. Esse evento marcou um importante momento de denúncia contra a destruição ambiental em contextos de guerra, inserindo o termo nas discussões globais sobre direitos ambientais (Unuigbe & Benedict, 2020; Altares, 2021).

A associação do termo à destruição ambiental deliberada gerou interesse contínuo ao longo das décadas. Inspirado no conceito de genocídio — que significa a destruição intencional de um grupo humano —, ecocídio combina a raiz grega “oikos” (casa ou habitat) e o sufixo latino “cídio” (matar), enfatizando a gravidade de atos que visam ou resultam na destruição de ecossistemas (Altares, 2021).

Durante os anos 1970, as Nações Unidas começaram a discutir regularmente o tema, embora o termo não tenha sido incorporado formalmente ao direito internacional na época (Hillsdon, 2023). Em 1998, a ideia de incluir o ecocídio como um crime internacional no Estatuto de Roma — tratado que estabeleceu o Tribunal Penal Internacional (TPI) — foi debatida, mas não adotada.

A proposta voltou a ganhar força em 2021, quando um painel de especialistas convocados pela organização Stop Ecocide International apresentou uma definição jurídica para o termo, sugerindo sua inclusão como um quinto crime no Estatuto de Roma, ao lado de genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crimes de agressão (Koop, 2024; Altares, 2021).

O painel de especialistas internacionais (IEP) divulgou a seguinte definição: “ecocídio significa atos ilegais ou arbitrários cometidos com o conhecimento de que há uma probabilidade substancial de danos graves, generalizados ou de longo prazo ao meio ambiente causados por esses atos” (Stop Ecocide Foundation, 2021).

O movimento atual para reconhecer o ecocídio como crime internacional reflete a urgência de lidar com os impactos crescentes da destruição ambiental, impulsionados por desastres como o acidente nuclear de Chernobyl em 1986 e o rompimento da barragem de Mariana, no Brasil, em 2015, que evidenciaram as consequências devastadoras para ecossistemas e populações humanas (Multiterno & Stohrer, 2018).

Portanto, desde sua criação durante a Guerra do Vietnã, o termo ecocídio evoluiu de uma denúncia moral e política para um conceito jurídico com potencial de responsabilizar internacionalmente os responsáveis por danos ambientais graves e de longo prazo.

  1. Ações globais recentes para criminalizar o ecocídio

Desde a divulgação da definição do IEP em 2021, vários países passaram a implementar legislações relacionadas ao ecocídio.

Em 2021, a França introduziu o delito de “ecocídio” em sua legislação para punir atos graves de poluição ambiental. Essa iniciativa surgiu a partir das recomendações da Convenção de Cidadãos pelo Clima, um grupo de 150 cidadãos franceses que propuseram medidas para combater as mudanças climáticas. O “ecocídio” é classificado como um delito, não como um crime, no sistema jurídico francês.

As penas para quem causar danos graves e intencionais ao meio ambiente podem chegar a até dez anos de prisão e multas de até 4,5 milhões de euros. Além disso, a legislação prevê um delito de “colocar o meio ambiente em risco”, permitindo que infratores em potencial sejam punidos antes mesmo de cometer atos de poluição ilegal (Code de l’environnement, 2021).

Em 29 de março de 2023, o Parlamento Europeu aprovou a inclusão do ecocídio na legislação europeia, visando combater infrações graves ao meio ambiente, como derramamentos de petróleo, poluição tóxica, destruição da biodiversidade e impactos à saúde humana.

Baseada na definição do IEP, o ecocídio abrange atos que causam danos graves, generalizados e irreversíveis ao meio ambiente.

O texto considera a negligência grave como uma das principais causas desses crimes, incluindo acidentes tecnológicos e atrasos na implementação de normas. A prescrição passa a contar do momento da descoberta da infração, permitindo responsabilização por impactos como doenças desenvolvidas anos após o delito, incluindo cânceres ligados ao uso de agrotóxicos. A medida fortalece a proteção ambiental e os direitos humanos. (Daoud & Masmonteil, 2023).

A Bélgica reconheceu o ecocídio como crime em sua legislação doméstica em 2024, embora tenha adotado uma definição mais restritiva, que exige danos “graves, generalizados e de longo prazo” simultaneamente, o que aumenta a dificuldade de condenações (Zabuska, 2024).

Na América Latina, países como México, Chile, Equador, Brasil têm implementado legislações relacionadas com o ecocídio (Dasgupta, 2024; Otunge, 2024). A mais recente ocorreu no Perú, onde em 27 de novembro de 2024, a Comissão de Justiça e Direitos Humanos aprovou uma moção para incluir o ecocídio como crime no Código Penal, com base na definição proposta pelo IEP em 2021.

O artigo 305-A prevê punição para atos conscientes que causem danos graves, amplos ou irreversíveis ao meio ambiente, incluindo sua qualidade e processos ecológicos. Embora seja um avanço significativo, a proposta ainda necessita de aprovação pelo plenário do Congresso e sanção presidencial para se tornar lei. Essa iniciativa reflete o compromisso do Peru em fortalecer a proteção ambiental e combater crimes ecológicos (Stop Ecocide International, 2024).

Em âmbito internacional, a proposta de incluir o ecocídio no Estatuto de Roma, que rege o TPI, está em discussão. Essa emenda exigiria o apoio de dois terços dos 124 estados que ratificaram o tratado, um desafio significativo, especialmente porque grandes emissores de gases de efeito estufa, como China, Índia e Estados Unidos, não ratificaram o Estatuto (Gill & Enahoro, 2024).

A campanha para criminalizar o ecocídio recebeu apoio significativo de figuras públicas e organizações, como o Papa Francisco, que defendeu a criação de uma estrutura jurídica para proteger os ecossistemas (Koop, 2024). Além disso, a ativista Greta Thunberg contribuiu financeiramente para a campanha, ajudando a ampliar o alcance do movimento global (Fleming, 2021).

O reconhecimento do ecocídio como um crime internacional representaria um avanço sem precedentes na responsabilização por danos ambientais, abordando lacunas jurídicas e promovendo uma nova era de proteção ambiental. A definição, desenvolvida pelo IEP, tornou-se a base para movimentos nacionais e internacionais que buscam garantir que a destruição ambiental não fique impune.

  1. A proposta das ilhas do Pacífico ao TPI

As pequenas nações insulares do Pacífico, lideradas por Vanuatu, têm desempenhado um papel central na tentativa de incluir o ecocídio como um crime reconhecido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI). Este movimento reflete o impacto desproporcional que essas nações enfrentam devido à crise climática e à destruição ambiental, colocando-as na linha de frente das ações globais para proteger o meio ambiente.

Vanuatu enfrenta os impactos devastadores das mudanças climáticas, incluindo o aumento do nível do mar, temperaturas mais altas e eventos climáticos extremos como ciclones e tempestades. Composto por 82 ilhas vulcânicas, muitas a apenas 0,9 metros acima do nível do mar, o arquipélago abriga cerca de 260.000 pessoas e enfrenta desafios significativos devido ao seu isolamento geográfico.

Desde 1993, o nível do mar tem subido 6 milímetros por ano, com projeções de um aumento de até 18 centímetros até 2030. Além disso, as temperaturas podem subir 1 °C por ano, agravando os impactos climáticos. Eventos como chuvas extremas, deslizamentos de terra e secas intensificam a vulnerabilidade do país, prejudicando sua economia e os meios de subsistência da população, majoritariamente rural. (Government of Vanuatu. 2020).

Em sua luta para continuar a existir diante do avanço do mar em suas terras, Vanuatu participa ativamente nos fóruns internacionais divulgando a situação das pequenas ilhas do Pacífico diante das mudanças climáticas. Em 2019, por exemplo, Vanuatu solicitou pela primeira vez a inclusão do ecocídio como crime na assembleia anual do TPI. Embora não tenha sido uma proposta formal, desencadeou discussões em torno do ecocídio.

Já em 9 de setembro de 2024, três nações insulares, Vanuatu, Fiji e Samoa apresentaram formalmente uma proposta para alterar o Estatuto de Roma, que rege o TPI, buscando o reconhecimento do ecocídio como um quinto crime internacional, ao lado de genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e crimes de agressão (Mustafayeva & Rahimli, 2024; Gill & Enahoro, 2024). A definição proposta segue o conceito formulado por especialistas em 2021.

As ilhas do Pacífico, incluindo Vanuatu, Fiji e Samoa, enfrentam algumas das consequências mais severas das mudanças climáticas, como o aumento do nível do mar, tempestades mais intensas e perda de ecossistemas marinhos e terrestres. Essa vulnerabilidade explica sua liderança no esforço para criar uma estrutura legal internacional que responsabilize os responsáveis por crimes ambientais.

Embora litígios domésticos sejam limitados devido à localização dos infratores – frequentemente grandes corporações em outros países – a abordagem internacional proposta oferece uma alternativa viável e necessária (Cooper & Tuala-Warren, 2024).

A proposta, caso seja aprovada, abriria caminho para o julgamento de indivíduos, como chefes de Estado ou líderes de corporações poluidoras, por crimes ambientais em larga escala. Além disso, criaria um forte efeito dissuasório contra práticas que levam à destruição ambiental severa (Harvey, 2024).

A iniciativa das ilhas do Pacífico também ganhou um aliado importante na República Democrática do Congo (RDC). Em uma declaração histórica na Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade (COP16), em 2024, a RDC tornou-se o primeiro país africano a apoiar formalmente a inclusão do ecocídio no Estatuto de Roma. Esse endosso sublinha a relevância do tema para países do Sul Global, frequentemente mais vulneráveis às consequências da destruição ambiental (Otunge, 2024).

O apoio de países como da RDC demonstra que a ideia de responsabilizar criminalmente aqueles que causam danos ambientais massivos está ganhando força. Essa tendência reforça o papel das pequenas nações insulares como catalisadoras de mudanças globais, usando sua vulnerabilidade como uma plataforma para liderar o movimento por justiça ambiental.

  1. A atual situação de implementação da lei de ecocídio no Brasil

O conceito de ecocídio ganhou relevância no Brasil em meio a desastres ambientais de grandes proporções e à tramitação de um projeto de lei que busca criminalizar os atos mais graves de destruição ambiental.

Entre os casos mais emblemáticos que poderiam ser enquadrados como ecocídio estão o rompimento das barragens de Mariana (2015) e Brumadinho (2019), que resultaram em perdas humanas, devastação ambiental e danos irreversíveis a comunidades inteiras e à biodiversidade (Multiterno & Stohrer, 2018; Angelo, 2024). O vazamento de óleo na costa do Nordeste e os incêndios criminosos que assolam biomas como a Amazônia e o Pantanal são outros exemplos alarmantes (Nunes, 2024).

O Projeto de Lei 2933/2023, proposto pelo movimento Ecoe Brasil e encaminhado pelo deputado Guilherme Boulos (PSOL-SP), visa incluir o ecocídio como um tipo penal na Lei de Crimes Ambientais (Lei Federal n.º 9.605/1998).

A proposta define ecocídio como “atos ilegais ou temerários com a consciência de que eles geram uma probabilidade substancial de danos graves e generalizados ou de longo prazo ao meio ambiente”, prevendo pena de reclusão de 5 a 15 anos, além de multa (Angelo, 2024; Nunes, 2024).

O texto foi aprovado pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) em novembro de 2023 e seguiu para análise na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC).

Apesar dos avanços, o projeto enfrenta resistências significativas no Congresso, que tem uma composição amplamente favorável ao agronegócio e à mineração, setores frequentemente associados a práticas ambientalmente danosas (Angelo, 2024; Nunes, 2024).

Os exemplos de crimes potenciais são inúmeros no Brasil com casos de grande impacto ambiental que reforçam a necessidade de tipificar o ecocídio como crime. O rompimento da barragem da Samarco em Mariana, por exemplo, despejou milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração no Rio Doce, afetando a biodiversidade marinha até Abrolhos, na Bahia. A Justiça Federal, no entanto, absolveu os responsáveis devido à dificuldade de estabelecer responsabilidade direta, destacando a fragilidade do sistema jurídico atual em punir crimes ambientais de grande escala (Angelo, 2024).

Outro exemplo de potencial ecocídio no Brasil é o desmatamento químico no Pantanal, revelado por um relatório de 2024 elaborado pela Mighty Earth em parceria com a Repórter Brasil e a AidEnvironment. Nesse caso, uma substância tóxica similar ao “Agente Laranja”, amplamente utilizado durante a Guerra do Vietnã, foi pulverizada em grandes áreas de vegetação para abrir espaço para a pecuária. A investigação documentou o uso desse composto em 81.200 hectares na Fazenda Soberana, em Barão de Melgaço, Mato Grosso – uma área quase duas vezes e meia o tamanho de Belo Horizonte (Mighty Earth, 2024; Barth, 2024).

A investigação apontou que grandes frigoríficos brasileiros, incluindo JBS, Marfrig e Minerva, estavam diretamente conectados à cadeia de fornecimento da fazenda responsável pelo desmatamento químico. Esses frigoríficos, por sua vez, abastecem redes de supermercados como Carrefour, Casino/GPA, Grupo Mateus e Sendas/Assaí, destacando como a destruição ambiental no Brasil está integrada a cadeias globais de consumo (Mighty Earth, 2024).

Esse episódio não apenas destruiu a vegetação local, mas também causou danos irreparáveis à biodiversidade do Pantanal, um dos biomas mais ricos e importantes do mundo. A prática de pulverizar produtos químicos altamente tóxicos para eliminar árvores e vegetação natural foi qualificada como um ato ilegal de grande escala pelos promotores, sendo um exemplo claro de desrespeito aos princípios da sustentabilidade ambiental e aos direitos das comunidades locais que dependem do equilíbrio ecológico da região.

Além disso, a investigação destacou a dificuldade de responsabilizar efetivamente os responsáveis por esses atos, especialmente em um cenário onde grandes corporações possuem vastos recursos jurídicos para contornar penalizações. O caso exemplifica a urgência da criminalização do ecocídio no Brasil, já que práticas como o desmatamento químico têm impactos profundos e duradouros, comprometendo não apenas o bioma afetado, mas também o equilíbrio climático global.

Outro evento de extrema gravidade ocorreu em junho de 2024 no Brasil. O Rio Piracicaba, no Estado de São Paulo, foi palco de uma das maiores tragédias ambientais já registradas na região, caracterizada pela morte de aproximadamente 253 mil peixes ao longo de 70 quilômetros, afetando também a Área de Proteção Ambiental (APA) do Tanquã.

A APA ocupa uma extensão equivalente a 14 mil campos de futebol e é um refúgio para mais de 435 espécies de vertebrados, incluindo 19 ameaçadas de extinção (Pereira et al, 2024). Segundo a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb, 2024) a poluição teve origem na Usina São José, de Rio das Pedras (SP), e causaram uma estimativa de perda de pelo menos 50 toneladas de peixe.

O PL 2933/2023 surge em um momento crítico, quando o Brasil enfrenta níveis alarmantes de destruição ambiental, com impactos que vão além de suas fronteiras. A tipificação do ecocídio busca responsabilizar diretamente indivíduos e corporações, coibindo práticas que comprometam a integridade de ecossistemas e os direitos de populações vulneráveis.

Contudo, a tramitação enfrenta desafios políticos e econômicos que podem retardar sua aprovação, mantendo um cenário jurídico que ainda não oferece respostas eficazes para a destruição ambiental em larga escala. Há uma forte resistência no Congresso dominado por parlamentares, principalmente ligados à extrema-direita, que são financiados pelo agronegócio e pela mineração.

  1. A Importância da Educação Ambiental e da Mobilização Política

A criminalização do ecocídio representa um passo importante, mas insuficiente, para a proteção ambiental. Para prevenir danos deliberados ao meio ambiente, é imprescindível fomentar uma conscientização coletiva por meio da educação ambiental.

Programas educacionais que destacam práticas sustentáveis, o respeito aos ecossistemas e a interdependência entre o ser humano e a natureza são fundamentais para a formação de cidadãos conscientes, capazes de adotar atitudes proativas em relação à conservação ambiental.

Além disso, o fortalecimento da governança ambiental em nível local desempenha um importante papel. Iniciativas comunitárias e políticas municipais podem complementar os esforços internacionais, garantindo que as populações afetadas tenham suas vozes amplificadas e que as políticas atendam às suas necessidades específicas (Ahmed et al., 2024).

O envolvimento direto das comunidades não apenas aumenta a eficácia das ações, mas também promove uma relação mais equilibrada entre as demandas locais e as estratégias globais de conservação.

Contudo, a mobilização política permanece como o elemento mais eficaz para garantir tanto a aprovação quanto a implementação efetiva das leis de proteção ambiental. Experiências históricas mostram que a punição dos crimes contra o meio ambiente frequentemente depende da pressão exercida por uma cidadania ativa e engajada.

Essa participação social contínua é essencial, pois os responsáveis por crimes ambientais frequentemente se opõem ativamente à aplicação das leis, utilizando sua influência econômica e política para enfraquecê-las.

Portanto, a luta pela proteção ambiental não termina com a aprovação de uma lei. É necessário manter um movimento contínuo, que não apenas pressione pela aplicação rigorosa da legislação, mas também exija melhorias constantes na governança ambiental.

Nesse sentido, a mobilização popular e a educação ambiental não são apenas estratégias complementares, mas pilares essenciais para atingir um desenvolvimento sustentável que equilibre a proteção ambiental, a justiça social e o crescimento econômico, garantindo a preservação dos recursos naturais.

  1. Conclusão

A devastação ambiental, marcada por crimes como desmatamentos, derramamentos de resíduos tóxicos e destruição de ecossistemas, não é apenas uma tragédia para a biodiversidade, mas um atentado direto contra a sobrevivência humana.

Em um mundo cada vez mais impactado pela crise ambiental, a criminalização do ecocídio se apresenta como um divisor de águas na luta pela justiça ambiental. Reconhecê-lo como crime, tanto no âmbito internacional quanto nacional, é um passo essencial para responsabilizar os culpados e criar um efeito dissuasório que proteja os recursos naturais e as comunidades vulneráveis.

No Brasil, onde a fragilidade do sistema jurídico muitas vezes resulta em impunidade, a tipificação do ecocídio como crime poderia transformar a maneira como os danos ambientais são enfrentados.

Além de fortalecer as leis já existentes, essa medida contribuiria para que a proteção ambiental fosse tratada como prioridade, não como um obstáculo ao progresso econômico. Ao mesmo tempo, ela enviaria uma mensagem clara: destruir o meio ambiente deliberadamente é um ato que terá consequências reais e proporcionais aos danos causados.

Mas as leis, por si só, não bastam. A mobilização popular, a educação ambiental e a governança local desempenham papéis complementares e indispensáveis nesse processo. A construção de uma sociedade mais consciente e ativa é fundamental para pressionar por mudanças, garantir a aplicação das normas e promover uma relação equilibrada entre desenvolvimento econômico, justiça social e proteção ambiental.

Diante da gravidade dos desafios a serem enfrentados, criminalizar o ecocídio é mais do que uma medida punitiva; é um compromisso com o futuro. É uma forma de reafirmar que a destruição ambiental em larga escala não será mais tolerada e que a preservação do planeta deve estar no centro de quaisquer ações e prioridades.

O ecocídio não é apenas um crime contra a natureza; é um crime contra todos. E combatê-lo é uma luta pela vida em todas as suas formas.

Referências

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Zabuska, Pola (2024) Stop Ecocide Now – The Environmental Damage and Criminal Punishment in Europe. European Student Think Thank. https://esthinktank.com/2024/12/11/stop-ecocide-now-the-environmental-damage-and-criminal-punishment-in-europe/

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394
 

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