Decrescimento populacional com prosperidade social e ambiental na Hungria
Artigo José Eustáquio Diniz Alves
O envelhecimento populacional foi bom para a renda per capita e a diminuição da pegada ecológica. Os idosos devem ser vistos como um ativo produtivo e não como um passivo que representa gastos
A Hungria é um país localizado no leste europeu e faz fronteira com a Eslováquia, Romênia, Sérvia, Croácia, Eslovênia, Áustria e Ucrânia. A capital é a cidade de Budapeste. Após o fim da Segunda Guerra Mundial, a Hungria ficou sob a influência da União Soviética (URSS). A revolta de 1956 foi sufocada e a Hungria só se libertou da influência soviética e do Pacto de Varsóvia no final da década de 1980. Atualmente o país é membro da União Europeia, da OTAN e da OCDE.
A Hungria tem uma área de 96 mil km2, uma densidade demográfica de 107 habitantes por km2 e uma idade mediana de 44 anos, em 2024. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da Hungria era de 0,721 em 1990, passou para 0,773 no ano 2000 e para 0,851 em 2022, ocupando a 47ª posição global (O Brasil está em 89ª posição no ranking).
A população húngara atingiu o pico populacional de 10,7 milhões de habitantes em 1980 e já apresenta decrescimento populacional nos últimos 45 anos, com 9,6 milhões de habitantes em 2024. Mas embora a Hungria já apresente uma estrutura etária mais envelhecida e uma diminuição da população, a renda per capita, em preços constantes, em poder de paridade de compra (ppp), tem crescido no período, conforme mostra o gráfico abaixo.
A renda per capita húngara era de US$ 16,2 mil em 1980, subiu para US$ 19 mil em 1988 e caiu para 15,9 mil em 1993, após a crise ocorrida com o fim da URSS. Porém, a renda per capita apresentou uma tendência ascendente desde meados da década de 1990, chegando a US$ 36,5 mil em 2024 e deve atingir US$ 43 mil em 2029, segundo as projeções do FMI. Ou seja, a redução do volume de habitantes não impediu a prosperidade e o crescimento do poder de compra médio da população húngara.
No pensamento convencional, o envelhecimento populacional conjugado com o decrescimento demográfico é interpretado como “armadilha gerontológica” ou “inverno demográfico” e seria o fim da linha para o desenvolvimento humano de qualquer nação. Contudo, o exemplo da Hungria mostra que pode haver decrescimento da população com prosperidade social e ecológica.
O gráfico abaixo, do Instituto Global Footprint Network, apresenta os valores da pegada ecológica e da biocapacidade da Hungria de 1961 a 2019, com uma estimativa até 2022. A pegada ecológica serve para avaliar o impacto do ser humano sobre a biosfera. A biocapacidade, avalia o montante de terra, água e demais recursos biologicamente produtivos para prover bens e serviços do ecossistema, sendo equivalente à capacidade regenerativa da natureza. Ambas as medidas são representadas em hectares globais (gha).
Em 1961, a Hungria tinha uma biocapacidade de 14,1 milhões de gha e uma pegada ecológica de 29,2 milhões de gha. Portanto, havia um pequeno déficit ambiental. Até o final dos anos de 1970 este déficit aumentou. Mas a partir do início da década de 1990 o déficit ambiental diminuiu. Em 2022, a pegada ecológica passou para 37,8 milhões de gha e a biocapacidade ficou em 25,6 milhões de gha. Isto significa que ainda existe um déficit ambiental, mas ele tem diminuído nos últimos anos.
De fato, a diminuição da população em idade ativa significou o fim do 1º bônus demográfico. Mas a Hungria contou com o 2º bônus demográfico – bônus da produtividade – e o 3º bônus demográfico – bônus da longevidade e da geração prateada. O padrão da produção se alterou e contribuiu para a melhoria das condições ambientais.
Esta visão sobre o decrescimento populacional como oportunidade de progresso social e ambiental é apontada pelo renomado demógrafo Wolfgang Lutz, que traça um quadro bastante otimista do futuro da civilização humana se for dada prioridade à educação universal e, em particular, à educação feminina:
“Mais investimentos em educação compensa em termos de maior bem-estar, e ainda mais quando combinado com níveis de fecundidade que levam ao declínio populacional a longo prazo em países individuais e, em última análise, em todo o mundo. Portanto, esta conclusão apoia o título do artigo, que afirma que o declínio da população global não é apenas provável, mas também irá beneficiar o bem-estar humano a longo prazo” (Lutz, 2023, p. 13).
O envelhecimento populacional foi bom para a renda per capita e a diminuição da pegada ecológica. Os idosos devem ser vistos como um ativo produtivo e não como um passivo que representa gastos de uma população improdutiva. O chamado “inverno demográfico” húngaro está se transformando em primavera social e ambiental. A redução da população não é um problema e pode se tornar uma solução.
Como observou Jennifer Sciubba (2023): “Desde a década de 1960, a população mundial mais do que duplicou, mas a taxa de crescimento vem diminuindo o tempo todo. Estamos testemunhando a mudança mais fundamental que ocorreu na história humana moderna. A mudança generalizada e permanente para uma baixa taxa de fecundidade, acompanhada do envelhecimento populacional (…) Vamos fazer dessa mudança um planeta resiliente e reimaginar um mundo mais prateado e com menor número de pessoas, como um mundo mais bonito”.
Segundo o artigo “Population and climate change” (LOWE et al, 2022, p. 39): “Se levamos a sério o nosso objectivo declarado de viver de forma sustentável, estabilizar a população futura é um requisito essencial. Isto é verdade no que diz respeito às alterações climáticas e se aplica a outras questões ambientais, como a perda de biodiversidade e a conservação de habitats, bem como garantir suficiência futura de alimentos, água e fornecimento de energia. A população deve ser integrada na política pública para todas essas questões. Atingir um pico populacional global na data mais próxima e no nível mais baixo alcançável aumentará enormemente a viabilidade de limitar o aquecimento global a menos de 2°C, e simultaneamente reduzir a vulnerabilidade das futuras pessoas aos impactos das alterações climáticas”.
Artigo de Lainos et al (2023), utilizando o método de estimativa do grupo médio agrupado (PMG), constataram: “que o declínio da população pode andar de mãos dadas com o crescimento do PIB e o aumento do PIB per capita e, ao mesmo tempo, a taxa de participação no trabalho pode aumentar e o desemprego pode diminuir.
Como disse Nathanial Gronewold (2024): “Nada cresce para sempre – por favor, repita estas três palavras em voz alta na próxima vez que você estiver em um pub ou esperando na fila para algo ou de outra forma em público e acontecer de ouvir alguém preocupado com as últimas notícias sobre a queda das taxas de fecundidade. Seja educado sobre isso, claro, mas por favor repita este fato básico da física em voz alta e com orgulho e sem hesitação, martelando o ponto fica claro para todos ao alcance da voz” (p. 5).
Em geral, o declínio da fecundidade provoca medo entre políticos, religiosos e investidores. Eles se preocupam com sistemas de pensões, saúde e crescimento econômico. Até o Papa Francisco se pronunciou dizendo que ter animais de estimação em vez de filhos era uma atitude egoísta. No entanto, não se deve desesperar com a baixa fecundidade. Suas consequências são menos cataclísmicas do que frequentemente se supõe, como mostrou o demógrafo Vegard Skirbekk, no livro “Decline and Prosper! Changing Global Birth Rates and the Advantages of Fewer Children” (2022).
Skirbekk considera que a fecundidade muito baixa pode causar tensões fiscais e afetar negativamente o crescimento econômico. Contudo, uma taxa de fecundidade total (TFT) entre 1,5 e 2 filhos por mulher favorece a autonomia reprodutiva, a igualdade de gênero e o avanço da educação e do mercado de trabalho. Baixa fecundidade favorece os investimentos na qualidade de vida das crianças e ajuda a minimizar o impacto humano no planeta. Além disso, segundo o autor, é hora de aceitar que a baixa fecundidade veio para ficar. As políticas públicas é que precisam se adaptar a essa nova realidade.
De acordo com O’Sullivan (2020) o envelhecimento populacional não deve ser visto como um entrave: “Uma sociedade madura não é apenas uma sociedade para os idosos. Num mundo pós-transição com uma população estacionária ou em declínio, as crianças podem receber melhor apoio para desenvolverem o seu potencial. Os jovens adultos têm maior probabilidade de aceder a empregos seguros nos quais a sua contribuição é valorizada e a sua o capital humano é nutrido. Poderia ser oferecida aos trabalhadores mais velhos maior flexibilidade para permanecerem no força de trabalho na medida que eles escolherem. As famílias têm maior probabilidade de conseguir habitação acessível e se beneficiar da herança. Menos desigualdade de rendimentos e mais voluntariado por parte do nosso exército de reformados capazes contribuirão para a coesão social” (p. 37).
Portanto, o envelhecimento populacional é inexorável, mas isto não implica necessariamente em retrocesso nos indicadores sociais.
O mundo será um lugar melhor para se habitar se o decrescimento populacional dos países for acompanhado do aumento da renda per capita e da redução da pegada ecológica e do déficit ambiental. Um mundo com menor quantidade de pessoas, pode ser um mundo com maior qualidade de vida humana e ecológica. O caso da Hungria pode servir de exemplo para a população brasileira.
José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
ALVES, JED. O envelhecimento populacional e a economia prateada, Ecodebate, 04/12/2024
https://www.ecodebate.com.br/2024/12/04/economia-prateada-oportunidades-e-desafios-do-envelhecimento/
ALVES, JED. O que está por trás do encolhimento das famílias brasileiras? Sputnik Brasil, podcast Jabuticaba Sem Caroço, 21/06/2024
https://noticiabrasil.net.br/20240621/o-que-esta-por-tras-do-encolhimento-das-familias-brasileiras-35229011.html
LUTZ, Wolfgang. “Population decline will likely become a global trend and benefit long-term human
wellbeing.” Vienna Yearbook of Population Research 2023, pp. 1-15.
https://pure.iiasa.ac.at/id/eprint/18893/1/Lutz.pdf
SCIUBBA, Jennifer D. The truth about human population decline, TED, 2023 https://www.ted.com/talks/jennifer_d_sciubba_the_truth_about_human_population_decline/transcript?subtitle=en
LIANOS, T.P., Pseiridis, A. & Tsounis, N. Declining population and GDP growth. Humanit Soc Sci Commun 10, 725 (2023). https://doi.org/10.1057/s41599-023-02223-7
LOWE, I., Cook, P., and O’Sullivan, J. (2022). Population and climate change (Sustainable Population Australia Discussion Paper). Sustainable Population Australia.
https://population.org.au/wp-content/files/Population-Climate-Web-Version-110222.pdf
Nathanial Gronewold. In Praise of Population Decline, NPG Forum Paper, June 2024
https://npg.org/wp-content/uploads/2024/06/2024-InPraiseofPopulationDecline-FP.pdf
SKIRBEKK, Vegard. Decline and Prosper! Changing Global Birth Rates and the Advantages of Fewer Children, Palgrave Macmillan, 2022
O’SULLIVAN, J.N. Silver tsunami or silver lining? Why we should not fear an ageing population. Discussion paper, Sustainable Population Australia. 2020.
https://population.org.au/discussion-papers/ageing/
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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