Comércio agrícola global, perda de biodiversidade e aumento do preço dos alimentos
Artigo de José Eustáquio Diniz Alves
O mundo tem produzido cada vez mais alimentos e a demanda global crescerá bastante até 2050.
A população global deve crescer de aproximadamente 8 bilhões (2022) para cerca de 9,5 bilhões em 2050. Estima-se que a produção de alimentos precisará aumentar entre 50% e 70% em relação aos níveis de 2010 para atender às necessidades dessa população crescente, especialmente em países em desenvolvimento onde o crescimento populacional será mais acentuado.
Porém, a agricultura e a pecuária têm um impacto significativo nas emissões de gases de efeito estufa (GEE), contribuindo de maneira substancial para o aquecimento global.
O setor agrícola responde por cerca de 20% das emissões globais de GEE, dependendo da metodologia utilizada para os cálculos. Quando incluídos desmatamento e mudanças no uso da terra associados à expansão agrícola, essa participação pode ultrapassar 30%. A pecuária contribui com aproximadamente 15% das emissões globais, de acordo com a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura).
Outro impacto da agropecuária é sobre a perda de biodiversidade. O artigo “Biodiversity impacts of recent land-use change driven by increases in agri-food imports” (Cabernard, Pfister & Hellweg, 2024), publicado na Nature Sustainability, constatou que o comércio internacional foi responsável por mais de 90% da perda de biodiversidade. A perda causada entre 1995 e 2022 se deve à conversão de áreas naturais em terras agrícolas.
Ao contrário dos modelos mais antigos que não consideravam áreas de pousio, perda permanente de espécies e tempo de recuperação do ecossistema, o novo modelo usou dados de satélite para avaliar todo o desenvolvimento de uma área, inclusive após o fim da agricultura. Este modelo também considera os fluxos comerciais e seu impacto em diferentes regiões.
Devido ao aumento das exportações agrícolas, mais de 80% do uso da terra mudou na América Latina, África, Sudeste Asiático e Pacífico. Os principais importadores desses produtos são China (26%), EUA (16%), Oriente Médio (13%) e Europa (8%). Pontos críticos como Brasil, Indonésia, México e Madagascar registraram mais de 50% de perda devido à mudança no uso da terra. O estudo mostra que as conexões entre comércio global e perda de biodiversidade são altamente complexas, mas de grande importância.
Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que foram aprovados pela ONU no ano de 2015, estabeleceu, no Objetivo # 2, a meta de acabar com a fome até 2030, além de garantir o acesso de todas as pessoas, em particular os pobres e indivíduos em situações vulneráveis, incluindo crianças e idosos, a alimentos seguros, nutritivos e suficientes durante todo o ano. Porém, o quadro atual não é favorável.
De fato, a fome vinha diminuindo no mundo nas últimas décadas e o ODS # 2 expressou uma visão otimista da possibilidade de erradicar a fome no contexto da Agenda 2030 da ONU. Contudo, a situação mudou com a pandemia da covid-19 e piorou ainda mais com a invasão da Ucrânia pela Rússia e outros conflitos armados internacionais. Por conseguinte, o preço dos alimentos atingiu um nível recorde em 2022.
O gráfico abaixo, da FAO, mostra que os recordes históricos de alta do Índice de Preços dos Alimentos (FFPI) aconteceram em 1974 e 1975 (quando houve o primeiro choque do petróleo) e a década de 1971-80 foi a que teve a maior média decenal da série, com 110,2 pontos. Nas décadas de 1980 e 1990 os preços dos alimentos caíram e marcaram os menores valores do século XX. Mas a comida voltou a ficar mais cara no século XXI, com o índice FFPI de 2022 batendo o recorde de aumento em mais de 100 anos, além do recorde histórico de alta no quadriênio 2021-2024 (este foi o quadriênio com a média mais alta do preço dos alimentos em 100 anos).
Historicamente, o aumento do preço dos alimentos provoca uma elevação do percentual da população mundial sujeita à fome e à insegurança alimentar. O conjunto das atividades antrópicas já superou a capacidade de carga do Planeta, mas os diversos governos do mundo só pensam no crescimento demoeconômico, sem tomar medidas efetivas para a restauração da natureza.
Por conseguinte, o aumento do preço dos alimentos é apenas um indicador de um conflito cada vez maior entre a ECOnomia e a ECOlogia e que é agravado pelas disputas econômicas e políticas.
Neste quadro, as perspectivas para o ano de 2025 é de manutenção de preços elevados para os alimentos. Além da perda de biodiversidade, o sofrimento será maior entre as populações mais pobres e nos países mais vulneráveis à volatilidade do preço dos bens de subsistência.
José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
ALVES, JED. Crescimento demoeconômico no Antropoceno e negacionismo demográfico, Liinc em Revista, RJ, v. 18, n. 1, e5942, maio 2022 https://revista.ibict.br/liinc/article/view/5942/5595
ALVES, JED. A Era da comida barata acabou, Ecodebate, 06/12/2021
https://www.ecodebate.com.br/2021/12/06/a-era-da-comida-barata-acabou/
ALVES, JED. A crise climática agrava a crise alimentar, Ecodebate, 04/03/2024
https://www.ecodebate.com.br/2024/03/04/a-crise-climatica-agrava-a-crise-alimentar/
CABERNARD, L., PFISTER, S., & HELLWEG, S. (2024). Biodiversity impacts of recent land-use change driven by increases in agri-food imports. Nature Sustainability, 7(11), 1512-1524. DOI: https://doi.org/10.1038/s41893-024-01433-4
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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