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Artigo

2025 – A mudança começa hoje. Sustentabilidade e Justiça Climática não são opções, é sobrevivência!

 

 

Eloy F. Casagrande Jr. PhD
Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Tecnologia e Sociedade (PPGTE)
Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Campus Curitiba.

A temperatura média global de 2024 foi 1,62°C acima da média do período pré-industrial (1850-1900), lembrando do limite determinado pelo acordo de Paris era de um aumento até 1,5ºC. De acordo com a OMM (Organização Meteorológica Mundial), o acúmulo médio de dióxido de carbono (CO₂), o principal gás de efeito estufa (GEE), atingiu 422 partes por milhão, o que é mais de 50% maior do que em 1750, antes de os seres humanos começarem a queimar combustíveis fósseis em grande escala. Uma concentração semelhante como esta, só aconteceu entre três a cinco milhões de anos atrás. Estima-se que os efeitos dos eventos climáticos extremos, aumentou em 5 milhões o número de refugiados climáticos em 2024.

O que significa para a humanidade termos os últimos 12 meses mais quentes já registrados no planeta, de acordo com o Copernicus, programa de observação da Terra da União Europeia?

Moro num país tropical abençoado por Deus”. Será?

No Brasil, as enchentes do Rio Grande do Sul, em maio, atingiram quase 500 munícipios e deixaram 180 mortos. O estado do Amazonas, em agosto e setembro, teve 62 municípios em emergência devido a seca extrema, afetando a vida de mais de 300 mil pessoas. Somando a isto, as queimadas em municípios localizados no Sul do estado, conhecido como “arco do fogo” devido à forte presença da pecuária na região. Muitas destas criminosas, conforme relatos do IBAMA. As imagens de rios secos e a fumaça encobrindo a cidade de Manaus foi o que se viu da Amazônia, para além de sua beleza natural.

Para os especialistas, são as atividades agrícolas e a pecuária intensiva as maiores responsáveis pelo desmatamento dos biomas brasileiros. Apesar dos esforços do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, reduzindo em 30,6% as queimadas em relação a 2023, na Amazônia, com uma fiscalização mais eficaz e retomando a política ambiental abandonado pelo governo negacionista de Bolsonaro, a taxa de destruição foi de 6.288 km quadrados, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Já no Cerrado, que havia apresentado alta nos últimos cinco anos, registrou uma queda de 25,7% no desmatamento em comparação ao ano passado, com uma taxa de 8.174 km². No Pantanal, no entanto, houve um aumento de 600% dos focos de incêndio se comparado com 2023. Os incêndios não afetam somente a biodiversidade, a saúde da população e a economia local, mas já está provado que os “rios voadores” da Amazônia, que trazem as chuvas para o Sul e Sudeste, são impactados fortemente, trazendo prejuízos para a agricultura nestas regiões e consequentemente para o PIB do país.

Todos os continentes

Não é somente um impacto ambiental global, mas um problema social, de saúde e de sobrevivência. As enchentes de Valência, na Espanha, em outubro, a pior registrada no continente europeu, o número de mortos ultrapassou 200, com dezenas de desaparecidos. Em 6 países – Polônia, Áustria, República Checa, Hungria, Romênia e Eslováquia –, centenas de milhares de pessoas já tiveram que sair de casa devido as piores enchentes em duas décadas. “Parecia o apocalipse, o Armagedom. Eu vi um carro voando, árvores grandes arrancadas da terra, raízes inteiras”, disse um morador, da cidade Ladek Zdroj, no interior da Polônia.

Na Índia, em maio e junho, as temperaturas chegaram a quase 50 graus Celsius, matando centenas pessoas por desidratação ou doenças agravadas pelo calor, sendo que 2024 foi considerado o ano mais quente do país, desde 1901. De acordo com a ONG Centre for Health Development, entre 11 e 19 de junho, Délhi registrou 192 mortes relacionadas à onda de calor entre sua população em situação de rua.

Também em maio, o Quênia enfrentou uma das piores enchentes da história, a mais recente de uma série de catástrofes climáticas, após semanas de chuvas extremas. Pelo menos 257 pessoas foram mortas e mais de 55 mil famílias foram deslocadas à medida que águas turvas submergem aldeias inteiras, destroem estradas e inundam barragens.

Quanto custa?

O impacto econômico das enchentes do Rio Grande do Sul deste ano e que afetou 2.3 milhões de pessoas, foi de R$ 87 bilhões, de acordo com estudo realizado pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), Banco Mundial e Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe). Na Amazônia, calcula-se que os prejuízos públicos e privados ultrapassam R$600 milhões. Na Espanha, o governo regional de Valência reservou 250 milhões de euros (1,5 bilhão de reais), com isenções fiscais e indenizações, e o Parlamento validou uma ajuda direta de 30 milhões de euros.

Na Índia, o Relatório de Riscos Globais do Fórum Econômico Mundial, estima que as alterações climáticas têm impacto gigantesco na agricultura daquele país, colocando em risco metade da população indiana. Se as mortes relacionadas com doenças forem avaliadas com base em salários vitalícios, a perda de produção económica em 2050 e 2100 será de 2.5 mil milhões de dólares e 21 mil milhões de dólares, respectivamente.

De acordo com a Câmara de Comércio Internacional (ICC, na sigla em inglês), os eventos climáticos extremos relacionados ao clima custaram à economia global mais de US$ 2 trilhões (aproximadamente R$ 12 trilhões) na última década. O secretário geral da ONU, António Guterres, na sua mensagem de final de ano, destaca que tivemos os dez anos mais quentes registrados na história, incluindo 2024, e ele alerta. — Este é um colapso climático em tempo real. Precisamos sair desta estrada rumo à ruína, e não temos tempo a perder.

E agora, José?

E agora, José? A festa acabou,a luz apagou,o povo sumiu,a noite esfriou,e agora, José? (Carlos Drummond de Andrade)

A tempo de alerta dos cientistas, ambientalistas e indígenas, já passou. Não foram ouvidos, não foram levados a sério! Fatalistas ou realistas? As COPs (Conferências das Partes) da ONU fracassaram, as duas últimas em países petroleiros, Emirados Árabe Unidos (COP 28) e Azerbaijão (COP 29), foram um fiasco, com defesas da continuidade de produção de petróleo pelos países sedes e os países ricos se esquivando de pagar a conta pela responsabilidade de serem os maiores emissores de GEE. O 1% mais rico da população mundial (77 milhões de pessoas) é responsável por 16% das emissões globais CO₂. Esse valor equivale a mesma quantidade emitida pelos 66% ou dois terços mais pobres da humanidade (5 bilhões de pessoas). Já os 10% mais ricos do mundo são responsáveis por 50% das emissões globais de CO2.

E agora, José? Paul? Juan? Pierre? Luigi? Suzuki? Ravi? Wang?

A receita é descrita desde Eco-92 (ou Rio-92) quando foram estabelecidas convenções importantes sobre o clima (Protocolo de Kyoto), a biodiversidade e a sustentabilidade (Agenda 21). Outras propostas vieram depois, como os 17 Objetivos do Desenvolvimento (ODS) do Milênio, Agenda 2030, New Green Deal (Novo Acordo Verde), pós pandemia COVID-19, em 2020. No entanto, o mundo ainda aguarda mudanças concretas, a curto, médio e longo prazo.

Não há como manter o atual modelo econômico e salvar o Planeta. O excesso de riqueza e o consumismo estão intrinsecamente ligados ao colapso climático. Sem taxar os super-ricos mundialmente, a conta não fecha.

Historicamente, do colonialismo imperial dos Séculos 15 a 18, até o do tecnológico do Século 21, os mais ricos do mundo continuam a enriquecer, explorando as pessoas e o planeta para seu próprio ganho. A conta é alta, que vai da escravidão à exploração dos recursos naturais, tornando países colonizados em “zonas de sacrifício’ para o conforto material dos países colonizadores, leia-se mais ricos do Norte Global.

Esta desigualdade social permanente e a deterioração do clima se retroalimentam. É preciso ter justiça climática para o Sul Global para avançarmos na agenda da sobrevivência. Um relatório do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) aponta que eventos climáticos podem levar a mais de 3 bilhões de pessoas para a pobreza nos próximos anos.

Um estudo da Oxfam mostra que um imposto de 60% sobre a renda do 1% mais rico do mundo arrecadaria US$ 6,4 trilhões, que poderiam ser utilizados para o enfrentamento da crise climática, por exemplo, financiando a transição energética e a preparação para países e regiões que têm grande parte de sua população afetada. Estudos indicam que cada bilhão investido em adaptação contra inundações costeiras leva a uma redução de US$14 bilhões em danos econômicos. Enquanto isso, U$$16 bilhões por ano investidos em agricultura poderiam impedir que aproximadamente 78 milhões de pessoas passassem fome ou fome crônica devido aos impactos climáticos.

Em 2021, um estudo da Agência Internacional de Energias Renováveis (Irena), formada por 167 países, apontava que a transição energética custaria US$ 131 trilhões de dólares em investimentos até meados do século – cerca de US$ 4,4 tri por ano.

Já o relatório “Transição Net Zero”, elaborado pela consultoria americana McKinsey, em 2022, aponta que: “o custo global para realizar a transição para uma matriz energética limpa até 2050 seria de 275 trilhões de dólares, ou 9,2 trilhões de dólares anuais.”

O relatório do PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), de 2023, indica que os fundos necessários para adaptação aos efeitos da mudança climática devem atingir uma faixa central plausível de US$215 bilhões a US$387 bilhões por ano nesta década.

Os números podem ser divergir em relação aos investimentos necessários, no entanto, a certeza que podemos ter é de que será bem mais econômico do que a conta que o mundo está já pagando e continuará a pagar pela destruição de vidas, cidades, infraestrutura, produção de alimentos, etc, como os eventos climáticos extremos.

A adaptação climática – ajudar pessoas, animais e plantas a sobreviverem deve ser uma prioridade urgente e somente com o redirecionamento de políticas públicas e investimentos em eficiência energética e geração descentralizada, com ênfase nas renováveis, na redução de consumo, no planejamento verde das cidades, na mobilidade sustentável, nas construções de baixo carbono, nos sistemas de agroflorestas e produção orgânica de alimentos, nos materiais biodegradáveis e nos programas reciclagem de resíduos, é que podemos ter uma chance.

Custo para um Bio-Brasil

Um estudo realizado em parceria entre o BID, o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e o Centro de Economia Energética e Ambiental (Cenergia), da Coppe/UFRJ, mostra que para o Brasil poder zerar os GEE até 2050, é preciso antes de mais nada uma profunda mudança nas emissões decorrentes das dinâmicas do uso da terra e do desmatamento. Se até o fim desta década o país não conseguir eliminar o desmatamento ilegal, não há viabilidade técnica de descarbonização, mesmo realizando mudanças estruturais nos setores de oferta e demanda de energia.

Em um dos cenários do estudo é demonstrando que é possível conciliar a agenda climática e social gerando valor a partir da floresta em pé. No caso brasileiro, é possível conciliar objetivos alimentares, energéticos e ambientais, por meio da conversação de 60-85 milhões de hectares de pastagens degradadas em florestas nativas, florestas energéticas plantadas e agropecuária sustentável. Também destaca que o etanol e o biodiesel, biocombustíveis convencionais, responderão pela maior parcela da oferta de bionergia. Sendo que a partir de 2040, ganham destaque os biocombustíveis avançados, produzidos por meio de diversas rotas tecnológicas, tais como: o diesel verde, o bioquerosene de aviação, a gasolina verde e os biocombustíveis para uso marítimo que despontam como o principal vetor de substituição aos combustíveis fósseis.

Já o relatório “(R)Evolução Energética”, do Greenpeace, aponta que para o país chegar a 2050 com uma matriz de energia livre dos combustíveis fósseis deverá custar R$ 1,7 trilhão em investimentos ao longo dos próximos anos. Isto é apenas 6% a mais em relação ao que o Brasil precisará investir em energia, considerando as políticas atuais para o setor. Segundo a projeção da ONG, a fonte hídrica passa a representar 45% da matriz em 2050, enquanto a energia eólica cresce dos atuais 7% para 25% e a fonte solar salta de menos de 1% para 21% da matriz. Outras alternativas surgem no cenário, como a oceânica e o hidrogênio, que vão responder por 2% até 2050. Este caminho de progressivamente alcançar uma matriz 100% renovável até meados do século, pode possibilitar a geração de 618 mil empregos ligados à área de energia.

Sem esquecer que é preciso também colocar nesta conta os projetos de prevenção e mitigação climática para as cidades e o campo, pois mesmos que houver todos estes investimentos para redução de emissões, já é tarde para reverter um processo de anos de acúmulo de GEEs na atmosfera e que continuarão a provocar eventos climáticos extremos. Investimentos para a adaptação climática são urgentes, como em um massivo programa de habitação de interesse social para tirar populações de áreas de risco, em transporte público mais sustentável, em “desasfaltamento” e “desconcretamento” de áreas urbanas, tornando o solo mais permeável e aumentando áreas verdes, em construções sustentáveis e arquitetura biofílica, no tratamento adequado dos resíduos e em programas de coleta seletiva e reciclagem com inclusão dos catadores, na inovação e no empreendedorismo verde, na limpeza e tratamento dos nossos rios, no saneamento básico para todas os municípios brasileiros, na economia verde solidária e segurança alimentar com base na produção de alimento nos sistemas de agrofloresta e orgânico.

Nosso Futuro Comum ainda é uma meta a alcançar

Em 2027, o primeiro relatório da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU fará 40 anos. Iniciado em 1983 pela Secretaria Geral da Comissão e ex-Primeira Ministra da Noruega, a médica e especialista em saúde pública Gro Harlem Brundtland, o relatório Nosso Futuro Comum ou Relatório Brundtland, só ficaria pronto em 1987, após dezenas de reuniões da Comissão, composta por especialistas de diversas áreas. É importante destacar que a escolha da médica se deveu ao fato de ela realizar um trabalho pioneiro para a época, enxergando a saúde para além das barreiras do mundo médico e abrangendo em suas ações atividades ligadas ao meio ambiente e ao desenvolvimento humano.

O mantra do Relatório continua atual: “Muitos de nós vivemos além dos recursos ecológicos, por exemplo, em nossos padrões de consumo de energia. No mínimo, o desenvolvimento sustentável não deve pôr em risco os sistemas naturais que sustentam a vida na Terra: a atmosfera, as águas, os solos e os seres vivos. Na sua essência, o desenvolvimento sustentável é um processo de mudança no qual a exploração dos recursos, o direcionamento dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional estão em harmonia e reforçam o atual e futuro potencial para satisfazer as aspirações e necessidades humanas.”

O problema agora é que a Emergência Climática fez o relógio andar mais rápido e o tempo está esgotando. Não há mais tempo para blá-blá-blá, reuniões meramente protocolares e leis para “inglês ver”! Se lá em 1987, tivemos uma médica norueguesa que nos deu o tom, agora temos uma jovem ativista sueca, a Greta Thunberg, que ousou com seus 16 anos de idade contestar representantes na Cúpula das Nações Unidas sobre Ação Climática de 2019, nos Estados Unidos, exclamando “How dare you” (“como você se atreve”) e nos deixando uma grande mensagem:

Você roubou meus sonhos e minha infância com suas palavras vazias. E, no entanto, sou um dos sortudos. As pessoas estão sofrendo. As pessoas estão morrendo. Ecossistemas inteiros estão entrando em colapso. Estamos no início de uma extinção em massa, e tudo o que você pode falar é dinheiro e contos de fadas de crescimento econômico eterno. Como você se atreve!”

Tic! Tac! Tic! Tac! Tic! Tac!

greta thunberg

 

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394

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