2024 teve a temperatura mais alta do Holoceno e recorde de degelo no Ártico
Artigo de José Eustáquio Diniz Alves
O ano de 2024 foi o mais quente do Holoceno (últimos 12 mil anos) e a anomalia da temperatura ultrapassou a marca do limite mínimo no Acordo de Paris, de 1,5ºC acima do período pré-industrial (1850-1900).
O Acordo de Paris foi assinado em 2015 e estabeleceu uma série de ações para mitigar o aquecimento global. Porém, os últimos 10 anos foram os mais quentes da série histórica e existe uma tendência de aceleração das médias da temperatura planetária. Não é apenas o reconhecimento da emergência climática que preocupa, mas sua magnitude que é chocante.
O gráfico abaixo mostra a anomalia diária da temperatura global e as médias de 91 dias e de 365 dias de 2014 a 2024. Nota-se que as maiores anomalias ocorreram no segundo semestre de 2023 e no primeiro semestre de 2024, quando havia a presença do fenômeno El Niño. O segundo semestre de 2024 apresentou variações das anomalias em um nível um pouco mais baixo, mesmo assim superior a todos os semestres anteriores a 2023. As anomalias dos primeiros dias de 2025 estão batendo recordes em relação aos inícios dos meses de janeiro de 2024 e 2023.
O gráfico abaixo, do professor Eliot Jacobson com dados do Instituto Copernicus, mostra a anomalia da temperatura global entre 1940 e 2024, com referência ao período pré-industrial (1850-1900). Observa-se que houve um aumento muito significativo nos últimos 2 anos, com a anomalia atingindo 1,48ºC em 2023 e 1,6ºC em 2024 (os dados para 2024 ainda são preliminares, mas devem ficar entre 1,61º e 1,59º).
Para 2025 as previsões indicam uma anomalia menos acentuada do que nos últimos 2 anos, porém superior a todos os anos anteriores a 2023. Porém, novos recordes podem surgir, principalmente se houver reincidência do fenômeno El Niño em algum momento de 2025.
O aquecimento global tem uma ampla gama de efeitos em escala global, afetando ecossistemas, sociedades e economias. Os principais efeitos são:
-
Alterações nos Padrões Climáticos (Mudanças no ciclo das chuvas, correntes oceânicas e padrões de vento).
-
Acidificação dos Oceanos (Diminuição do pH da água, prejudicando organismos marinhos como corais, moluscos e outras espécies que dependem de carbonato de cálcio).
-
Impactos na Biodiversidade (Extinção de espécies que não conseguem se adaptar, migração de outras para novas áreas e desequilíbrios ecológicos).
-
Consequências para a Saúde Humana (Aumento de doenças respiratórias, surtos de dengue, malária e outros problemas relacionados ao clima).
-
Impactos Econômicos (Perdas agrícolas, carestia, insegurança alimentar, aumento dos custos de seguros, deslocamento de populações e pressão sobre recursos financeiros globais).
-
Crises Humanitárias e Deslocamentos (Migração climática, xenofobia, conflitos por recursos e aumento da desigualdade global).
-
Ondas letais de calor (Maior risco de incêndios florestais, estresse térmico em humanos e animais, aumento da mortalidade e diminuição da expectativa de vida).
-
Derretimento de Gelo e Elevação do Nível do Mar (Inundações em áreas costeiras, perda de habitat, e aumento da vulnerabilidade de cidades e ilhas).
Esses efeitos estão interligados e tendem a se intensificar à medida que as emissões de gases de efeito estufa continuam aumentando. Por exemplo, o Efeito Albedo diminui com a redução do gelo marinho, pois o gelo e a neve possuem altíssimo albedo, refletindo até 85% da luz solar, enquanto a água líquida tem baixíssimo albedo, absorvendo cerca de 90% da luz solar.
Quanto mais luz for absorvida, maior é o efeito do aquecimento, pois a água escura do oceano absorve mais calor. Assim, cria-se um ciclo de retroalimentação positiva, uma vez que menos gelo gera menor albedo que provoca maior absorção de calor e mais derretimento, o que coloca em risco as geleiras da Antártida e da Groenlândia.
Por conta disto há um aquecimento acelerado no Ártico já que a região tem aquecido cerca de 3 a 4 vezes mais rápido do que o resto do planeta, em um fenômeno conhecido como amplificação polar. O Ártico atua como um regulador climático global. Sua perda de gelo pode desencadear mudanças extremas no clima mundial.
O gráfico abaixo mostra que a extensão de gelo do Ártico no último trimestre de 2024 foi a menor da série histórica. No dia 31 de dezembro de 2024 o degelo ficou cerca de 300 mil km2 abaixo da média do período 1981-2010. O ano de 2025 começou com a menor formação de gelo marinho do Ártico de todo o período do Holoceno (últimos 12 mil anos).
O ciclo entre o derretimento do gelo e o efeito albedo destaca a urgência de reduzir as emissões de gases de efeito estufa para mitigar essas mudanças. Para complicar, o degelo do Ártico ocorre concomitantemente ao degelo da Groenlândia, da Antártida e dos glaciares.
O fato é que este processo tende a se acelerar nas próximas décadas à medida em que cresce a concentração de CO2 na atmosfera e o consequente aumento da temperatura global. Muitas áreas litorâneas irão ficar debaixo d’água e os danos sociais e econômicos serão incalculáveis.
As gerações atuais e, principalmente, aquelas que ainda irão nascer vão herdar um mundo mais complicado e mais inóspito, podendo haver uma mobilidade social descendente em um mundo com muitas injustiças ambientais, apartheid climático e conflitos de diversas ordens.
José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
ALVES, JED. O gelo da Antártida encolhe para mínimos históricos pelo 3º ano consecutivo, 18/03/2024
ALVES, JED. Crescimento demoeconômico no Antropoceno e negacionismo demográfico, Liinc em Revista, RJ, v. 18, n. 1, e5942, maio 2022 https://revista.ibict.br/liinc/article/view/5942/5595
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
[ Se você gostou desse artigo, deixe um comentário. Além disso, compartilhe esse post em suas redes sociais, assim você ajuda a socializar a informação socioambiental ]
A manutenção da revista eletrônica EcoDebate é possível graças ao apoio técnico e hospedagem da Porto Fácil.
[CC BY-NC-SA 3.0][ O conteúdo da EcoDebate pode ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, à EcoDebate com link e, se for o caso, à fonte primária da informação ]