Custos ambientais, sociais e de saúde dos sistemas agroalimentares
No caso do Brasil, os custos ocultos dos sistemas agroalimentares, na dimensão ambiental, são os mais elevados, chegando a quase US$ 294 bilhões.
ONU Brasil
Estudo da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) aponta que os custos ocultos dos sistemas agroalimentares atingem US$ 12 trilhões por ano, em todo o mundo.
O estudo analisa três dimensões de custos ocultos: ambientais, sociais e de saúde. Custos ocultos são aqueles que não estão refletidos nos preços de mercado.
No caso do Brasil, os custos ocultos na dimensão ambiental são os mais elevados, chegando a quase US$ 294 bilhões. Eles estão relacionados à emissão e escoamento de nitrogênio, de gases do efeito estufa e mudanças no uso da terra.
Estudo aprofundado da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), envolvendo 156 países, confirma que os custos ocultos dos sistemas agroalimentares globais chegam a aproximadamente US$ 12 trilhões anualmente. No Brasil, esses custos são estimados US$ 427 bilhões.
O relatório Estado da Alimentação e Agricultura 2024 (SOFA) baseia-se na edição de 2023 para fornecer uma análise detalhada dos custos e benefícios associados à produção, distribuição e consumo de alimentos. A análise inclui os custos e benefícios ocultos, aqueles que não estão refletidos nos preços de mercado.
Para realizar a mensuração, o estudo utiliza a “contabilidade do custo real”, que captura os impactos das atividades agroalimentares sobre os capitais natural, social e humano. O objetivo é identificar alavancas eficazes para reduzir esses custos ocultos, permitindo processos de tomada de decisão informada, que beneficiem as pessoas e o planeta.
No nível empresarial, a contabilidade de custo real (CCR) pode ser aplicada para identificar os impactos e dependências das empresas sobre os capitais e para identificar riscos. A CCR oferece a opção de monetizar os impactos, permitindo que eles sejam integrados aos balanços, estratégias de gestão e decisões empresariais.
Custos ambientais, sociais e de saúde
O SOFA divide a origem dos custos ocultos em três categorias: ambientais, sociais e de saúde.
No caso do Brasil, os custos originados na dimensão ambiental são os mais elevados, chegando a quase US$ 294 bilhões. Eles estão relacionados à emissão e escoamento de nitrogênio, de gases do efeito estufa e mudanças no uso da terra.
Já as dietas pouco saudáveis, relacionadas a doenças não transmissíveis (DNT), como doenças cardíacas, derrames e diabetes, por sua vez, escondem custos de US$ 130 bilhões no Brasil.
Os aspectos sociais, por sua vez, como subalimentação e pobreza dos trabalhadores rurais, somam quase US$ 3 bilhões (0,8%).
Diferente do que acontece no Brasil, a maioria dos custos ocultos mundiais (cerca de 70%) advém dos impactos à saúde associados a doenças não transmissíveis. A ingestão insuficiente de grãos integrais, frutas e vegetais, entre outros riscos alimentares, está aumentando os custos ocultos relacionados à saúde, principalmente nos sistemas agroalimentares mais industrializados de países de renda média-alta e alta.
Custos ocultos variam conforme o tipo de sistema agroalimentar
Historicamente, os sistemas agroalimentares transitaram de tradicionais para industriais, cada um com resultados e custos ocultos variados. Por esse motivo, o relatório explora como os custos ocultos se manifestam em diferentes tipos de sistemas agroalimentares ao redor do mundo.
Para facilitar a análise, a pesquisa introduz uma tipologia que categoriza os sistemas agroalimentares em seis grupos distintos: crise prolongada, tradicional, em expansão, diversificado, formalizando e industrial. Esse arcabouço permite uma compreensão direcionada dos desafios e oportunidades únicos em cada sistema, possibilitando o desenvolvimento de políticas e intervenções sob medida.
O Brasil está na escala “formalizando”, que seria uma categoria de transição em direção à industrial, levando em conta nível de urbanização, quantidade relativa de supermercados, quantidade de calorias provenientes de alimentos não-básicos, e valor adicionado na agricultura por trabalhador.
Para a maioria dos sistemas agroalimentares estudados nas categorias industrial e em transição, como o Brasil, a chave da transformação está na mudança dos padrões alimentares, que não apenas diminuem os custos ocultos de saúde, mas também são uma maneira muito eficaz de reduzir os custos ocultos ambientais quantificados, ao liberar terras, reduzir e sequestrar gases de efeito estufa (GEE) e diminuir as emissões de nitrogênio.
No caso dos sistemas agroalimentares brasileiros, analisados com mais profundidade no estudo, estima-se que a diminuição do consumo de carnes processadas e vermelhas e de bebidas adoçadas com açúcar podem contribuir pela maior parte da redução nos custos ocultos no país.
Exemplos brasileiros
O estudo da FAO destaca positivamente algumas políticas públicas brasileiras que consideraram os custos ocultos dos sistemas agroalimentares para o seu desenho, como o Programa Nacional de Agricultura Urbana e Periurbana (AUP) e a Estratégia de Segurança Alimentar e Nutricional para Cidades. Essas políticas foram resultado da colaboração entre o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e diversos ministérios (Meio Ambiente, Desenvolvimento Rural, Desenvolvimento Social, Trabalho e Emprego) na utilização de uma metodologia para calcular os custos econômicos dos ecossistemas e da biodiversidade.
O SOFA também sublinha a importância de considerar as especificidades de cada território ao mensurar os impactos e custos ocultos dos sistemas agroalimentares, e menciona o Código Florestal brasileiro como um bom exemplo de política com metas ajustáveis conforme as características locais. Outro exemplo brasileiro relevante apresentado é o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que tem desempenhado um papel crucial na promoção da agricultura familiar e no apoio a pessoas em situação de insegurança alimentar.
O PAA resultou em um aumento de 13,1% no valor da produção dos agricultores familiares, especialmente os de menor renda, e ajudou a estabilizar a renda rural.
Além disso, como uma importante fonte de alimentos saudáveis para crianças em situação de vulnerabilidade alimentar, o programa contribuiu para o aumento da frequência escolar, mostrando a eficácia das compras públicas na transformação dos sistemas agroalimentares.
Um chamado à ação coletiva
No geral, o relatório apela para uma transformação dos sistemas agroalimentares orientada por valores para torná-los mais sustentáveis, resilientes, inclusivos e eficientes. Isso requer ir além de medidas econômicas tradicionais como o PIB, utilizando a contabilidade de custo real para reconhecer os custos ocultos.
Com essa abordagem, os tomadores de decisão podem fazer escolhas mais informadas que aumentem o valor social dos sistemas agroalimentares, reconhecendo seus papéis essenciais na segurança alimentar, nutrição, conservação da biodiversidade e identidade cultural. Alcançar essa transformação também exige superar divisões setoriais, alinhar políticas entre saúde, agricultura e meio ambiente e garantir que os benefícios e custos sejam compartilhados equitativamente entre todas as partes interessadas.
“As escolhas que fazemos agora, as prioridades que definimos e as soluções que implementamos determinarão nosso futuro compartilhado. A verdadeira mudança começa com ações e iniciativas individuais, apoiadas por políticas adequadas e investimentos direcionados. A transformação dos sistemas agroalimentares globais é fundamental para alcançar os ODS e garantir um futuro próspero para todos.” – QU Dongyu, diretor-geral da FAO
O relatório destaca que essa transformação exige ação coletiva, envolvendo produtores primários, agronegócios, governos, instituições financeiras, organizações internacionais e consumidores. Embora o enfrentamento dos custos ocultos resulte em impactos desiguais entre as partes interessadas, países e prazos, políticas e regulamentos de apoio podem ajudar a minimizar as interrupções, especialmente para pequenos produtores e agronegócios, promovendo a adoção precoce de práticas sustentáveis e protegendo os grupos sociais vulneráveis.
As principais recomendações incluem:
- Fornecer incentivos financeiros e regulatórios para avançar na adoção de práticas sustentáveis ao longo da cadeia de suprimento de alimentos e para limitar os desequilíbrios de poder entre as partes interessadas dos sistemas agroalimentares.
- Promover dietas mais saudáveis por meio de políticas que tornem os alimentos nutritivos mais acessíveis e reduzam os custos ocultos relacionados à saúde.
- Incentivar a redução de emissões de gases de efeito estufa e nitrogênio, mudanças prejudiciais no uso da terra e perda de biodiversidade através de rotulagem e certificação, normas voluntárias e iniciativas de diligência devida no setor.
- Empoderar os consumidores com informações claras e acessíveis sobre os impactos ambientais, sociais e de saúde das escolhas alimentares, enquanto garante que até mesmo as famílias vulneráveis possam se beneficiar dessas mudanças.
- Aproveitar o significativo poder de compra dos programas de alimentação institucional para reconfigurar as cadeias de suprimento alimentar e melhorar os ambientes alimentares, combinados com educação alimentar e nutricional abrangente.
- Garantir uma transformação rural inclusiva que evite a piora dos custos ocultos ambientais, sociais e de saúde durante as transições.
- Fortalecer a governança e a sociedade civil para criar um ambiente favorável para acelerar inovações para sistemas agroalimentares sustentáveis e equitativos.
Sobre o SOFA
O relatório SOFA é uma visão geral anual abrangente de tópicos relacionados ao mandato da FAO. Ele dá ênfase especial a áreas emergentes de desenvolvimento, como sistemas agroalimentares e tecnologias digitais na agricultura.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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muito bom, só faltou recomendar a reforma agrária, que é como se alcançará a sustentabilidade no campo.