A população diminuindo e a renda per capita crescendo na Croácia
Artigo de José Eustáquio Diniz Alves
A Croácia é um país europeu situado nos Balcãs, fazendo limite ao norte com a Eslovênia e Hungria, a nordeste com a Sérvia, a leste com a Bósnia e Herzegovina e ao sul com Montenegro. É banhado a oeste pelo mar Adriático e possui uma fronteira marítima com a Itália, no golfo de Trieste. Após a Segunda Guerra a Croácia fez parte da República Socialista Federativa da Iugoslávia.
Em 1991, a Croácia conquistou a independência. O país é membro das Nações Unidas, da OTAN, da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa, do Conselho da Europa e, a partir de 2013, da União Europeia. Na década de 1990, a Croácia tinha uma renda per capita semelhante à renda per capita brasileira, sendo classificada como uma nação de renda média.
A Croácia tinha uma população de 4,73 milhões de habitantes em 1992 e uma renda per capita – em preços constantes em poder de paridade de compra (ppp) – de US$ 14 mil. Na década de 1990 a população decresceu para 4,38 milhões de habitantes no ano 2000, enquanto a renda per capita subiu para US$ 18,7 mil. Nos anos 2000, a população continuou decrescendo e chegou a 3,84 milhões em 2024, com uma renda per capita de US$ 36,5 mil. Para o ano 2029, o FMI estima uma população de 3,8 milhões de habitantes e uma renda per capita de US$ 42 mil.
Portanto, a população croata tem decrescido nas últimas 4 décadas, mas isto não impediu o aumento da renda per capita e a melhoria do bem-estar social. A Croácia tinha um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,764 em 2000 e passou para 0,878 em 2022, ocupando o 39º lugar no ranking global (o Brasil ocupava o 89º lugar em 2022). Portanto, o decrescimento da população não impediu o avanço do IDH, mesmo em um quadro de envelhecimento populacional.
Nas Olimpíadas de Paris, de 2024, a Croácia com somente 3,84 milhões de habitantes conquistou 2 medalhas de ouro e ficou no 30º lugar no quadro de medalhas, enquanto a Índia com 1,45 bilhão de habitantes não conseguiu nenhuma medalha de ouro e ficou em 70º lugar. Portanto, até mesmo no esporte o “tamanho não é documento”.
No pensamento convencional, o envelhecimento populacional conjugado com o decrescimento demográfico é interpretado como “armadilha gerontológica” ou “inverno demográfico” e seria o fim da linha para o desenvolvimento humano de qualquer nação.
Contudo, o exemplo da Croácia mostra que pode haver decrescimento da população com prosperidade social e ecológica.
A diminuição da população em idade ativa, de fato, significa o fim do 1º bônus demográfico. Mas os países podem contar com o 2º bônus demográfico – bônus da produtividade – e o 3º bônus demográfico – bônus da longevidade e da geração prateada.
Esta visão sobre o decrescimento populacional como oportunidade de progresso social e ambiental é apontada pelo renomado demógrafo Wolfgang Lutz, que traça um quadro bastante otimista do futuro da civilização humana se for dada prioridade à educação universal e, em particular, à educação feminina:
“Mais investimentos em educação compensa em termos de maior bem-estar, e ainda mais quando combinado com níveis de fecundidade que levam ao declínio populacional a longo prazo em países individuais e, em última análise, em todo o mundo. Portanto, esta conclusão apoia o título do artigo, que afirma que o declínio da população global não é apenas provável, mas também beneficiará o bem-estar humano a longo prazo” (Lutz, 2023, p. 13).
Como observou Jennifer Sciubba (2023): “Desde a década de 1960, a população mundial mais do que duplicou, mas a taxa de crescimento vem diminuindo o tempo todo. Estamos testemunhando a mudança mais fundamental que ocorreu na história humana moderna. A mudança generalizada e permanente para uma baixa taxa de fecundidade, acompanhada do envelhecimento populacional (…) Vamos fazer dessa mudança um planeta resiliente e reimaginar um mundo mais prateado e com menor número de pessoas, como um mundo mais bonito”.
Segundo o artigo “Population and climate change” (LOWE et al, 2022, p. 39): “Se levamos a sério o nosso objectivo declarado de viver de forma sustentável, estabilizar a população futura é um requisito essencial. Isto é verdade no que diz respeito às alterações climáticas e se aplica a outras questões ambientais, como a perda de biodiversidade e a conservação de habitats, bem como garantir suficiência futura de alimentos, água e fornecimento de energia. A população deve ser integrada na política pública para todas essas questões. Atingir um pico populacional global na data mais próxima e no nível mais baixo alcançável aumentará enormemente a viabilidade de limitar o aquecimento global a menos de 2°C, e simultaneamente reduzir a vulnerabilidade das futuras pessoas aos impactos das alterações climáticas”.
Artigo de Lainos et al (2023), utilizando o método de estimativa do grupo médio agrupado (PMG), constataram: “que o declínio da população pode andar de mãos dadas com o crescimento do PIB e o aumento do PIB per capita e, ao mesmo tempo, a taxa de participação no trabalho pode aumentar e o desemprego pode diminuir.
Como disse Nathanial Gronewold (2024): “Nada cresce para sempre – por favor, repita estas três palavras em voz alta na próxima vez que você estiver em um pub ou esperando na fila para algo ou de outra forma em público e acontecer de ouvir alguém preocupado com as últimas notícias sobre a queda das taxas de fecundidade. Seja educado sobre isso, claro, mas por favor repita este fato básico da física em voz alta e com orgulho e sem hesitação, martelando o ponto fica claro para todos ao alcance da voz” (p. 5).
Em geral, o declínio da fecundidade provoca medo entre políticos, religiosos e investidores. Eles se preocupam com sistemas de pensões, saúde e crescimento econômico. Até o Papa Francisco se pronunciou dizendo que ter animais de estimação em vez de filhos era uma atitude egoísta. No entanto, não se deve desesperar com a baixa fecundidade. Suas consequências são menos cataclísmicas do que frequentemente se supõe, como mostrou o demógrafo Vegard Skirbekk, no livro “Decline and Prosper! Changing Global Birth Rates and the Advantages of Fewer Children” (2022).
Skirbekk considera que a fecundidade muito baixa pode causar tensões fiscais e afetar negativamente o crescimento econômico. Contudo, uma taxa de fecundidade total (TFT) entre 1,5 e 2 filhos por mulher favorece a autonomia reprodutiva, a igualdade de gênero e o avanço da educação e do mercado de trabalho. Baixa fecundidade favorece os investimentos na qualidade de vida das crianças e ajuda a minimizar o impacto humano no planeta. Além disso, segundo o autor, é hora de aceitar que a baixa fecundidade veio para ficar. As políticas públicas é que precisam se adaptar a essa nova realidade.
De acordo com O’Sullivan (2020) o envelhecimento populacional não deve ser visto como um entrave: “Uma sociedade madura não é apenas uma sociedade para os idosos. Num mundo pós-transição com uma população estacionária ou em declínio, as crianças podem receber melhor apoio para desenvolverem o seu potencial. Os jovens adultos têm maior probabilidade de aceder a empregos seguros nos quais a sua contribuição é valorizada e a sua o capital humano é nutrido. Poderia ser oferecida aos trabalhadores mais velhos maior flexibilidade para permanecerem no força de trabalho na medida que eles escolherem. As famílias têm maior probabilidade de conseguir habitação acessível e se beneficiar da herança. Menos desigualdade de rendimentos e mais voluntariado por parte do nosso exército de reformados capazes contribuirão para a coesão social” (p. 37).
Portanto, o envelhecimento populacional é inexorável, mas isto não implica necessariamente em retrocesso nos indicadores sociais. O mundo será um lugar melhor para se habitar se o decrescimento populacional dos países for acompanhado do aumento da renda per capita e da redução da pegada ecológica e do déficit ambiental. Um mundo com menor quantidade de pessoas, pode ser um mundo com maior qualidade de vida humana e ecológica.
O avanço tecnológico pode compensar a diminuição do número de trabalhadores. Por exemplo, a Inteligência Artificial (IA) – a despeito de seus efeitos potencialmente perigosos – pode contribuir para mitigar as tendências de declínio da população em idade produtiva, mesmo não substituindo completamente o trabalho humano. A IA pode ajudar a aumentar a produtividade, transformar setores e criar novas oportunidades, compensando, em parte, a escassez de mão de obra, podendo contribuir da seguinte forma:
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Aumento da produtividade
A IA pode automatizar tarefas repetitivas e rotineiras, liberando os trabalhadores humanos para focarem em tarefas mais complexas e de maior valor agregado. Isso é especialmente importante em setores como a manufatura, serviços financeiros, saúde e logística, onde a automação já está permitindo operações mais eficientes.
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Compensação em setores críticos
Nos cuidados de saúde e na assistência aos idosos, onde a demanda aumentará devido ao envelhecimento populacional, a IA pode desempenhar um papel crucial. Sistemas baseados em IA podem ajudar no diagnóstico precoce de doenças, monitoramento de pacientes e administração de medicamentos, reduzindo a carga sobre médicos, enfermeiros e cuidadores.
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Economia baseada em habilidades tecnológicas
Com a adoção de IA, muitos setores estão se transformando, exigindo novas habilidades. Isso pode compensar o decrescimento da força de trabalho em setores mais tradicionais, desde que as economias estejam preparadas para transições tecnológicas. A educação e a requalificação serão cruciais para permitir que as pessoas se adaptem a essas mudanças.
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Autonomia em infraestrutura e transportes
Sistemas autônomos, como veículos sem motorista e drones, podem reduzir a necessidade de trabalhadores em setores como transporte e logística. Essas inovações também podem ser aplicadas em infraestruturas inteligentes para melhorar a eficiência de cidades e indústrias, com menos necessidade de mão de obra direta.
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Melhoria da eficiência econômica
A IA pode ajudar a otimizar processos econômicos em várias escalas. Com a capacidade de analisar grandes volumes de dados e prever padrões, a IA pode identificar áreas de melhoria nas cadeias de suprimento, na alocação de recursos e no consumo de energia, aumentando a produtividade geral da economia.
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Automação de trabalhos intelectuais
Além dos trabalhos manuais, a IA também pode assumir tarefas que tradicionalmente requerem habilidades cognitivas, como análises financeiras, geração de conteúdo e tomada de decisões estratégicas, o que pode compensar a falta de profissionais em certos campos especializados.
Evidentemente, o progresso tecnológico não é inevitavelmente positivo, uma vez que ele precisa ser orientado por escolhas conscientes que busquem beneficiar o coletivo e não apenas o poder econômico. Para garantir que os avanços tecnológicos beneficiem a maioria e não apenas uma elite é importante garantir o funcionamento de instituições fortes e inclusivas, possibilitando um futuro mais próspero e equitativo para todas as pessoas.
As transições demográfica, energética e tecnológica podem reconfigurar a dinâmica social e econômica no século XXI. O caso da Croácia deve servir de inspiração para os demais países, especialmente para aqueles países que apresentam grande crescimento populacional e baixo crescimento econômico, visando a redução da pobreza e o aumento da qualidade de vida humana e ambiental.
Referências:
ALVES, JED. Envelhecimento populacional e projeções futuras, Long Talks, 12/07/2024
https://www.youtube.com/watch?v=BVSofesgjE0
ALVES, JED. O que está por trás do encolhimento das famílias brasileiras? Sputnik Brasil, podcast Jabuticaba Sem Caroço, 21/06/2024
LUTZ, Wolfgang. “Population decline will likely become a global trend and benefit long-term human
wellbeing.” Vienna Yearbook of Population Research 2023, pp. 1-15.
https://pure.iiasa.ac.at/id/eprint/18893/1/Lutz.pdf
SCIUBBA, Jennifer D. The truth about human population decline, TED, 2023 https://www.ted.com/talks/jennifer_d_sciubba_the_truth_about_human_population_decline/transcript?subtitle=en
LIANOS, T.P., Pseiridis, A. & Tsounis, N. Declining population and GDP growth. Humanit Soc Sci Commun 10, 725 (2023). https://doi.org/10.1057/s41599-023-02223-7
LOWE, I., Cook, P., and O’Sullivan, J. (2022). Population and climate change (Sustainable Population Australia Discussion Paper). Sustainable Population Australia.
https://population.org.au/wp-content/files/Population-Climate-Web-Version-110222.pdf
Nathanial Gronewold. In Praise of Population Decline, NPG Forum Paper, June 2024
https://npg.org/wp-content/uploads/2024/06/2024-InPraiseofPopulationDecline-FP.pdf
SKIRBEKK, Vegard. Decline and Prosper! Changing Global Birth Rates and the Advantages of Fewer Children, Palgrave Macmillan, 2022
O’SULLIVAN, J.N. Silver tsunami or silver lining? Why we should not fear an ageing population. Discussion paper, Sustainable Population Australia. 2020.
https://population.org.au/discussion-papers/ageing/
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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