A importância da Ciência Cidadã no enfrentamento das mudanças climáticas
Reinaldo Dias
Articulista do EcoDebate, é Doutor em Ciências Sociais -Unicamp
Pesquisador associado do CPDI do IBRACHINA/IBRAWORK
Parque Tecnológico da Unicamp – Campinas – Brasil
http://lattes.cnpq.br/5937396816014363
As mudanças climáticas representam um dos maiores desafios globais deste século, com impactos severos já evidentes em ecossistemas, economias e comunidades humanas. A intensificação de eventos climáticos extremos, o aumento do nível dos oceanos e a perda de biodiversidade são apenas algumas das consequências alarmantes desse fenômeno.
A necessidade urgente de respostas eficazes e coordenadas coloca a ciência no centro das soluções, mas os esforços científicos tradicionais, por si só, são insuficientes para lidar com a complexidade e a escala dessas mudanças. Nesse contexto, a Ciência Cidadã emerge como uma ferramenta fundamental.
Ao envolver cidadãos comuns no processo científico, essa prática amplia a capacidade de coleta de dados, monitoramento ambiental e desenvolvimento de políticas, conectando a sociedade diretamente à luta contra as mudanças climáticas.
O papel da Ciência Cidadã não se limita à geração de conhecimento; ela também promove conscientização pública e engajamento social, elementos essenciais para enfrentar a crise climática de forma colaborativa e inclusiva.
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Definição e conceitos fundamentais da Ciência Cidadã
A Ciência Cidadã, embora tenha se popularizado recentemente, tem raízes que remontam a séculos. Vohland et al. (2021) descrevem-na como a participação ativa do público em projetos científicos. Ainda que o termo tenha sido cunhado na década de 1990, o conceito de envolvimento do cidadão em pesquisa científica já existia muito antes. Como observa Haklay et al. (2021), as definições de Ciência Cidadã podem ser amplas e variadas, dependendo do contexto, o que reflete a diversidade das suas aplicações, desde iniciativas comunitárias até campanhas ambientais globais. Hadjichambis (2023) enfatiza que a Ciência Cidadã promove uma troca benéfica entre cientistas e participantes amadores, com resultados significativos em campos como ecologia e ciências ambientais, onde o monitoramento contínuo de ecossistemas é essencial.
As Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) facilitaram significativamente a participação cidadã em projetos científicos. Exemplos como o CoastSnap, que envolve cidadãos no monitoramento de mudanças costeiras por meio de fotografias, demonstram como a Ciência Cidadã pode integrar o público em atividades de monitoramento de longo prazo. Hadjichambis (2023) sugere que, além de promover o engajamento, a Ciência Cidadã pode transformar cidadãos em agentes ativos, capacitados para enfrentar desafios socioambientais, numa abordagem participativa que pode ser chamada de “democracia científica”.
A Ciência Cidadã está intrinsecamente ligada ao movimento de ciência aberta, que busca tornar a ciência mais eficiente, transparente e interdisciplinar. Silva e Hanai (2024) apontam que a Ciência Cidadã é parte integrante da ciência aberta, tendo como objetivo principal ampliar seu impacto social e promover inovação. A participação pública ativa na produção e uso do conhecimento científico é essencial para promover a cidadania ativa e a deliberação política. Os esforços globais para abrir a ciência, como a Recomendação de Ciência Aberta da UNESCO (UNESCO,2021), tem resultado num maior crescimento da pesquisa científica, especialmente nas ciências ambientais e ecológicas, com a coleta de dados sobre a biodiversidade e a ocorrência de espécies sendo uma das formas mais comuns de participação.
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Educação e inclusão de jovens na Ciência Cidadã para o enfrentamento das mudanças climáticas
A Ciência Cidadã desempenha um papel fundamental na educação e no engajamento dos jovens para a conscientização e ação em torno das mudanças climáticas. De acordo com Neves, Boaventura e Galvão (2024), ao participar de projetos de Ciência Cidadã, estudantes e cidadãos têm a chance de contribuir diretamente para pesquisas científicas, desenvolvendo habilidades importantes, como observação e coleta de dados. Esse aprendizado prático, associado ao conhecimento sobre fenômenos climáticos, promove uma compreensão mais profunda e reforça a conscientização ambiental.
No contexto escolar, Tserej et al. (2024) ressaltam que a Ciência Cidadã pode melhorar a alfabetização climática e capacitar professores, muitos dos quais ainda carecem de treinamento adequado. Ao envolver-se em atividades científicas ativas, professores e alunos aprofundam seus conhecimentos, permitindo uma abordagem mais eficaz e confiante sobre mudanças climáticas na sala de aula. Projetos extracurriculares também desempenham um papel importante, com iniciativas em áreas como ciência, tecnologia, engenharia e matemática oferecendo oportunidades para que os jovens apliquem teorias na prática, promovendo o pensamento crítico e preparando futuros líderes para a sustentabilidade (Batchelder et al., 2023).
Além de seu impacto educacional, a Ciência Cidadã fortalece a participação social e a inclusão dos jovens, promovendo a responsabilidade ambiental e capacitando-os a influenciar políticas públicas. Aczel e Makuch (2023) destacam que o engajamento dos jovens em projetos de coleta e análise de dados contribui para a formulação de políticas ambientais inclusivas, aumentando o poder de decisão de comunidades marginalizadas e incentivando a democracia participativa. Contudo, para garantir acessibilidade, é fundamental que esses projetos considerem as diversas necessidades dos jovens, incluindo acesso à tecnologia e diretrizes éticas de inclusão.
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Contribuições para a pesquisa científica e monitoramento ambiental
A Ciência Cidadã oferece uma solução promissora para a coleta de dados em larga escala, um aspecto fundamental para o desenvolvimento de estratégias eficazes de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Esses projetos não apenas aumentam o volume de dados disponíveis para a pesquisa científica, mas também desempenham um papel importante na conservação de ecossistemas. Monteiro et al. (2021) destacam que, diante da contínua perda de biodiversidade, é crucial investir em ferramentas que promovam a conscientização pública sobre a necessidade de proteger os ecossistemas. Nesse sentido, a Ciência Cidadã é uma importante aliada da conservação, pois, além do apoio à produção de conhecimento científico, tem o potencial de ampliar a rede de pessoas comprometidas com a sustentabilidade ambiental.
Os dados gerados pela Ciência Cidadã também têm sido fundamentais para o desenvolvimento de estratégias de conservação da biodiversidade. Iniciativas como o iNaturalist e o Atlas of Living Australia permitem que cidadãos registrem suas observações de espécies, contribuindo para a criação de um “big data” de biodiversidade. Esses dados são validados por especialistas e utilizados em estudos científicos que buscam entender as mudanças nas populações de espécies e seus habitats, oferecendo informações valiosas para a formulação de políticas de conservação (Roger, Slatyer & Dax Kellie, 2023).
Projetos como o CoastSnap demonstram a aplicação prática da Ciência Cidadã no monitoramento ambiental. Elrick-Barr et al. (2023) relatam uma abordagem para coletar dados de longo prazo por meio da adaptação de um programa de monitoramento de Ciência Cidadã existente. O CoastSnap é uma iniciativa global que permite aos usuários da praia contribuírem para o monitoramento costeiro tirando e enviando fotos. Com o tempo, o programa registra os ciclos de erosão e recuperação da praia, ajudando pesquisadores a entender por que algumas praias são mais dinâmicas ou resilientes do que outras.
No Brasil, o WikiAves (https://www.wikiaves.com.br/), um site interativo que apoia a ciência cidadã, permite que observadores de aves registrem fotos e sons, identifiquem espécies e se comuniquem entre si. Como a maior base de dados de aves do país, de acordo com Tubelis e Mendonça (2023), o WikiAves tem sido amplamente utilizado em pesquisas científicas sobre distribuição geográfica, migrações e habitats de aves, contribuindo para o avanço do conhecimento sobre a diversidade das aves brasileiras.
Um outro exemplo brasileiro, o programa Observando os Rios, da Fundação SOS Mata Atlântica, demonstra como o monitoramento colaborativo pode fomentar a conscientização e a ação ambiental, ao mesmo tempo que fornece dados valiosos para políticas de conservação (SiBBr, 2024).
Além disso, a Ciência Cidadã tem se mostrado eficaz na compreensão das interações entre humanos e o ambiente, além de contribuir para a gestão de ecossistemas. Pereira et al. (2023) destacam que, em comunidades costeiras tradicionais no Sudeste do Brasil, nos municípios de Ubatuba e Paraty, cientistas e pescadores e quilombolas trabalham juntos para identificar impactos climáticos, desenvolver estratégias de adaptação e implementar soluções. O estudo revelou que as percepções locais sobre os impactos climáticos estão alinhadas com as descobertas científicas, sugerindo que estratégias participativas e inclusivas, que combinam conhecimentos locais e científicos, são eficazes.
Em artigo publicado recentemente na revista internacional PeerJ, pesquisadores brasileiros evidenciam as possibilidades de colaboração entre cientistas e a população. Nesse estudo destacam o papel da Ciência Cidadã na pesquisa e conservação do sapinho-de-chifre-paviotti (Proceratophrys paviotii), um anfíbio ameaçado. Dada a vulnerabilidade dos anfíbios – com 41% das espécies em risco de extinção –, abordagens como a Ciência Cidadã têm se mostrado valiosas para entender a distribuição de espécies raras. Os autores do estudo, criaram O projeto Cantoria de Quintal, em 2020 em Santa Teresa, com o objetivo de incentivar a população a registrar vocalizações de anuros em seus arredores. Durante três anos, 10 participantes contribuíram com 42 arquivos de áudio, fornecendo dados cruciais sobre novas populações da espécie. ( Lacerda et al, 2024)
A Ciência Cidadã se mostrou uma ferramenta poderosa na obtenção de dados sobre essa espécie pouco conhecida, o sapinho-de-chifre-paviotti, uma espécie anteriormente considerada rara e ameaçada. Estudos recentes destacam que esses projetos de envolvimento de cidadãos em ciência não apenas aumentam o conhecimento sobre distribuição e taxonomia, mas também envolvem o público na conservação, essencial para grupos com repertórios vocais complexos e distintos em cada contexto social. No projeto Cantoria de Quintal, moradores de Santa Teresa coletaram, registros auditivos de anuros. Essa metodologia ampliou significativamente as informações sobre a distribuição do sapinho-de-chifre-paviotti em regiões fora de áreas protegidas, essenciais para avaliar ameaças urbanas e de desmatamento. A identificação de novas populações da espécie reforçou a eficácia da Ciência Cidadã, sobretudo em contextos onde dados tradicionais são insuficientes (Christine, 2024).
A recente abordagem dos pesquisadores destaca o potencial da Ciência Cidadã para ampliar o conhecimento científico, envolvendo o público na coleta e análise de dados. Iniciativas como o projeto Cantoria de Quintal mostram que o engajamento comunitário contribui diretamente para a conservação de espécies raras, preenchendo lacunas em dados científicos e fortalecendo avaliações de conservação. Esse modelo de participação pública é estratégico, pois amplia o alcance dos estudos e eleva a conscientização ambiental na sociedade, reforçando a importância de sua continuidade.
Essas abordagens promovem a construção de redes de confiança entre cientistas e comunidades, fortalecendo a participação em todas as fases da pesquisa. Além disso, permite que as comunidades tenham acesso à pesquisa como um direito fundamental, capacitando-as a monitorar e coletar dados sobre mudanças climáticas e adaptação.
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Desafios e oportunidades na Ciência Cidadã
Embora a Ciência Cidadã tenha demonstrado um grande potencial para enfrentar os desafios das mudanças climáticas, também enfrenta obstáculos. A qualidade dos dados coletados pode variar, dependendo do nível de treinamento e da experiência dos cientistas cidadãos (Aczel & Makuch, 2023). Além disso, a concentração de observações em áreas urbanas, onde vive a maioria dos cidadãos, pode criar vieses nos dados, limitando sua aplicabilidade em áreas remotas ou menos povoadas (Roger, Slatyer & Dax Kellie, 2023).
Apesar dos avanços e do potencial evidente, a Ciência Cidadã enfrenta desafios significativos. Vohland et al. (2021) apontam que, no processo de reflexão sobre a Ciência Cidadã e suas práticas, muitas questões surgem, especialmente sobre como medir seu impacto e efetividade. Além disso, Hadjichambis (2023) ressalta que ainda falta ênfase nas perspectivas dos cientistas amadores, o que pode limitar a compreensão completa dos benefícios e desafios dessa abordagem.
Para superar esses desafios, é necessário investir em treinamento e infraestrutura que garantam a qualidade e a padronização dos dados. A criação de infraestruturas de pesquisa, como o Global Biodiversity Information Facility (GBIF), tem sido essencial para agregar e processar grandes volumes de dados da Ciência Cidadã (Roger et al., 2023). O GBIF é uma rede internacional financiada por governos que oferece acesso aberto a dados sobre todas as formas de vida na Terra. Essas plataformas permitem que pequenos projetos de Ciência Cidadã tenham um impacto científico significativo, ao integrar dados observacionais em análises mais amplas e abrangentes.
Outro desafio importante é garantir que os projetos de Ciência Cidadã sejam inclusivos e acessíveis a todos. A falta de acesso à tecnologia em algumas regiões, bem como a necessidade de garantir o consentimento ético e a proteção dos dados pessoais, são questões que precisam ser abordadas para que a Ciência Cidadã alcance todo o seu potencial (Aczel & Makuch, 2023).
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Ciência Cidadã e políticas públicas
A Ciência Cidadã também tem um impacto significativo na formulação de políticas públicas voltadas à mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Aczel & Makuch (2023) destacam que a participação ativa de cidadãos na coleta de dados ambientais oferece uma base sólida para o desenvolvimento de políticas informadas por evidências. No Brasil, iniciativas como a colaboração entre cientistas e comunidades tradicionais, documentada por Pereira et al. (2023), demonstram o potencial da Ciência Cidadã para integrar conhecimentos locais às decisões políticas sobre o enfrentamento das mudanças climáticas.
A Prefeitura de Quatis, no estado do Rio de Janeiro, lançou o Projeto Ciência Cidadã, estabelecido pelo Decreto nº 3.019/2021 (PMQ, 2022). Essa iniciativa visa promover a interação entre sociedade e meio ambiente através da pesquisa científica, incentivando o desenvolvimento de estudos científicos nas Unidades de Conservação Municipais. O projeto tem como objetivos fomentar a pesquisa científica, gerar informações e conhecimentos sobre a biodiversidade nas Unidades de Conservação do município, proporcionar visibilidade do conhecimento científico para a população e praticar a educação ambiental a partir da construção do conhecimento coletivo, aproximando a população do conhecimento acadêmico (PMQ, 2022).
Além de facilitar o diálogo entre cidadãos e cientistas, a Ciência Cidadã também contribui diretamente para o desenvolvimento de estratégias globais de sustentabilidade. Geldard (2024) ressalta que os dados gerados por cientistas cidadãos são fundamentais para atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, especialmente o ODS 13, que trata da ação climática. Ao disponibilizar dados em grande escala para uso em pesquisas científicas e políticas públicas, a Ciência Cidadã se consolida como uma ferramenta indispensável para o enfrentamento das mudanças climáticas.
- Conclusão
A Ciência Cidadã desempenha um importante papel na abordagem das mudanças climáticas, ao envolver diretamente a população na coleta de dados, na educação ambiental e na formulação de políticas. Ela fortalece a capacidade científica e a inclusão social, além de melhorar a tomada de decisões locais e globais. Ao promover a participação ativa dos cidadãos, especialmente dos jovens, a Ciência Cidadã não apenas contribui para a mitigação das mudanças climáticas, mas também para a construção de uma sociedade mais informada e engajada.
É imperativo que governos, instituições de pesquisa e organizações não governamentais continuem a apoiar e expandir as iniciativas de Ciência Cidadã. Somente através de esforços colaborativos e integrados poderemos enfrentar eficazmente os desafios climáticos que se apresentam. A Ciência Cidadã oferece uma ponte entre a ciência e a sociedade, permitindo que cidadãos comuns contribuam para a produção de conhecimento científico, influenciem políticas públicas e participem ativamente na construção de um futuro sustentável.
Referências
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in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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