A importância da avaliação e mensuração da sustentabilidade
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Lucas Ferreira Lima1
A partir da necessidade de implementação de políticas de desenvolvimento econômico para a América Latina e Caribe (Lima et al., 2024), é preciso pensar em um modelo de desenvolvimento que seja ambientalmente prudente, economicamente viável e socialmente justo.
Porém surge uma importante questão: como mensurá-lo? Neste breve artigo foi discutido o conceito de sustentabilidade e levantadas questões sobre como mensurá-la.
Por fim, foi apresentado o Índice Multicritério de Sustentabilidade (IMS) como uma proposta de mensuração da sustentabilidade na Amazônia brasileira, especificamente em uma emblemática área de conservação, a Reserva Extrativista Chico Mendes, no Acre.
2. O debate crescimento vs. desenvolvimento
A partir do final da II Guerra Mundial foi criada a Organização das Nações Unidas (ONU), uma organização intergovernamental responsável por promover a cooperação internacional. Entre suas ações, havia a tentativa de estimular o progresso econômico para os estados-membros, com o intuito de superação das mazelas sociais (fome, miséria, desemprego, epidemias, entre outras). Neste período, entendia-se que o modelo de desenvolvimento econômico deveria ser pautado no crescimento econômico, concebido como elevação da renda per capita e mensurado através do PIB (Produto Interno Bruto) ou PNB (Produto Nacional Bruto).
Entretanto, houve um forte movimento opositor durante as décadas de 1960 e 1970. Um dos exemplos foi o crescente debate promovido pelo movimento ambientalista a partir da obra “Primavera Silenciosa” de Rachel Carson e da publicação do relatório “Limites ao Crescimento” financiado pelo Clube de Roma. Essas obras denunciavam os impactos ambientais crescentes devido à ampliação da atividade econômica global.
Houve então uma tentativa para encontrar uma terceira via entre os que defendiam o crescimento econômico a qualquer custo (“desenvolvimentistas”) e os defensores do crescimento zero (“zeristas”). Para estes últimos, os limites ambientais levariam a catástrofes globais se o crescimento econômico não cessasse (Romeiro, 2012). Essa terceira via foi denominada “ecodesenvolvimento” e foi discutida durante a 1ª Conferência da ONU sobre o clima, em Estocolmo, na Suécia, em 1972.
A partir daí, o conceito de ecodesenvolvimento foi ganhando camadas e se estruturou definitivamente através do conceito de desenvolvimento sustentável. Segundo o Relatório Brundtland (1991), o desenvolvimento sustentável deve atender às necessidades da geração presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem às suas necessidades. Esse conceito, embora relevante, deixa uma grande lacuna: como mensurá-lo?
3. Propostas de mensuração da sustentabilidade
3.1 Indicadores de desenvolvimento multinível
Na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 (ECO-92) foi apresentada a Agenda 21, que tinha por objetivo “ preparar o mundo para os desafios do próximo século” (UNCED, 1992, p. 3). O capítulo 40 deste documento apresenta uma recomendação para a mensuração da sustentabilidade baseada em uma avaliação multinível.
Segundo o documento, “é preciso desenvolver indicadores do desenvolvimento sustentável que sirvam de base sólida para a tomada de decisões em todos os níveis e que contribuam para uma sustentabilidade auto-regulada dos sistemas integrados de meio ambiente e desenvolvimento” (UNCED, 1992, p. 346).
3.2 Avaliação multidimensional
A partir de uma comparação entre os pressupostos da Economia Ambiental (neoclássica) e da Economia Ecológica, Andrade (2008) recomenda abdicar de avaliações custo-benefício propostas pela primeira em prol de uma avaliação multidimensional econômico-ecológica. As primeiras são pautadas na tentativa de valoração apenas da dimensão econômica da sustentabilidade, enquanto a segunda defende a multidimensionalidade da sustentabilidade, em termos ambientais, sociais e culturais.
Segundo Andrade (2008, p. 26), é importante criar “modelos que visem incluir a dinâmica entre as respostas do meio ambiente à intervenção humana, à produção econômica e os seus impactos no bem-estar social”.
3.3 Avaliação Multicritério e o Índice Multicritério de Sustentabilidade (IMS)
De acordo com Romeiro e Maia (2011, p. 11), “a existência de múltiplas dimensões de valor dos recursos naturais implica a necessidade de se utilizar análises multicritérios no processo de valoração. No entanto, essas múltiplas dimensões do valor dos recursos naturais, associadas à complexidade ecossistêmica, resultam em um número elevado de variáveis e parâmetros ecológicos, econômicos e sociais, que não podem ser manejados sem uma ferramenta que os integre em um modelo”.
Baseado na Análise de Decisão Multicritério (MCDA), Lima et al. (2023) propuseram o Índice Multicritério de Sustentabilidade (IMS) e o aplicaram para avaliação da sustentabilidade do modo de vida em uma importante área de conservação ambiental na Amazônia brasileira, a Reserva Extrativista Chico Mendes, no Acre.
O IMS é formado por 5 dimensões (Governança, Social, Ambiental, Econômica e Agronômica) e 31 indicadores estruturados e ponderados a partir de conferências participativas de decisão junto aos moradores da Resex Chico Mendes. Os níveis de sustentabilidade estão apresentados na Tabela 1.
Graus de Escala |
Descrição |
Insustentável |
valores compreendidos entre 0,0 e menor que 0,20 |
Pouco sustentável |
valores compreendidos entre 0,21 e menor que 0,40 |
Moderadamente sustentável |
valores compreendidos entre 0,41 e menor que 0,60 |
Sustentável |
valores compreendidos entre 0,61 e menor que 0,80 |
Nível excelente de sustentabilidade |
valores compreendidos entre 0,81 e 1,00 |
Tabela 1. Grau de escala de valores (em ordem crescente).
Fonte: Lima et al., 2023.
Os resultados apresentaram o nível “Sustentável” para as dimensões Econômica (IAE), Social (IAS) e Ambiental (IAA), e um nível “Excelente de Sustentabilidade” para as dimensões de Governança (IAG) e Agronômica (IAAG). O IMS totalizou 0,73, representando o nível sustentável da Resex Chico Mendes. Os resultados foram apresentados na Tabela 2 e Figura 1.
Índices de Desempenho |
Valor |
Pesos |
IMS RESEX Chico Mendes |
IAG |
8,8 |
0,22 |
0,73 |
IAA |
6,9 |
0,21 |
|
IAS |
6,3 |
0,20 |
|
IAE |
6,4 |
0,19 |
|
IAAG |
8,1 |
0,18 |
Tabela 2. Desempenho dos índices dos critérios de sustentabilidade e o Índice Multicritério de Sustentabilidade (IMS) da RESEX Chico Mendes, Acre, 2023.
Fonte: Lima et al., 2023.
Notas:
IAG – Índice Agregado de Governança;
IAA – Índice Agregado Ambiental;
IAS – Índice Agregado Social;
IAE – Índice Agregado Econômico;
IAAG – Índice Agregado Agronômico;
IMS – Índice Multicritério de Sustentabilidade.
Figura 1. Índice Multicritério de Sustentabilidade (IMS) em 2023.
Fonte: Lima et al., 2023.
A partir da Figura 1 é possível visualizar os valores em uma escala moderada (cor vermelha) e os valores da Resex Chico Mendes (cor azul). Vê-se que quanto mais distantes os valores estiverem do losango vermelho, melhor é o nível de sustentabilidade dos indicadores. Então, é possível concluir que os indicadores com melhor performance na Resex Chico Mendes são o de Governança e o Agronômico, e os indicadores Econômico, Social e Ambiental apresentaram valores muito próximos da escala moderadamente sustentável, necessitando portanto de ações e políticas destinadas à superação destas lacunas (Lima et al., 2023).
4. Síntese
A sustentabilidade deve ser entendida como um valor intrínseco da sociedade moderna (século XXI), similar aos valores de igualdade, fraternidade e liberdade da Revolução Francesa do século XVIII. E, para isso, os economistas, e mais especificamente economistas ecológicos, devem aplicar métodos multicritérios e multidimensionais para valorá-la devidamente.
Não é um processo fácil, mas deve ser um desafio encarado pelas gerações atuais em benefício das gerações futuras.
Referências
Andrade, D. C. Economia e meio ambiente: aspectos teóricos e metodológicos nas visões neoclássica e da economia ecológica. Leituras de Economia Política (UNICAMP), v. 14, p. 1-31, 2008.
Brundtland, G. H. Nosso futuro comum. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1991.
Carson, Rachel. Primavera silenciosa. São Paulo: Gaia, 2010. (versão em português)
Lima, L. F.; Maciel, R. C. G.; Mangabeira, J. A. C.; Romeiro, A. R.; Tosto, S. G.; Maciel, M. D. A.; Sarcinelli, O.; Oliveira, O. F.; Pereira, L. C. Índice Multicritério de Sustentabilidade (IMS) na Reserva Extrativista Chico Mendes, Acre, Brasil. Texto para Discussão (Campinas), v. 457, p. 1-30, 2023.
Lima, L. F.; Olivos, M. A. T.; Romeiro, A. R.; Bueno, C. S. O neoestruturalismo ecológico e as três lacunas do desenvolvimento sustentável. Revista Economistas, v. 53, p. 48-53, 2024.
Meadows, D. H.; Meadows, D. L.; Randers, J.; Behrens III, W. W. Limites do Crescimento: um relatório para o projeto do Clube de Roma sobre o dilema da humanidade. São Paulo: Editora Perspectiva, 1973.
Romeiro, A. R. Desenvolvimento sustentável: uma perspectiva econômico-ecológica. Estudos avançados, v. 26, p. 65-92, 2012.
Romeiro, A. R.; Maia, A. G. Avaliação de custos e benefícios ambientais. Cadernos ENAP 35, Escola Nacional de Administração Pública, Brasília, 2011.
Unced. United Nations Conference on Environment and Development. Agenda 21. Rio de Janeiro 3-14 junho de 1992.
1 Doutor em Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Economia da UNICAMP. Pesquisador Colaborador do Instituto de Economia da UNICAMP. E-mail: lucaslima.eco@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5839-2834.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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