Mercado de Carbono no Brasil: Desafios e Soluções Sustentáveis
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Os desafios e a evolução do mercado de créditos de carbono no Brasil: Soluções diferenciadas para um perfil ambiental peculiar.
Artigo de José Miguel Carneiro Pacheco
O mercado de créditos de carbono no Brasil enfrenta obstáculos que demandam soluções adequadas à nossa realidade ambiental, caracterizada pela vasta biodiversidade e florestas ricas em carbono.
Diferente de outras regiões, onde o foco está principalmente na redução e captura de carbono atmosférico, o Brasil deve lidar com um dilema adicional: a necessidade de valorizar suas florestas em pé enquanto promove mecanismos para a descarbonização. Esse contexto único coloca em destaque a importância de instrumentos como os CPR Verdes (Cédulas de Produto Rural Verdes), que têm potencial para criar incentivos econômicos voltados à conservação ambiental.
No exterior, a abordagem é mais direta, já que muitos países já não possuem grandes florestas para preservar. Assim, seus mercados de carbono concentram-se exclusivamente na redução e captura de carbono. No Brasil, entretanto, a conservação florestal assume um papel estratégico nas políticas de mitigação de emissões, pois o desmatamento contribui diretamente para o aumento de gases de efeito estufa. Ignorar essa dinâmica seria desconsiderar o papel da floresta em pé no equilíbrio climático.
Contudo, há uma crescente crítica à prática de usar créditos de carbono de projetos REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal) para neutralizar emissões corporativas. Embora essenciais para a preservação, esses projetos focam mais na prevenção de emissões futuras decorrentes do desmatamento do que na captura direta de carbono. Florestas maduras, preservadas por esses projetos, já não desempenham um papel tão expressivo na captura de carbono, pois esse processo é mais dinâmico nos primeiros anos de crescimento das árvores.
No entanto, esses projetos são fundamentais para evitar a liberação de carbono armazenado e para proteger a biodiversidade. Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC)1, a preservação de florestas tropicais continua sendo uma estratégia essencial para evitar o desmatamento e proteger grandes estoques de carbono já acumulados.
Essa divergência de prioridades levanta a necessidade de separar os mecanismos voltados para a conservação florestal daqueles voltados para a redução e captura de carbono. O desenvolvimento de um mercado de carbono robusto no Brasil deve contemplar a criação de créditos de carbono nacionais, promovendo a redução direta de emissões, por meio de projetos industriais, agrícolas e de resíduos e efluentes. Além disso, é preciso consolidar instrumentos financeiros dedicados exclusivamente à preservação das florestas, respeitando os princípios biológicos e valorizando o que torna o Brasil um ator único no cenário global de mitigação das mudanças climáticas.
Essa visão pode parecer inovadora, mas já há algum tempo o mercado debate a efetividade dos créditos de carbono oriundos de projetos REDD+ em relação à adicionalidade exigida. Com o tempo, problemas de reputação e confiabilidade de certos agentes têm enfraquecido o apoio irrestrito a essa abordagem, abrindo espaço para soluções mais claras e eficientes.
É nesse contexto que surge uma nova oportunidade: o impulso de créditos de carbono gerados a partir da gestão adequada de resíduos. Com uma abordagem mais prática e transparente, focada na redução das emissões de metano em aterros sanitários e na promoção do tratamento biológico da fração orgânica de resíduos sólidos, o Brasil pode fortalecer sua posição como líder na descarbonização. Projetos de captura e aproveitamento do biogás produzido nos aterros, por exemplo, já se consolidaram como uma estratégia eficiente para evitar a liberação desse gás de efeito estufa na atmosfera. Paralelamente, o incentivo ao tratamento biológico da fração orgânica de resíduos sólidos pode contribuir significativamente para a redução de emissões, ao evitar a formação de metano que ocorreria durante a decomposição anaeróbica em aterros.
O tratamento biológico de resíduos orgânicos desempenha um papel essencial na mitigação das emissões de gases de efeito estufa, com destaque para o metano (CH₄), que é um dos principais responsáveis pelo aquecimento global de curto prazo. O metano tem um Potencial de Aquecimento Global (GWP) aproximadamente 28 vezes maior do que o dióxido de carbono (CO₂) em um período de 100 anos, segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). No entanto, seu impacto é ainda mais significativo no curto prazo: ao longo de 20 anos, o GWP do metano pode ser até 84 vezes maior que o do CO₂. Essa elevada capacidade de reter calor na atmosfera faz com que a redução das emissões de metano seja uma prioridade nas estratégias de mitigação climática.
Ao direcionar resíduos orgânicos para o tratamento biológico, como compostagem ou biodigestão para biogás, evitamos que esses resíduos sejam depositados em aterros sanitários, onde a decomposição anaeróbica (sem oxigênio) geraria grandes quantidades de metano. Além de reduzir essas emissões, esses processos biológicos produzem adubo orgânico de alta qualidade, enriquecendo o solo e promovendo práticas agrícolas mais sustentáveis. Dessa forma, tanto os projetos de biogás quanto os de compostagem não só mitigam as emissões de gases de efeito estufa, como também oferecem alternativas viáveis para a geração de créditos de carbono, contribuindo para um mercado de carbono mais robusto e transparente no Brasil, alinhado às práticas globais de descarbonização. Essa é a contribuição da Mowa – Carbon Neutral para o mercado de carbono brasileiro e, portanto, estamos comprometidos com os mais altos padrões de descarbonização e o desenvolvimento sustentável para todos.
Em síntese, o caminho para um mercado de carbono sustentável no Brasil passa por reconhecer as particularidades do nosso perfil ambiental e harmonizar diferentes objetivos. Preservar as florestas e promover a descarbonização são metas complementares, mas que exigem abordagens regulatórias distintas e cuidadosas.
O momento é propício para iniciar o desenvolvimento de créditos de carbono baseados em resíduos e processos industriais, garantindo credibilidade ao mercado e avançando na neutralização das emissões de maneira eficiente e inovadora.
José Miguel Carneiro Pacheco é especialista certificado em inventários urbanos de emissões de gases de efeito estufa pelo Green Business Certification Inc. (GBCI) e Diretor Executivo da Mowa – Carbon Neutral.
1 IPCC – Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas: O IPCC enfatiza a importância das florestas tropicais na mitigação das mudanças climáticas, destacando seu papel na retenção de grandes estoques de carbono e no combate ao desmatamento.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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