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Decrescimento populacional com prosperidade social na Itália

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“Crescimento pelo crescimento é a ideologia da célula cancerosa”
Edward Abbey (1927-1989)

A Itália exemplifica como o decrescimento populacional pode ser aliado da prosperidade econômica e ambiental, oferecendo lições para o Brasil.

Artigo de José Eustáquio Diniz Alves

A Itália é um país com uma longa e rica história. Roma, a capital italiana, foi durante séculos o centro político e religioso da civilização ocidental, como capital do Império Romano e como sede da Santa Sé. A população italiana tem indicadores sociais próprios do clube de países ricos: baixa mortalidade infantil, alta expectativa de vida ao nascer, elevada idade mediana, uma renda per capita bem acima da média mundial e um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do grupo muito alto.

A população da Itália era de 59,7 milhões de habitantes em 2010, chegou ao pico populacional de 60 milhões de habitantes em 2014 e deve cair para 58 milhões de habitantes em 2029 e 35 milhões de habitantes em 2100, de acordo com dados da Divisão de População da ONU.

Em termos econômicos, o FMI indica que a renda per capita, em preços constantes, em poder de paridade de compra (ppp), era de US$ 42,6 mil em 2010, caiu para US$ 39 mil em 2020 durante a pandemia da covid-19 e deve passar para US$ 47,2 mil em 2029. Ou seja, a redução do volume de habitantes não impediu a prosperidade e o crescimento do poder de compra médio da população italiana, conforme mostra o gráfico abaixo.

renda per capita e população na Itália

 

A Itália tinha um IDH de 0,780 em 1990, passou para 0,842 no ano 2000, passou para 0,881 em 2015 e chegou a 0,906 em 2022, ocupando o 30º lugar no ranking global dos países (o Brasil estava em 89º lugar em 2022). Portanto, a desaceleração do crescimento da população não impediu o avanço do IDH, mesmo em um quadro de envelhecimento populacional.

A idade mediana italiana era de 39,2 anos no ano 2000 e passou para 47,8 anos em 2024. Para efeito de comparação a idade mediana do Brasil é de 34 anos em 2024. Portanto, mesmo com uma estrutura etária mais envelhecida do que a brasileira, a Itália tem conseguido aumentar a renda per capita em ritmo superior à média mundial e tem conseguido reduzir a pegada ecológica e o déficit ambiental.

No pensamento convencional, o envelhecimento populacional conjugado com o decrescimento demográfico é interpretado como “armadilha fiscal geriátrica” ou “inverno demográfico” e seria o fim da linha para o desenvolvimento humano de qualquer nação.

Contudo, o exemplo da Itália mostra que pode haver decrescimento da população com prosperidade social e ecológica. A diminuição da população em idade ativa, de fato, significa o fim do 1º bônus demográfico. Mas os países podem contar com o 2º bônus demográfico – bônus da produtividade – e o 3º bônus demográfico – bônus da longevidade e da geração prateada.

Os idosos devem ser vistos como um ativo produtivo e não como um passivo que representa gastos de uma população improdutiva. O chamado “inverno demográfico” de Portugal pode se transformar em primavera social e ambiental. A redução da população não é um problema e pode se tornar uma solução.

Artigo de Tory Shepherd (The Guardian, 17/08/2024) mostra que o medo existente sobre o envelhecimento da população é baseado em suposições falhas, como se todas as pessoas com mais de 65 anos fossem basicamente senis e que todos os “baby boomers” acabarão em um lar de idosos. Ao contrário, ela diz que a maioria dos idosos está fazendo uma contribuição incrível para a sociedade. Muitos ainda estão na força de trabalho e aqueles que se aposentaram estão prestando um serviço gratuito de cuidado dos netos e outras atividades de valor social.

A tese de doutorado “The macroeconomics of degrowth : conditions, Choices, and Implications” de Antoine Monserand (2022) investiga, em uma perspectiva da macroeconomia, um paradigma ecológico, social e do decrescimento. A tese utiliza a teoria econômica pós-keynesiana. O quarto capítulo examina a possibilidade de garantir o financiamento de um regime de repartição simples do sistema previdenciário, da proteção social em geral e dos serviços públicos numa economia em decrescimento econômico. A tese demonstra que o decrescimento pode ser ambiental, social e economicamente benéfico. Estes resultados vão contra as afirmações de que o decrescimento apenas produz catástrofe econômica e social.

Desta forma, o envelhecimento e o decrescimento populacional são inexoráveis, mas isto não implica necessariamente em retrocesso nos indicadores sociais.

A Itália terá uma população reduzida pela metade no século XXI e terá que investir na “economia prateada”. Mas uma população menor pode vir acompanhada de melhor qualidade de vida humana e ecológica.

O mundo será um lugar melhor para se habitar se o decrescimento populacional dos países for acompanhado do aumento da renda per capita e da redução da pegada ecológica e do déficit ambiental. Um mundo com menor quantidade de pessoas, pode ser um mundo com maior qualidade da vida na Terra, para todas as espécies.

O caso da Itália pode servir de exemplo para a população brasileira que experimentará o decrescimento demográfico a partir da década de 2040.

José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382

Referências:

ALVES, JED. Decrescimento demoeconômico com elevação da prosperidade social e ambiental, Ecodebate, 20/01/2023 https://www.ecodebate.com.br/2023/01/20/decrescimento-demoeconomico-com-elevacao-da-prosperidade-social-e-ambiental/

ALVES, JED. O que está por trás do encolhimento das famílias brasileiras? Sputnik Brasil, podcast Jabuticaba Sem Caroço, 21/06/2024
https://noticiabrasil.net.br/20240621/o-que-esta-por-tras-do-encolhimento-das-familias-brasileiras-35229011.html

Natuza Nery entrevista José Eustáquio Diniz Alves. O Assunto #1295: O tsunami prateado no Brasil, G1,
06/09/2024 https://g1.globo.com/podcast/o-assunto/noticia/2024/09/06/o-assunto-1295-o-tsunami-prateado-no-brasil.ghtml

MONSERAND, Antoine. The macroeconomics of degrowth: conditions, Choices, and Implications. Sociology. Université Paris-Nord – Paris XIII, 2022. English.
https://theses.hal.science/tel-03921258/document

Tory Shepherd. Slow the growth, save the world? Why declining birth rates need not mean an end to prosperity, The Guardian, 17/08/2024
https://www.theguardian.com/world/article/2024/aug/18/slow-the-growth-save-the-world-why-declining-birth-rates-need-not-mean-an-end-to-prosperity

 

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in EcoDebate, ISSN 2446-9394

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