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No Caminho Inverso da Sustentabilidade Ambiental

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A presente abordagem, de caráter genérico e com uma linguagem mais popularizada, busca alertar a população/sociedade sobre a necessidade urgentíssima de se comprometer com as questões ambientais

Artigo de Marco Antonio Ferreira Gomes

Pesquisador da Embrapa Meio Ambiente

Considerações gerais

O conceito de “sustentabilidade” começou a ser delineado na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano (United Nations Conference on the Human Environment – UNCHE), realizada em Estocolmo em 1972, e usada pela norueguesa Gro Brundtland no Relatório “Nosso Futuro Comum” (1987). Já, a expressão “sustentabilidade ambiental” passou a ficar mais conhecida a partir da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO-92 ou Rio-92), ou seja, há 32 anos atrás. Nesse intervalo de tempo ocorreram diversas conferências organizadas pela ONU sobre clima e meio ambiente. No entanto, vemos que até hoje praticamente nenhum país conseguiu colocar em prática, de forma efetiva, esse conceito de extrema importância para a saúde e sobrevivência dos seres vivos no Planeta.

Frente a esse cenário, há uma percepção clara, principalmente no meio científico, de que estamos no caminho inverso da sustentabilidade global, uma vez que os governantes, em todos os níveis, não acreditam ou são negligentes sobre as alterações drásticas que estão ocorrendo e que podem se agravar ainda mais de forma global, aliadas às pressões do capitalismo ortodoxo que ignora as questões ambientais. É fato notório que o sistema capitalista está ligado à produção em massa e ao consumo na mesma proporção para gerar lucro. Nesse modelo, a obtenção de matéria-prima é retirada da natureza a qualquer custo, sem muita preocupação com os impactos negativos gerados. A exploração constante e desenfreada desses recursos tem deixado um saldo de devastação profunda no meio ambiente. Soma-se a isso a ignorância de grande parte da população sobre o tema, alimentada pela mídia e pelas redes sociais nocivas que induzem ou divulgam falsas notícias sobre um assunto extremamente relevante e de interesse global. Acrescente-se a “esses ingredientes maléficos”, a presença dos chamados “inimigos do meio ambiente”, ou seja, aqueles que promovem a destruição por prazer, como os ateadores de fogo na vegetação.

Frente ao exposto, a presente abordagem, de caráter genérico e com uma linguagem mais popularizada, busca alertar a população/sociedade sobre a necessidade urgentíssima de se comprometer com as questões ambientais, sobretudo com foco na sustentabilidade e suas derivações, único mecanismo que poderá nos salvar de um fim apocalíptico.

Conceitos de sustentabilidade, desenvolvimento sustentável e sustentabilidade ambiental

A “Sustentabilidade” refere-se ao princípio que busca o equilíbrio entre a disponibilidade dos recursos naturais e a exploração deles por parte da sociedade, com responsabilidade ambiental e social. Ou seja, visa a equilibrar a preservação do meio ambiente e o que ele pode oferecer em consonância com a qualidade de vida da população. O termo sustentabilidade surge da necessidade de discussão sobre a forma como a sociedade vem explorando e usando os recursos naturais e das alternativas para preservá-los evitando, assim, que os mesmos se esgotem na natureza. A definição de sustentabilidade está vinculada ao conceito de desenvolvimento sustentável.

O “Desenvolvimento sustentável” refere-se ao desenvolvimento socioeconômico, político e cultural aliado à preservação do meio ambiente. Sendo assim, as práticas capitalistas associadas ao consumo devem estar em equilíbrio com a sustentabilidade, visando os avanços no campo social e econômico sem prejudicar a natureza. É a garantia do suprimento das necessidades da geração futura por meio da conservação dos recursos naturais. Esse termo surgiu no relatório desenvolvido pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento apresentado em 1987, conhecido como Relatório de Brundtland ou Nosso Futuro Comum. O relatório traz a definição de desenvolvimento sustentável como: “O desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades.” De acordo com o relatório citado, para que o desenvolvimento sustentável seja alcançado, é preciso primeiramente atender às necessidades básicas da sociedade, nos setores da saúde, educação, no que diz respeito à alimentação e moradia. E para isso, a Organização das Nações Unidas definiu, ao longo de inúmeras conferências ambientais, diversos objetivos a serem atingidos com o intuito de que os países consigam alcançar um desenvolvimento aliado à sustentabilidade. Atualmente, muito se comenta sobre desenvolvimento sustentável, frente ao despertar da consciência da sociedade, ainda que limitada, sobre a duração dos recursos naturais, que algumas décadas atrás, se pensava serem infinitos. As inúmeras discussões por parte da comunidade científica acerca das questões relacionadas ao meio ambiente e sua intensa degradação por parte da ação antrópica também colocaram esse termo em evidência.

A “Sustentabilidade ambiental”, por sua vez, é um dos três pilares que compõem o princípio da sustentabilidade, sendo, na realidade, o primeiro aspecto que se associa à ideia de desenvolvimento sustentável, uma vez que tem relação direta com “a preservação do meio ambiente” e com “a garantia da disponibilidade dos recursos naturais para as gerações futuras. De fato, esses são os dois principais objetivos da sustentabilidade ambiental. Para que esse objetivo seja alcançado é necessário que algumas ações sejam desempenhadas, tanto na esfera pública individual ou coletiva quanto na esfera privada. Assim, a sustentabilidade ambiental pode ser colocada em prática tanto pelos indivíduos (população), principalmente por meio de associações sem fins lucrativos, quanto pelas empresas e pelos governos (municipal, estadual e federal).

Banalização e uso indevido do termo sustentabilidade

O termo sustentabilidade tem sido usado de forma indiscriminada, seja por desconhecimento do que ele representa de fato, seja por interesses comerciais ou mesmo escusos que visam enganar ou ludibriar as pessoas.

O uso de selos ambientais ou rótulos com propagandas sobre “responsabilidade socioambiental”, por exemplo, por parte de várias instituições privadas, não é garantia de que existe, de fato, um compromisso com o meio ambiente. Existem muitas fraudes ou propagandas enganosas, aliada a uma fiscalização ineficiente que contribui para a perpetuação desse cenário.

Já no setor público, por exemplo, as ações para a implantação de políticas ambientais tende a seguir um manual que geralmente possui uma lista imensa de quesitos a serem aplicados, criando um obstáculo para realização das práticas de gestão ambiental. Tal condição, tipicamente de caráter burocrático, contribui para a banalização da sustentabilidade, além de ampliar cada vez mais a distância entre o discurso politicamente correto e a eficiência prática de políticas ambientais e de desenvolvimento sustentável.

Diante do cenário exposto, criou-se então um ambiente de descrédito e de vulgarização em relação ao termo sustentabilidade, a exemplo do que tem acontecido com o tema educação ambiental, que se transformou em um assunto meramente escolar e voltado para o público infantil, quando na verdade deveria ser de discussão permanente em todos os níveis escolares/acadêmicos como também nos meios políticos e empresariais de forma responsável.

Ambientes insustentáveis

Há décadas ouve-se falar em “casas sustentáveis” e, mais recentemente, “cidades sustentáveis”. No entanto, não se vê em nenhum lugar qualquer forma ou mecanismo de incentivo para adoção dessas práticas, salvo raríssimas exceções, em alguns países do norte da Europa. A seguir, exemplificamos o que se faz (projeto padrão) e o que poderia ser feito (projeto sustentável/cidades sustentáveis) para contribuir na construção de um “ambiente sustentável”, tomando como exemplo o Brasil.

Projeto padrão de casas: Uso de água com desperdício e sem separação daquela de vaso sanitário, banho, lavagem de roupa e lavagem de piso. Uso da energia convencional (hidrelétricas), com alto custo ambiental. Telhados com cobertura metálica, atualmente na moda, contribuindo para o aumento das ilhas de calor nas cidades. Espaços e calçadas impermeabilizados, impedindo a infiltração de água das chuvas.

Projeto sustentável de casas: Captação de água das chuvas via telhado, com reaproveitamento das águas de banho e de lavagem de roupas para limpeza de pisos. As águas residuais provenientes dos vasos sanitários com um processo separado de tratamento. Uso de energia fotovoltaica como padrão, somada com a eólica, reduzindo/eliminando as fontes convencionais. Porém, nenhuma prefeitura brasileira exige algo parecido ou se dispõe a discutir o tema.

Cidades sustentáveis: Redução drástica do uso de carros com combustíveis convencionais, tendo referência os carros elétricos. Adoção de um sistema de captação de água das chuvas para diversos usos. Tratamento integral do esgoto gerado, como um dos compromissos pétreos dos municípios. Existência de aterros sanitários para tratar o lixo adequadamente e de forma sustentável. Criação de espaços públicos e de lazer com vegetação, para absorver as águas das chuvas e recarregar o lençol freático, além de criar as ilhas de “amenização de temperatura’. Uso reduzido de energia nos prédios com adoção de sistemas de iluminação natural. Recuperação dos cursos d’água com a retirada das populações às suas margens e a recomposição das matas ciliares.

As atividades agrícolas também têm seu papel de importância nesse processo de alteração do meio ambiente. No caso do Brasil, o que mais chama a atenção, atualmente, são as derrubadas de vegetação do Bioma Cerrado com o uso de correntões e da Floresta Amazônica (Bioma Amazônico) num verdadeiro processo de destruição e de irracionalidade. As queimadas indiscriminadas no meio rural, em todos os biomas brasileiros, também são notórias e necessitam de ações enérgicas dos governos em todas as instâncias.

Não se pode negar ou omitir o trabalho de várias instituições que atuam em prol do meio ambiente, principalmente as ONGs – Organizações Não Governamentais. Contudo, essas instituições sozinhas não conseguem atender uma agenda ambiental minimamente satisfatória, considerando o exemplo do Brasil.

Nesse cenário, há necessidade de colocar em prática os fundamentos da Agenda 21 sobre o desenvolvimento sustentável, a qual preconiza que deve se pensar globalmente e agir localmente. Na prática, isso remete à ação concreta a partir dos municípios; é nele que se inicia as ações de proteção ambiental, servindo de exemplo para os municípios vizinhos, criando assim uma rede que tende a se expandir para as outras instâncias – estadual e federal.

Ponto de inflexão da sustentabilidade

Muitos especialistas na temática ambiental já vêm sinalizando que o nosso tempo está acabando. Isso significa que a partir de um ponto no qual o Planeta alcance um patamar muito alto de impactos negativos, não haverá mais como recuperar, ou seja, não será mais possível ter de volta o equilíbrio minimamente necessário para que os seres vivos possam sobreviver. A partir do chamado ponto de inflexão da curva (outro lado), tudo poderá acontecer do ponto de vista climático e ambiental, tais como desordem total das correntes de ventos, seja próximo à superfície seja em altitude, grandes oscilações de temperatura e de precipitação, alternadas com enchentes e secas severas, tornando o ambiente hostil e até impróprio à vida na Terra.

Todo esse cenário, tem sido previsto pelos modelos climáticos globais do IPCC – Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima, cujas avaliações mais recentes encontram-se no chamado “Sexto Ciclo de Avaliação”, composto de seis relatórios desde 2015: três relatórios especiais e três contribuições dos Grupos de Trabalho do IPCC. Os três relatórios especiais tratam de questões como Aquecimento Global de 1,5°C (2018), Mudanças Climáticas e Terra (2019) e Oceano e a Criosfera em um Clima em Mudança (2019). Já as contribuições dos Grupos de Trabalho contemplam Mudança do Clima 2021: A base Científica (2021), Mudança Climática 2022: Impactos, Adaptação e Vulnerabilidade (2022) e Mitigação das Mudanças Climáticas (2022).

Considerações finais

A partir das considerações feitas no presente trabalho, ainda que de forma simplificada, dada a grande disponibilidade de informações existentes sobre o tema, ressalta-se que estamos em um momento crucial para a tomada de decisão em relação à proteção ambiental e, consequentemente, para a promoção da sustentabilidade em todas as instâncias, embora tenha se dado ênfase aqui à sustentabilidade ambiental.

A existência de um mundo sustentável passa, urgentemente, por várias mudanças de comportamento, entre as quais está a redução das emissões de CO2, de acordo com as considerações enfatizadas nos relatórios do IPCC.

As mudanças só correrão, de fato, quando as ações em prol do meio ambiente começarem localmente, ou seja, nos municípios e a partir daí se propagarem rapidamente para as esferas estadual, federal e depois para o mundo. Tal cenário, infelizmente, ainda não teve seu início de forma concreta, embora tenha sido citado na Conferência das Nações Unidas de Estocolmo em 1972 e enfatizado nas Agendas 21 Global (1992) e 21 brasileira (1996).

Referências

https://summitmobilidade.estadao.com.br/sustentabilidade/conferencias-ambientais-quais-foram-as-principais-da-historia/

https://brasilescola.uol.com.br/o-que-e/geografia/o-que-e-sustentabilidade.htm

https://brasilescola.uol.com.br/educacao/sustentabilidade.htm

NAÇÕES UNIDAS BRASIL. A ONU e o meio ambiente. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/91223-onu-e-o-meio-ambiente Seade, 2020.

https://www.pactoglobal.org.br/noticia/cop28-brasil-traduz-relatorio-sintese-do-ipcc-para-o-portugues-e-amplia-alcance-das-informacoes-cientificas-mais-recentes-sobre-mudanca-do-clima/

https://antigo.mma.gov.br/responsabilidade-socioambiental/agenda-21/agenda-21-brasileira.html

https://antigo.mma.gov.br/responsabilidade-socioambiental/agenda-21/agenda-21-global.html

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in EcoDebate, ISSN 2446-9394

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