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Fecundidade e renda per capita na Tailândia e em Moçambique

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A transição demográfica não é uma panaceia e não produz resultados automáticos, mas sem ela é muito difícil acabar com a pobreza e a fome.

Artigo de José Eustáquio Diniz Alves

A transição demográfica é o maior fenômeno de comportamento de massa da história. Desde o surgimento do Homo sapiens, há mais de 200 mil anos, as taxas de mortalidade e natalidade sempre foram elevadas e só começaram a cair após o início da Revolução Industrial e Energética, que alterou uma realidade que parecia imutável.

A transformação ocorreu simultaneamente ao avanço da modernidade urbano-industrial que possibilitou a diminuição da letalidade provocada pela tríade: miséria, doenças e guerras. A queda das taxas de mortalidade e o aumento da esperança de vida são, portanto, as maiores conquistas da humanidade, pois houve valorização da vida e as pessoas passaram a viver mais e melhor, acumulando conhecimento e contribuindo para oferecer maiores retornos aos investimentos em capital humano.

Com o menor número de mortes precoces e a maior sobrevivência das crianças, foi possível reduzir o número de nascimentos por casal. O ser humano é a única espécie animal que conseguiu reduzir o número médio de nascimentos, não por conta da falta de recursos, mas exatamente porque optou por investir na qualidade de vida das jovens gerações. Essa conquista é única e excepcional. Além de garantir o direito fundamental à vida, tem garantido o progresso das famílias e gerado efeitos macroeconômicos sinérgicos, pois aumentou o percentual da população em idade ativa e possibilitou a elevação das taxas de ocupação.

Desta forma, a transição demográfica e o desenvolvimento econômico são dois fenômenos sincrônicos da modernidade. Há uma retroalimentação entre o aumento da renda e a redução das taxas de mortalidade e natalidade, já que existe uma complementariedade entre as duas variáveis.

Portanto, o desenvolvimento econômico – por meio do crescimento da renda, da educação, da geração de emprego com proteção social e da melhoria das condições nutricionais e de saúde – diminui as taxas de mortalidade em geral, e em especial a mortalidade infantil. A maior sobrevivência dos filhos reduz a necessidade de uma alta fecundidade. Uma prole menor viabiliza maiores investimentos nas crianças e nos casais, especialmente contribui para a redução do tempo dedicado às tarefas de reprodução, contribuindo para o empoderamento das mulheres.

De forma determinística, a transição demográfica transforma a estrutura etária da população, com redução da base da pirâmide, em um primeiro momento, o aumento da proporção de pessoas em idade produtiva, em um segundo momento, e gerando uma alta proporção de idosos, em um terceiro momento. A transição demográfica abre, necessariamente, uma janela de oportunidade que funciona como um bônus demográfico que, caso bem aproveitado, impulsiona a economia e o bem-estar da população.

A transição demográfica tem um padrão que se repete, invariavelmente, da mesma forma em todas as nações, sem exceções: primeiro caem as taxas de mortalidade e, depois de um lapso de tempo, caem as taxas de natalidade. Esse formato foi observado mundialmente, independentemente da língua, da religião, da localização geográfica ou de qualquer diferenciação cultural. O que variam são os níveis históricos das taxas, o momento inicial da queda, a velocidade do declínio e os níveis finais após o fenômeno transicional.

A queda da taxa de fecundidade reduz a razão de dependência e abre uma janela de oportunidade para o avanço do bem-estar social. Todo país rico do mundo passou pelo 1º bônus demográfico, fenômeno fundamental da transição demográfica. Isto quer dizer que a renda per capita de um país cresce simultaneamente à queda do número médio de filhos por mulher.

A efetividade deste processo pode ser ilustrada pelos exemplos do desenvolvimento da Tailândia e de Moçambique, nos últimos 72 anos. O país que teve rápida queda da fecundidade também teve rápido aumento da renda per capita, enquanto a permanência de uma alta fecundidade provocou um estancamento ou declínio da renda per capita.

A Tailândia tinha uma população de 20,4 milhões de habitantes em 1950 e passou para 71,7 milhões em 2022, um crescimento de 3,5 vezes. Moçambique tinha uma população de 5,9 milhões de habitantes em 1950 e passou para 32,7 milhões em 2022, um crescimento de 5,5 vezes. A população da Tailândia já apresenta decrescimento e vai diminuir quase pela metade até 2100, enquanto a população de Moçambique deve triplicar até 2100.

O gráfico abaixo mostra a taxa de fecundidade total (TFT) e a renda per capita (em poder de
paridade de compra – ppp na sigla em inglês) para a Tailândia e Moçambique entre 1950 e 2022. Verifica-se que a Tailândia tinha uma TFT acima da taxa de fecundidade de Moçambique e uma renda per capita menor na década de 1950. Porém, a TFT tailandesa começou a cair na década de 1960 e a renda per capita começou a subir, enquanto a TFT de Moçambique continuou elevada e a renda per capita permaneceu estagnada e em declínio.

Na década de 1950 a Tailândia tinha uma TFT acima de 6 filhos por mulher e uma renda per capita abaixo de US$ 2 mil, enquanto Moçambique tinha uma TFT um pouquinho menor e uma renda per capita pouco acima de US$ 2 mil. Mas o quadro mudou nas décadas seguintes, pois a TFT da Tailândia caiu para menos de 2 filhos por mulher e a renda per capita ultrapassou US$ 16 mil em 2022. No mesmo período, a TFT de Moçambique teve uma leve queda para 5 filhos por mulher e a renda per capita caiu para menos de US$ 2 mil

taxa de fecundidade total e renda per capita Tailândia e Moçambique

 

Portanto, a Tailândia é um exemplo de país que conseguiu reduzir as taxas de fecundidade mesmo quando tinha a maior parte da população no meio rural e com baixo nível de renda. E isto foi fundamental para o desenvolvimento e o aumento do poder de compra da população tailandesa.

A contribuição da transição demográfica para a redução da pobreza e da fome é um fato conhecido pela literatura acadêmica há muito tempo.

Ainda na década de 1950, o livro “População e desenvolvimento econômico” (Coale e Hoover, 1958) mostrou que a queda das taxas de fecundidade, ao reduzir a razão de dependência demográfica, poderia contribuir para o desenvolvimento econômico e a melhoria do padrão de vida da população. Diversos outros estudos aprofundaram esta linha de investigação mostrando evidências quantitativas das vantagens da transição demográfica.

Alguns países, como a Tailândia, aprenderam a lição e conseguiram vencer a miséria. Outros países, infelizmente, não conseguiram garantir os direitos de cidadania e nem efetivaram os direitos sexuais e reprodutivos.

A transição demográfica não é uma panaceia e não produz resultados automáticos, mas sem ela é muito difícil acabar com a pobreza e a fome.

Sem dúvida, Moçambique e outros países de baixa renda e alta TFT podem aprender com as lições da Tailândia, aproveitando as oportunidades e benefícios trazidos pela redução das taxas de fecundidade e pela mudança da estrutura etária que abre uma oportunidade histórica para avançar nos indicadores de desenvolvimento humano.

José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382

Referências:

ALVES, JED. Negacionismo climático e negacionismo demográfico, Ecodebate, 03/07/2024
https://www.ecodebate.com.br/2024/07/03/negacionismo-climatico-e-negacionismo-demografico/

ALVES, JED. Os avanços desiguais do IDH no Brasil, Venezuela e Tailândia, Ecodebate, 20/05/2024 https://www.ecodebate.com.br/2024/05/20/os-avancos-desiguais-do-idh-no-brasil-venezuela-e-tailandia/

COALE, A.; HOOVER, E. População e desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro: Fundo
de Cultura, 1966.

 

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in EcoDebate, ISSN 2446-9394

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