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Objetivos de Desenvolvimento Insustentável

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Artigo de José Austerliano Rodrigues

Atualmente, estamos vivendo uma época em que a complexidade dos problemas planetários é cada vez maior, como a mudança climática, a expansão desenfreada da urbanização, o consumismo insustentável e o domínio da tecnologia em todas as áreas de nossa vida.

No final de 2015, todos os países membros das Nações Unidas adotaram uma agenda de desenvolvimento sustentável para o período de 2015 a 2030. Esta agenda é composta por 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que incluem 169 metas específicas (CBS, 2018). Os ODS são considerados questões políticas cruciais para o período até 2030.

De acordo com o Índice de Desenvolvimento Sustentável das Cidades – Brasil (IDSC-BR), a maior parte delas ainda está longe de conseguir tirar do papel as metas de desenvolvimento para 2030.

Assim sendo, mais da metade do caminho entre sua proposta e o prazo de 2030 para realização, nenhum dos ODS está a caminho de ser alcançado. Enquanto isso, estamos cada vez mais cruzando as fronteiras planetárias e nos aproximando dos pontos de inflexão da mudança ambiental global (CARDINI, 2024).

Deste modo, uma série de artigos recentes na Science e na Nature enfatizou o papel dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, reconheceu seus méritos e limitações e sugerindo maneiras de acelerar sua realização.

No entanto, nenhum dos ODS para acabar com a pobreza e proteger o meio ambiente está no caminho certo, e apenas 15% das 140 metas para as quais há dados disponíveis parecem ser cumpridas (MASOOD, 2023). Em outras palavras, no ponto médio entre sua proposta inicial em 2015 e sua realização planejada até 2030, os ODS estão falhando completamente.

Sem dúvida, há espaço para melhorar a estrutura dos ODS, no entanto, estamos ficando sem tempo e podemos já ter cruzado quase todos os limites seguros do sistema terrestre (ROCKSTRÖM et al., 2023). Portanto, os ODS precisam de mais do que apenas reforma e aceleração. Sustentável significa que algo pode ser mantido indefinidamente, mas o que isso realmente implica parece em grande parte perdido na confusão criada pelo abuso do conceito (ENGELMAN, 2013).

O desenvolvimento sustentável é, de fato, um oxímoro quando desconectado dos limites físicos e ecológicos do nosso planeta (BROWN et al., 2011; BURGER et al., 2012). No entanto, essa desconexão é um componente crucial da visão de mundo sociopolítica e econômica capitalista dominante de livre mercado, que persegue a miragem do crescimento econômico infinito (assim como populacional) (JACKSON; VICTOR, 2019).

O capitalismo pode ter contribuído para o progresso, mas isso depende de como o progresso é definido e medido (SULLIVAN; HICKEL, 2023). E, se o capitalismo trouxe melhorias, o fez apenas uma espécie (Crist, 2018) e com enormes desigualdades mesmo dentro dessa espécie (WILKINSON; PICKETT, 2019). Enquanto isso, também poluiu massivamente o meio ambiente e causou o declínio de dezenas de milhares de espécies, com uma taxa de extinção comparável às cinco maiores extinções em massa em toda a história da vida multicelular (COWIE et al., 2022).

A Terra é o lar de quase um bilhão de hiperconsumistas cujas emissões de CO2 representam quase metade do total mundial, enquanto os 50% mais pobres da população humana global são responsáveis por menos de dez por cento das emissões (CAPSTICK et al., 2021). Em termos de emissão de CO2, um único consumidor rico equivale a 30 dos da metade mais pobre da humanidade. Esta é, no entanto, apenas uma das muitas maneiras de medir o impacto da humanidade no planeta (CARDINI, 2024).

Os ODS fazem parte de uma rede de conceitos, instituições e práticas que mantém os humanos no centro do palco (Folke et al., 2021), na qual as espécies não humanas e os ecossistemas naturais são considerados importantes apenas na medida em que nos prestam serviços. A vida selvagem e o meio ambiente são visto como recursos a serem gerenciados para nossa prosperidade e representam capital natural a ser explorado para fins lucrativos. Mesmo que tenha sido finalmente reconhecido que devemos fazer um esforço para preservar os recursos naturais para as futuras gerações (humanas), essa perspectiva antropocêntrica permanece dominante (CARDINI, 2024).

Todavia, o fracasso abrangente dos 17 ODS é um sinal entre muitos de que não estamos indo na direção certa.

Da mesma forma, as metas de Biodiversidade de Aichi de 2020 para a preservação de espécies e habitats selvagens não foram cumpridas, e a implementação de políticas dos Acordos de Paris para reduzir as emissões de gases de efeito estufa também não teve sucesso (BRADSHAW et al., 2021).

A razão para o fracasso não é apenas que os objetivos são muitas vezes contraditórios e a implementação é deixada nas mãos dos governos quase inevitavelmente em busca de compromissos e ganhos de curto prazo (HICKEL, 2019). É que todo o sistema que gerou a crise planetária, colocando os humanos no centro, e tudo o mais a seu serviço, é profundamente falho. A visão gerencial que quer nos tornar bons administradores da biosfera é a mesma perspectiva de dominação humana que criou os problemas que enfretamos (CARDINI, 2024). Assim sendo, os ODS não podem ser alcançados a menos que rejeitemos o sistema socioeconômico na raiz da crise, afinal, não faz sentido pedir a um sistema fundamentalmente insustentável que forneça soluções sustentáveis. Rejeitar esse sistema, no entanto, implica colocar o ecossistema planetário, não os humanos, no centro. A transição ecológica não pode ter como objetivo a construção de um consumismo supostamente verde. Mesmo quando o desenvolvimento industrial e de infraestrutura vai além da mera lavagem verde, a escala multidimensional dos desafios que enfrentamos é tal que a solução de um problema não aborda todas as outras (CARDINI, 2024).

Por exemplo, formas eletrificadas de transporte podem eliminar as emissões de CO2, mas isso deixará sem solução outras questões de sustentabilidade relacionadas ao transporte, como congestionamento, acidentes, equidade e habitabilidade das cidades. E não diz nada sobre a socioeconomia mais ampla na qual a mobilidade está inserida, o que tem implicações para o uso da terra, extração de recursos naturais, perda de biodiversidade e assim por diante. (MEADOWCROFT; ROSENBLOOM, 2023).

Da mesma forma, a hidroeletricidade é promovida como energia verde renovável pela UE (https://hydropower-europe.eu/), mas as barragens têm uma infinidade de consequências negativas: deslocam pessoas e inundam habitats com águas estagnadas e lamacentas; eles exigem estradas e grandes quantidades de concreto; eles contribuem para as emissões de efeito estufa dos reservatórios; eles causam degradação e fragmentação do habitat, dificultando a migração dos peixes; eles alteram o fluxo do rio, a temperatura da água e o teor de oxigênio, além de reduzirem o transporte de sedimentos e nutrientes; eles interrompem as redes de ecossistemas e aceleram a perda de biodiversidade.

Com um boom na construção de centrais elétricas nos Balcãs e milhares de outras projectadas (https://balkanrivers.net/en), os cidadãos da União Europeia são alimentados com o sonho de reduzir o seu impacto no ambiente. Na realidade, esse sonho está se transformando em um pesadelo, já que um dos principais hotspots de biodiversidade da Europa e algumas de suas últimas redes fluviais, quase intocadas, estão sendo irreversivelmente devastadas (CARDINI, 2024).

Contudo, na ilusão de construir uma sociedade consumista sustentável, somos conduzidos a um futuro onde se prosperidade dos mais ricos será mantida intacta, entanto a pobreza será simultaneamente erradicada. Nesse cenário, menores emissões de carbono andarão lado a lado com a mitigação de outros impactos ambientais, graças ao aumento da produtividade e às inovações geradas pelo crescimento econômico exponencial e imparável (NORDHAUS, 2021).

Este cenário é ficção: é física e ecologicamente impossível (BROWN et al., 2011; BURGER et al., 2012; JACKSON; VICTOR, 2019). Além disso, e ironicamente, à medida que a mágica acontece, podemos até ter que pagar indenizações aos proprietários de ativos. Por exemplo, os maiores poluidores, como a indústria de petróleo e mineração pela aposentadoria prematura de suas instalações (MEADOWCROFT; ROSENBLOOM, 2023). Embora absurdo, isso não é irreal, vale lembrar que os proprietários coloniais das plantações britânicas de cana-de-açúcar e algodão foram indenizados pela perda de renda causada pelo fim da escravidão.

O fato de termos que viver dentro dos limites físicos e ecológicos de nosso planeta é uma má notícia para aqueles que vivem na ilusão de um crescimento sem fim. As mensagens negativas podem não se alianhar como as narrativas de esperança que ajudam a promover a ação (FOLKE et al., 2021). No entanto, ilusões e enganos não conduzem a lugar algum, e como obervam Burger e colaboradores (2012).O papel da ciência é entender como o mundo funciona, não nos dizer o que queremos ouvir.

Se a sustentabilidade dentro do atual sistema socioeconômico é, na melhor das hipóteses, implausível, a solução alternativa, não centrada no ser humano e ecocêntrica, é, em princípio, simples e sólida. Para combater substancialmente os impactos antrópicos e suas consequências na vida na Terra, precisamos de uma redução maciça do consumo nas nações industrializadas, por meio de um decrescimento econômico cuidadosamente planejado (Hickel et al., 2022), e uma transição demográfica, alcançada por meio de métodos voluntários não coercitivos, para estabilizar e, a longo prazo, reduzir o tamanho da população (WYNES, NICHOLAS, 2017).

Crist (2018) argumenta que, ao contrário, devemos ampliar a escala e o escopo da humanidade por meios de ações que simultaneamente fortaleçam os direitos humanos, facilitem a abolição da pobreza, elevem nossa qualidade de vida, combatam os perigos das mudanças climáticas e preservem a magnífica biodiversidade da Terra.

Esta solução não é uma utopia impossível; é muito mais realista e pragmático do que nosso atual caminho para a destruição. No entanto, é provável que enfrente a oposição mais forte precisamente onde deveria ser mais fácil de implementar: nos países que já alcançaram os mais altos padrões de vida. Independentemente das estratégias das corporações e dos poderes políticos para manter sua riqueza e o status quo, nossa própria desconexão individual com a realidade e, acima de tudo, com a natureza (Gaston e Soga, 2020) é provavelmente um dos principais obstáculos para mudanças rápidas e impactantes.

Todavia, a maioria de nós, nos dez por cento mais ricos da população humana, está infeliz, estressada e insatisfeita. Poderíamos viver melhor com menos, minimizando nossa pressão sobre o meio ambiente e a exploração dos países em desenvolvimento, que mantém a desigualdade global e retarda o desenvolvimento onde realmente é necessário (WILKINSON; PICKETT, 2019; HICKEL et al., 2022).

Isso significa que devemos voltar a viver em cavernas, como nossos ancestrais caçadores-coletores? De modo algum. Ao se livrar da opulência desnecessária e das enormes desigualdades, todos os seres humanos no planeta podem trabalhar menos e viver decentemente em termos de abrigo, alimentação, higiene, roupas, acesso aos cuidados de saúde, sistemas de comunicação e mobilidade, enquanto o sociometabolismo per capita de 10.000 a 17.000 kcal (caloria) por dia seria atendido com essa energia quase inteiramente fornecida sem a necessidade de combustíveis fósseis (MILLWARD-HOPKINS et al., 2020).

Millward-Hopkins e colegas (2020) argumentam que as cavernas devem ser redefinidas como casas substancialmente maiores, com instalações altamente eficientes para cozinhar, armazenar alimentos e lavar roupas; iluminação de baixo consumo; fornecimento de 50 litros de água limpa por dia por pessoa, dos quais 15 litros devem ser aquecidos a uma temperatura de banho confortável; uma temperatura do ar de cerca de 20 °C durante todo o ano, independentemente da geografia; um computador com acesso a redes tecnologia da informação e comunicação (TIC) globais; e conexão a extensas redes de transporte que proporcionem 5.000 a 15.000 km de mobilidade por pessoa a cada ano.

Assim sendo, já é muito tarde, e as piores consequências da crise estão sendo e serão pagas por aqueles que são menos responsáveis: a metade mais pobre da população e global e a miríade de seres não humanos com quem compartilhamos este planeta (CARDINI, 2024).

Contudo, quanto mais cedo abandonarmos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e outras ilusões antropocêntricas (centradas no ser humano), maior será a probabilidade de iniciarmos uma mudança genuína que vá além da retórica e do marketing, e que nos traga de volta aos limites planetários dos quais, tanto nós quanto todas as outras formas de vida, não podemos escapar.

José Austerliano Rodrigues é Administrador, Especialista Sênior em Organizações de Diversos Setores para a Sustentabilidade e Professor de Sustentabilidade em Marketing e Diversos Tipos de Empreendedorismo, com Doutorado em Sustentabilidade de Marketing pela UFRJ.

E-mail: austerlianorodrigues@bol.com.br Instagram: @joseausterliano

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in EcoDebate, ISSN 2446-9394

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One thought on “Objetivos de Desenvolvimento Insustentável

  • José de Souza Silva

    Por que a bibliografia não acompanha o artigo? Eu estou realizando uma Pesquisa Bibliográfica sobre a insustentabilidade do desenvolvimento sustentável, na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, e necessito conhecer referências bibliográficas que ainda não integram meu arquivo digital para estudá-las. O texto é muito relevante, um indicador de que suas referências bibliográficas também o são.

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