O inverno demográfico da Romênia está se transformando em primavera social e ambiental
►Conteúdo gerado por Humano (a) para Humanos (as)◄
A Romênia mostra que o decrescimento da população ajuda a reduzir o déficit ambiental e uma estrutura etária mais envelhecida não impede o crescimento da renda per capita
Artigo de José Eustáquio Diniz Alves
A Romênia era um país predominantemente agrário, aliado da União Soviética (URSS) durante a guerra fria e membro do pacto de Varsóvia e do Comecon. Em 1980, segundo o FMI, a Romênia era uma economia de rendimento médio, com uma renda per capita, em poder de paridade de compra (ppp) de US$ 13,5 mil (cerca de 20% maior do que a renda per capita brasileira). A taxa de fecundidade vinha caindo e o ritmo de crescimento da população vinha se reduzindo.
Nos estertores do regime comunista na década de 1980, o ditador Nicolae Ceauescu atacou os direitos sexuais e reprodutivos e adotou uma série de políticas pronatalistas para incentivar o crescimento da população. O menor crescimento demográfico era visto como um entrave ao desenvolvimento da Romênia.
Todavia, com a queda do Muro de Berlim e o fim da URSS, a economia da Romênia entrou em crise, o ditador caiu e a renda per capita também caiu para US$ 12 mil no ano 2000 (igualando com a renda per capita brasileira). A população total do país começou a diminuir a partir de 1990.
Porém, houve uma significativa recuperação econômica nos anos 2000 e a renda per capita romena chegou a US$ 34,5 mil em 2024 e deve alcançar US$ 42,7 mil em 2029 (2,5 vezes a renda per capita brasileira), conforme mostra o gráfico abaixo. Ou seja, a Romênia superou a “armadilha da renda média” exatamente enquanto havia decrescimento da população e um forte envelhecimento da estrutura etária.
As pirâmides etárias da Romênia indicam uma redução da base e um alargamento do topo, conforme as figuras abaixo, da Divisão de População da ONU. Em 1950, a taxa de fecundidade total era de 3,1 filhos por mulher, a expectativa de vida ao nascer era de 62,2 anos e a idade mediana era de 25,2 anos. Em 2024, os números passaram para 1,74 filho por mulher, 77,3 anos e 41,8 anos. Em 2050, as projeções indicam uma taxa de fecundidade total era de 1,7 filho por mulher, a expectativa de vida ao nascer 81,5 anos e uma idade mediana de 46,2 anos. A Romênia tinha um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,827 em 2022, ocupando a 53ª posição no ranking global (o Brasil estava em 89ª posição).
A Romênia está saindo de um cenário de déficit para um quadro de futuro superavit ecológico. Em 1961, a pegada ecológica da Romênia era 43,4 milhões de hectares globais (gha) e a biocapacidade de 36,5 milhões de gha (havia um déficit de 6,9 milhões de gha. Em 1988, a pegada ecológica passou para 112,3 milhões de gha, para uma biocapacidade de 49,4 milhões de gha (havia um déficit de 62,9 milhões de gha). Mas, em 2022, a pegada ecológica ficou em 53,8 milhões de gha e a biocapacidade de 48,2 milhões de gha (o déficit diminuiu para 5,6 milhões de gha). Diminuindo o número de habitantes a pegada ecológica tende a cair e a biocapacidade tende a subir.
No pensamento convencional, o envelhecimento populacional conjugado com o decrescimento demográfico é interpretado como “armadilha gerontológica” ou “inverno demográfico” e seria o fim da linha para o desenvolvimento humano de qualquer nação.
Contudo, o exemplo da Romênia mostra que o decrescimento da população ajuda a reduzir o déficit ambiental e uma estrutura etária mais envelhecida não impede o crescimento da renda per capita. O decrescimento da população em idade ativa, de fato, significa o fim do 1º bônus demográfico. Mas os países podem contar com o 2º bônus demográfico – bônus da produtividade – e o 3º bônus demográfico – bônus da longevidade e da geração prateada.
Os idosos devem ser vistos como um ativo produtivo e não como um passivo que representa gastos de uma população improdutiva. O chamado “inverno demográfico” da Romênia pode se transformar em primavera social e ambiental. A redução da população não é um problema e pode se tornar uma solução.
Esta visão sobre o decrescimento populacional como oportunidade de progresso social e ambiental é apontada pelo renomado demógrafo Wolfgang Lutz, que traça um quadro bastante otimista do futuro da civilização humana se for dada prioridade à educação universal e, em particular, à educação feminina:
“Sim, mais investimentos em educação compensa em termos de maior bem-estar, e ainda mais quando combinado com níveis de fecundidade que levam ao declínio populacional a longo prazo em países individuais e, em última análise, em todo o mundo. Portanto, esta conclusão apoia o título do artigo, que afirma que o declínio da população global não é apenas provável, mas também irá beneficiar o bem-estar humano a longo prazo” (Lutz, 2023, p. 13).
Lutz argumenta que os benefícios de um maior foco na educação vão desde um menor tamanho desejado da família e o empoderamento para atingir esse objetivo, para uma melhor saúde familiar, para a redução da pobreza, para uma maior resiliência, para capacidades expandidas para mitigar e adaptar-se às mudanças climáticas e, em última análise, ao surgimento de melhores instituições e valores sociais que são menos obcecados com o consumo material e violento nacionalismo e mais preocupado com cooperação, cuidado e bem-estar.
O que acontece na Romênia não é um caso isolado. Como mostrei no artigo “Decrescimento da população da China com crescimento da renda per capita” (Alves, 13/03/2024) a China – a maior economia do mundo em termos de poder de paridade de compra – continua apresentando crescimento do PIB a mais de 4% ao ano na atual década, mesmo com a população em idade ativa já estar diminuindo há mais de 10 anos. A população total da China já está diminuindo desde 2022, mas a renda per capita continua aumentando. A China é um país de renda média, mas deve se transformar em país de renda alta, mesmo com o número de idosos superando o número de crianças e jovens de 0 a 14 anos.
O envelhecimento populacional é inexorável, mas isto não implica necessariamente em retrocesso nos indicadores sociais. O mundo será um lugar melhor para se habitar se o decrescimento populacional dos países for acompanhado do aumento da renda per capita e da redução da pegada ecológica e do déficit ambiental.
Um mundo com menor quantidade de pessoas, pode ser um mundo com maior qualidade de vida humana e ecológica.
Referências:
ALVES, JED. Decrescimento demoeconômico com elevação da prosperidade social e ambiental, Ecodebate, 20/01/2023
https://www.ecodebate.com.br/2023/01/20/decrescimento-demoeconomico-com-elevacao-da-prosperidade-social-e-ambiental/
ALVES, JED. Decrescimento da população da China com crescimento da renda per capita, Ecodebate, 13/03/2024 https://www.ecodebate.com.br/2024/03/13/decrescimento-da-populacao-da-china-com-crescimento-da-renda-per-capita/
LUTZ, Wolfgang. “Population decline will likely become a global trend and benefit long-term human
wellbeing.” Vienna Yearbook of Population Research 2023, pp. 1-15.
https://pure.iiasa.ac.at/id/eprint/18893/1/Lutz.pdf
José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
[ Se você gostou desse artigo, deixe um comentário. Além disso, compartilhe esse post em suas redes sociais, assim você ajuda a socializar a informação socioambiental ]
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
A manutenção da revista eletrônica EcoDebate é possível graças ao apoio técnico e hospedagem da Porto Fácil.
[CC BY-NC-SA 3.0][ O conteúdo da EcoDebate pode ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, à EcoDebate com link e, se for o caso, à fonte primária da informação ]