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Bacias-Esponja, Cidades-Esponja, a lógica cristalina

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Artigo de Álvaro Rodrigues dos Santos

Se ao menos a tragédia gaúcha escancarar a todos, especialmente aos administradores públicos e ao meio técnico-científico brasileiro, as causas essenciais das inundações verificadas, deixarão um enorme saldo no lado positivo dessa catástrofe.

Saldo positivo não capaz de compensar as enormes perdas e sofrimentos da população atingida, mas suficiente, caso tenhamos bom senso, para dar suporte a uma ação planejada e concentrada de combate aos referidos fatores causais essenciais.

Fato incontestável, as inundações foram provocadas por um enorme aumento do volume de águas de chuva aportado, em tempos extremamente reduzidos, ao sistema de drenagem das bacias hidrográficas envolvidas.

Esse sistema de drenagem, já com sua capacidade de vazão comprometida por intenso assoreamento, não sendo capaz de dar vazão a tal volume de água, extravasa o grande excesso hidrológico sobre suas áreas baixas lindeiras, e aí estão as grandes inundações.

Enfim, o resultado da equação básica das enchentes: “volumes crescentemente maiores de águas pluviais, em tempos sucessivamente menores, sendo escoados para drenagens naturais e construídas progressivamente incapazes de lhes dar vazão”.

Tanto no meio rural como no meio urbano as intervenções humanas têm implicado um aumento absurdo do Coeficiente de Escoamento Superficial, número que mede o volume de água que, não sendo retido por infiltração no terreno e molhamentos generalizados, escorre superficialmente em enxurradas em direção aos cursos d’água (o também chamado “run-off”). Como consequências, as inundações, a não alimentação das reservas estratégicas dos aquíferos subterrâneos e a potencialização do diabólico binômio erosão/assoreamento.

Como tem alertado o Eng. Florestal Prof. Osvaldo Ferreira Valente, da Universidade Federal de Viçosa, em artigos técnicos fundamentais, o aumento do escoamento superficial no meio rural é decorrência direta de práticas agrícolas tecnicamente equivocadas e descuidadas.

Sim, as matas ciliares têm funções importantíssimas, o que justifica todo o esforço em sua manutenção e recuperação, mas o que acontece a um curso d’água é reflexo do que sucede nas amplas vertentes de uma sub-bacia hidrográfica, e será nas vertentes agricultadas que deverão se concentrar as ações voltadas à recuperação de sua capacidade de retenção de águas de chuva.

No meio urbano, o mesmo cenário, as cidades, por força de sua impermeabilização, perdem a capacidade de reter as águas de chuva por infiltração e molhamentos, lançando-as em grande volume e instantaneamente sobre um sistema de drenagem – valetas, galerias, canais, bueiros, córregos, rios – não dimensionado para tal desempenho. E aí, as enchentes, ao menos em seu tipo mais comum.

Para se ter uma ideia da dimensão desse problema da impermeabilização considere-se que o Coeficiente de Escoamento Superficial na cidade de São Paulo está em torno de 85%; ou seja, 85% do volume de uma chuva escoa superficialmente comprometendo rapidamente o sistema de drenagem.

Em uma floresta, ou um bosque florestado urbano, acontece exatamente o contrário durante um temporal, o Coeficiente de Escoamento Superficial fica em torno de 20%, ou seja, cerca de 80% do volume das chuvas é retido na floresta por molhamento, encharcamento e infiltração.

Excessiva canalização de córregos e o enorme assoreamento de todo o sistema de drenagem por sedimentos oriundos de processos erosivos e por toda ordem de entulhos de construção civil e lixo urbano compõem fatores adicionais que contribuem para lançar as cidades a níveis críticos de dramaticidade no que ser refere a danos humanos e patrimoniais associados aos fenômenos de enchentes.

A lógica é cristalina, não haverá solução possível para o fenômeno das enchentes sem a recuperação da capacidade dos terrenos do meio rural e urbano em reter águas de chuva.

No meio rural as soluções estão na adoção de práticas agrícolas que incorporem a técnica do terraceamento, a implantação de reservatórios de infiltração, o reflorestamento de áreas não agricultadas, a conservação das matas ciliares…

Para o meio urbano as soluções apontam para enorme elenco de medidas, virtuosamente utilizadas em vários países: reservatórios domésticos e empresariais para acumulação e infiltração de águas de chuva, calçadas e sarjetas drenantes, pátios e estacionamentos drenantes, valetas, trincheiras e poços drenantes, multiplicação dos bosques florestados por todo o espaço urbano, etc.

Enfim, as evidências todas nos indicam o caminho a seguir para a redução de riscos de inundações: sob a lógica cristalina das Bacias-esponja e das Cidades-esponja os esforços deverão se concentrar em recuperar as funções hidrogeológicas básicas da Natureza.

De quebra, as reservas de água subterrânea nos agradecerão e nos recompensarão.

Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br)

  • Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas

  • Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos”, “Cubatão”, “Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções”, “Manual Básico para elaboração e uso da Carta Geotécnica”, “Cidades e Geologia”

  • Consultor em Geologia de Engenharia e Geotecnia

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in EcoDebate, ISSN 2446-9394

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