A voz dos Povos Originários deve ser ouvida na COP30
Acreditamos, na sabedoria e resistência ancestral dos povos originários, que nos ensinam por séculos: nós somos parte da Terra! A Terra é Parte de Nós! Um é a extensão do outro, nós não vivemos a sós
Artigo de Dorismeire Vasconcelos
A 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 30) em 2025 é uma janela de oportunidades de visibilizar e fortalecer a incidência e a luta por garantia de direitos territoriais e ambientais junto ao Estado Brasileiro, aos Estados partes das Nações Unidas e à União Europeia para o enfrentamento e combate às mudanças climáticas, por isso, é importantíssimo considerar nesse processo as vozes dos povos originários.
Ao compreender que Conferência da Parte do Clima é uma Conferência das Nações Unidas, que reúnem vários representantes de governos dos Estados e várias organizações da sociedade civil, onde se estabelece negociações que definirão medidas para conter a crise climática em escala global, não há como não considerar a inclusão das lideranças dos povos originários com seus saberes, suas resistências e suas ações em defesa da vida e do Bem Viver. São povos que por séculos vêm mantendo o cuidado e o equilíbrio dos ecossistemas do planeta e de seus territórios no enfrentamento as consequências das mudanças climáticas.
A Conferência das Partes sobre Mudança do Clima é realizada anualmente, depois da adoção da Conversão – Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (CQNUMC), no tratado assinado em 1992 Eco 92, que estabeleceu as obrigações países (ou partes) e da União Europeia para combater as mudanças climáticas. A primeira COP pelo Clima ou de Mudanças Climáticas foi realizada em 1995 em Berlim e, desde então, as COPs, são realizadas em diferentes lugares do mundo. Porém, é bom destacar a importância da 3ªCOP e a 21ª COP pelo valor e avanço obtido nas negociações:
- em de 1997, na cidade de Kyoto que firmou o primeiro protocolo legal para limitar as emissões de gases de efeito estufa, conhecido como Protocolo de Kyoto, onde os países signatários se comprometeram a reduzir suas emissões em 5% até 2012;
- e a COP21/2015, na cidade de Paris, ficou marcada pelo Acordo de Paris que estabeleceu metas específicas de redução das emissões de gases efeito estufa para limitar o aumento das temperaturas e os impactos das mudanças climáticas, como os eventos extremos (inundações, seca extrema, ondas de calor, etc). As demais COPs visaram a discussão no comprimento e avaliação das medidas adotadas pelos países para cumprimento das conversões.
A COP 28/2023, realizada na cidade de Dubai, Emirados Árabe, foi considerada um encontro histórico pelos resultados que ela obteve com relação à matriz energética mundial, visando à transição efetiva da dependência de combustíveis fósseis para a maior utilização de fontes renováveis de energia. Os países-membros da convenção concordaram que a transição energética é um passo essencial para reduzir a emissão de gases do efeito estufa. Tal transição seria feita mediante a menor dependência dos combustíveis fósseis, mas sem a sua eliminação. Entretanto, uma crítica feita à COP 28 é a de que a maneira essas mudanças serão feitas, porque não foram explicitadas pelos Estados.
O objetivo da transição energética, é a neutralidade das emissões, o que é chamado também de neutralidade climática. Isso significa que o volume de gases do efeito estufa emitidos deverá ser equivalente àqueles absorvidos por agentes como a vegetação. Nesse sentido, cabe a cada um dos países participantes elaborar suas estratégias para atingir esse objetivo até o ano de 2050.
A participação do Brasil na COP 28 resultou no lançamento do Mapa do Caminho para a emissão 1.5, que visa à apresentação de medidas por parte dos países para a maior cooperação internacional visando o aumento de temperatura máximo de 1,5º C. Esse valor de 1,5º C foi estabelecido pelo Acordo de Paris como o limite, embora crítico, menos danoso para a manutenção dos ecossistemas e dos ciclos naturais do planeta Terra.
A COP 29 será em Baki Azerbaijão, todavia a escolha do local, foi criticada, por se tratar de um país que apresenta forte produção e consumo de combustíveis fósseis. E a COP 30 a se realizar em 2025, quando o órgão completará 30 anos, será sediada no Brasil, na cidade de Belém, no estado do Pará. Trata-se de uma capital localizada no bioma amazônico, que abriga uma das maiores biodiversidades do mundo e cuja conservação é crucial para o equilíbrio do clima no planeta Terra.
Assim, as COPs têm como finalidade a revisão dos instrumentos legais que foram implementados pela UNFCCC, os quais receberam a adesão dos seus países-membros à convenção. E para o acompanhamento e avaliação necessária, como a atualização das medidas adotadas pelos países signatários, observando o progresso ou não nas suas políticas de contenção da emissão dos gases do efeito estufa responsáveis pelo aquecimento global.
Se assim está prescrito, os cenários políticos da COP 30, a ser realizada no Brasil, na região amazônica, destaca pontos importantes: primeiro a conferência traz aos brasileiros a oportunidade de projetarmos o país como líder ambiental global, por toda sua luta socioambiental realizada por tantas organizações sociais a ambientais desde a ECO 92 no processo das COPs. Segundo, temos um cenário de possibilidade de mudança da história do clima num esforço coletivo para frear a crise climática, que ameaça todo o planeta e assim evitar o ponto de não retorno. O terceiro é a oportunidade de fincar na Amazônia, ecossistema importante ao equilíbrio dos demais biomas e do planeta, um legado de garantia de direitos territoriais, dos povos e de políticas públicas de qualidade e eficazes aos povos amazônicos.
Por isso, faz-se necessário, incidir para que a COP 30, seja um processo que garanta a participação efetiva dos povos originários nos debates sobre a crise climática e a incorporação de seus talentos e sabedorias como parte das soluções, para que os governos nacionais apresentem em suas definições de NDCs, metas de emissão de gases causadores de efeito estufa para alcançar coletivamente um volume de cortes de emissões que seja suficiente para travar a elevação da temperatura da Terra em 1,5°C , como pede o Papa Francisco em sua Exortação Apostólica Laudate Deum, publicada em 4 de outubro do ano passado.
Mas esse caminho, começa antes da COP 30 em novembro de 2025, é um processo contínuo de incidência territorial, nacional e internacional que impulsione, no nosso caso o Brasil, a liderar o compromisso com uma meta de redução de emissões à altura da sua ambição; que países desenvolvidos, maiores responsáveis pela crise climática, apresentem compromissos com suas obrigações de enfrentamento as consequências climáticas, visando a mitigação dos impactos dessa consequência junto as populações em vulnerabilidade do sul global; uma transição energética justa que troque combustíveis fósseis como petróleo, gás e carvão por energia renováveis produzidas de maneira respeitosa com o meio ambiente e os povos originários e comunidades tradicionais; ações que zerem o desmatamento, mantendo a floresta em pé; valorizar a sociobiodiversidade e remediar os impactos das consequências das mudanças climáticas junto as populações da terra, das águas, das florestas, campos e cidades; que os financiamentos e fundos climáticos, especialmente os que se destinam à adaptação, alimentem mecanismos de financiamento direto às organizações dos povos sem que passem por governos ou outros intermediários e isso possa garantir autodeterminação dos povos, proteção territorial, economia sustentável e sociobiodiversidade, fortalecimento institucional, autodeterminação e direito dos povos.
Assim como se faz necessário oportunizar, incentivar e apoiar a preparação de jovens lideranças dos povos para incidência direta com negociadores, como na luta pela inclusão da demarcação de territórios, regularização fundiária e o “reconhecimento formal” da importância do conhecimento e dos territórios indígenas na resposta aos desafios do clima, para que no acordo final da Conferência, o Brasil possa garantir os direitos territoriais, enfrentar os grandes desafios socioambientais, que impactam e violam direitos dos povos e da natureza, e assim possa cumprir com compromissos climáticos, para evitarmos o ponto de não retorno do planeta.
É por isso, que os povos em sua resistência ancestral têm firmado uma luta de incidência por séculos junto a pauta da garantia de direitos e de enfrentamento aos impactos das mudanças climáticas consequências das ações gananciosas de exploração dos recursos naturais, sem respeitar os ecossistemas do planeta. E voltam seus olhares, forças e ações para articularem e incidirem na COP da Amazônia, numa grande convergência com outros povos, organizações, movimentos sociais, sindicais e redes, visando uma ação antes, durante e depois da COP 30, fortalecendo o legado de lutas por garantia de direitos, pautando bandeiras comuns e globais de luta numa grande mobilização para a realização da Cúpula dos Povos Rumo COP 30. Não dá mais para falarem, discutirem e definirem acordos sobre os povos e seus territórios, sem os povos estarem nos espaços de tomada de decisões.
Nesse sentido, o governo brasileiro, anfitrião da COP 30, criou no último dia 1/04/2024 a Secretaria Extraordinária que coordenará a preparação para que a Amazônia, em Belém (PA), receba a Conferência do Clima (COP 30). Com a criação dessa Secretaria ficará sobre a responsabilidade da Casa Civil do governo brasileiro, fazer o país reafirmar seu compromisso de mostrar ao mundo que a preservação da Amazônia significa cuidar da biodiversidade, cuidar das pessoas que vivem na região, dar dignidade a todas elas, e garantir o papel central que a floresta tem no combate ao aquecimento global e às mudanças climáticas. Oxalá, essa secretaria possa alcançar essa meta, já que há muitos desafios no campo logístico, de políticas públicas básicas à população e de cuidado e preservação ao ecossistema amazônico serão enfrentados nos próximos meses que antecedem o evento. E que também seja um espaço para a participação social dos povos amazônicos.
Portanto, acreditamos, na sabedoria e resistência ancestral dos povos originários, que nos ensinam por séculos: nós somos parte da Terra!!! A Terra é Parte de Nós!!! Um é a extensão do outro, nós não vivemos a sós. O que falta para entendermos que, quando cuidamos do planeta, o planeta cuida de nós. Preservar é tão simples basta respeito, cuidado e um pouco de consciência. Ou fazemos algo agora, ou mais tarde, será tarde por demais! É tempo, é hora e é agora. É nossa responsabilidade como cidadãos do mundo mudarmos a fatídica história do clima.
Dorismeire Vasconcelos, é leiga consagrada da Ordem Franciscana Secular, articuladora da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM-Brasil), ativista socioambiental e militante de diversos movimentos sociais e ambientais do Xingu (PA).
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in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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