Tráfico de espécies animais silvestres impacta os ecossistemas
A partir da apreensão de ovos de arara-azul-de lear, Cristina Yumi Miyaki adverte que toda a fauna e flora de um ecossistema estão interligadas e suas interações complexas são modificadas por essa prática criminosa
Por Julio Silva*, Jornal da USP
Tráfico de espécies animais causa impactos em todo o meio ambiente
No início de fevereiro, mãe e filha ucranianas foram presas na cidade mineira de Governador Valadares por tráfico internacional de animais silvestres, após serem flagradas transportando uma incubadora com ovos de arara-azul-de-lear (Anodorhynchus leari), espécie endêmica da Caatinga brasileira que está presente na lista oficial de espécies brasileiras ameaçadas de extinção, divulgada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Cristina Yumi Miyaki, professora do Instituto de Biociências da USP, explica os riscos que essa prática ilegal traz às espécies ameaçadas de extinção e à estabilidade dos ecossistemas nacionais.
Riscos
Segundo a docente, a captura de espécies através do tráfico ilegal causa um impacto não apenas na população desse animal, mas também em todo o ambiente e nos outros indivíduos com os quais ele se relaciona, uma vez que toda a fauna e flora de um ecossistema estão interligadas e suas interações complexas são modificadas pela prática ilícita.
“A perda de uma espécie que é a principal dispersora de sementes de uma determinada árvore vai afetar essa espécie de árvore que, por sua vez, pode ser abrigo para uma terceira espécie e assim por diante”, exemplifica a especialista.
De acordo com a professora, a maioria dos indivíduos apreendidos pelo tráfico ilegal são capturados diretamente da natureza e não sobrevivem ao processo de transporte até o destino final, pois não estão acostumados a conviver fora de seu habitat natural. Ela explica também que, para capturar animais que vivem em troncos, toda a estrutura da árvore é derrubada pelos criminosos e a perda para essa espécie torna-se ainda maior.
Dados
Segundo uma pesquisa realizada pela Renctas (Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres), a estimativa é de que cerca de 38 milhões de espécimes sejam retiradas da natureza brasileira todo ano pelo tráfico ilegal. Além da perda para o ecossistema que a ausência de uma espécie pode causar, sua reinserção em um ambiente novo interfere diretamente no equilíbrio ecológico desse local.
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) estima que cerca de 80% dos animais traficados são aves, sendo a maioria da ordem Passeriforme, ou seja, os passarinhos. A tradição brasileira de ter essas aves em gaiolas, além da beleza das plumas e do canto, são alguns dos fatores que explicam a alta taxa de exploração ilegal dessas espécies.
Órgãos de preservação
Segundo Cristina, a autoridade governamental responsável pela conservação das espécies ameaçadas de extinção no Brasil é o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que pertence ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. Ela explica que o órgão coordena ações nacionais de combate à exploração animal em parceria com instituições e organizações não-governamentais (ONGs) nacionais e internacionais.
“Além da captura de animais por meio do tráfico ilegal, a destruição e degradação do ambiente, ou seja, do habitat, é uma outra ameaça importante que pode diminuir a área onde as espécies podem habitar ou ainda isolar suas populações em pequenas manchas de ambiente adequado, limitando então a sua dispersão”, afirma.
Um levantamento realizado pelo ICMBio mostra que das 12.256 espécies da fauna brasileira analisadas, 1.173 estão ameaçadas de extinção. Aliadas ao tráfico ilegal, outras ações humanas como queimadas e destruição dos ecossistemas para implementação de atividade agropecuária são as principais responsáveis pela grande quantidade de indivíduos em risco.
Métodos de prevenção
Conforme Cristina Yumi Miyaki, o combate ao tráfico ilegal exige ações coordenadas de diversas áreas, mas ela destaca a educação e conscientização de toda a população, além da fiscalização com inteligência na investigação por parte das autoridades, como fatores preponderantes no enfrentamento dessa problemática. A especialista conta que o Estado precisa exercer um forte apoio nos níveis federal, estadual e municipal para auxiliar os órgãos fiscalizadores.
“Também é necessário diminuir a alta demanda desses animais que, por muitas vezes, é internacional e por isso implica na necessidade de articulação entre diferentes países. Por isso é um tema tão complexo”, finaliza.
*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira
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in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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