Crise Climática: Sem compromisso global pode ser tarde demais
Crise Climática: Sem compromisso global pode ser tarde demais
Informações divulgadas na Cúpula do Clima (COP28), apontam que se não houver um compromisso global sério e imediato de enfrentamento das causas da crise climática poderá ser tarde demais
Texto: Rose Talamone*
Arte: Moisés Dorado
Jornal da USP
“Esta é a primeira geração a entender completamente a mudança climática e a última a ser capaz de fazer algo sobre isso.” As palavras de Petteri Taalas, secretário-geral da Organização Metereológica Mundial (OMM) poderiam parecer exageradas no passado, mas na 28ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP28), que ocorreu em Dubai nos Emirados Árabes, no início do mês, elas soaram incontestáveis, corroboradas pelos dados sobre a emergência climática divulgados durante o evento. O secretário-geral da ONU, António Guterres, classificou o momento como colapso ambiental no planeta, com recordes de temperaturas, ondas de calor, tempestades, enchentes e incêndios florestais devastadores.
A COP28 enfrentou tensões e debates intensos sobre a menção explícita à eliminação progressiva dos combustíveis fósseis no documento final. O secretário-geral da ONU enfatizou o inevitável dessa eliminação para combater as alterações climáticas, destacando a urgência de agir antes que seja tarde demais.
Embora alguns considerem que tenha havido avanços, como compromissos para ampliar o uso de energias renováveis e melhorar a eficiência energética até 2030, para outros questões cruciais permanecem. O Fundo para Perdas e Danos foi operacionalizado, mas com compromissos financeiros limitados, deixando os países mais vulneráveis em risco. Apesar de alguns aplausos, representantes de pequenos países insulares e ativistas climáticos expressaram decepção, alegando que o texto final continha lacunas que permitiam rotas de fuga para a indústria de combustíveis fósseis.
A professora Patrícia Iglecias, superintendente de Gestão Ambiental da USP e integrante da delegação da Universidade de São Paulo, participou durante o encontro de diversos painéis sobre a questão climática e o papel da academia e do Brasil nesse cenário. Ela acredita que, muito embora ainda sejam necessárias metas mais robustas e mensuráveis, como a inclusão dos aspectos sociais, houve avanços importantes na COP28, como a conscientização da necessidade de eliminação progressiva dos combustíveis fósseis e o reconhecimento da importância das tecnologias de abatimento para os setores nos quais a mitigação não é fácil.
Além disso, diz a professora, houve a inclusão de temas como os sistemas alimentares resilientes e a proteção e restauração de ecossistemas, que sempre ficaram de fora das discussões na agenda climática. “O balanço é positivo e reforça o papel da academia na agenda climática e o acerto da USP com os novos centros de pesquisa no âmbito da Reitoria, permitindo que docentes, discentes e pesquisadores dediquem-se aos temas mais relevantes do contexto climático atual.”
Para a professora Tamara Gomes, da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA) da USP de Pirassununga e também integrante da delegação da USP na COP28, as negociações durante esta edição avançaram pouco, principalmente na questão energética, mas ficou evidente que o Brasil tem tudo para liderar a corrida pela descarbonização, seja pela expertise na matriz energética limpa, seja pela captura de carbono pela manutenção das florestas e pela agricultura regenerativa. “A principal tarefa de casa é identificar como promover uma economia de baixo carbono, com justiça climática, num país em que as desigualdades sociais são enormes”, ressalta.
Para garantirmos um futuro sustentável, diz a professora Fernanda Brando Fernandez da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP e membro da delegação da USP, é fundamental que aqueles envolvidos na academia e nas esferas decisórias priorizem a discussão das mudanças ambientais globais com base científica. Isso implica utilizar pesquisas interdisciplinares que abordem os diversos impactos das mudanças climáticas em áreas como energias renováveis, recursos hídricos, saneamento, resíduos, agricultura, saúde, urbanismo, biodiversidade, todos interligados.
Para a COP30, que será realizada no Brasil em 2025, Fernanda espera que, assim como ocorreu na ECO92 e na Rio+20, mais uma vez seja “uma oportunidade para colocar o País no protagonismo das discussões ambientais globais, trazendo para a arena um debate técnico sobre biodiversidade que carece de atenção mundial e melhor articulação com a pauta climática”, diz.
O retrato do caos
Os impressionantes números divulgados na COP28 dão uma dimensão do efeito dominó provocado pela persistência e aumento da emissão de gases poluentes e o consequente aumento da temperatura global
Recordes de emissões – Na contramão da urgência, foi registrado o recorde por queima de combustíveis fósseis, 36,8 bilhões de toneladas, 1,1% maior que em 2022 e 6% maior desde o Acordo de Paris, sendo os países do G20 responsáveis por 80%. Os maiores poluidores são os Estados Unidos, seguidos pela União Europeia (ambos com ligeira queda) e pela China (aumento de 4%). Somadas às outras emissões, o total aumenta para 40,9 bilhões de toneladas este ano. A Índia teve aumento das emissões de CO2 de mais de 8% e ultrapassou a União Europeia como o terceiro maior emissor de combustíveis fósseis. A poluição do ar já é responsável por cerca de 7 milhões de mortes prematuras a cada ano no mundo.
Altas temperaturas – Relatório do PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) apontou que as temperaturas médias globais estiveram 1,8°C acima dos níveis pré-industriais em setembro de 2023. Junho, julho, agosto, setembro e outubro foram considerados os meses mais quentes da história, com repercussão direta na produção de alimentos, na saúde humana, de animais e de plantas, na sobrevida de recifes de coral e na vida marinha como um todo. As ondas de calor mortais, de mais de 20 dias, afetaram mais de um terço da população mundial. Estima-se que entre os anos 2000 e 2019 quase meio milhão de pessoas morreram, por ano, vítimas do calor extremo, 45% na Ásia e 36% na Europa.
Derretimento de gelo – Em setembro de 2023, o nível do gelo marinho da Antártida estava 1,5 milhão de quilômetros quadrados menor do que a média esperada para esta época do ano. A área equivale a Portugal, Espanha, França e Alemanha somados. O seu derretimento poderá atingir populações costeiras de todo o mundo, com o aumento do nível do mar, inundações e intrusão de água salgada, comprometendo a produção de alimentos e a segurança hídrica. O desaparecimento do gelo, que reflete os raios de sol, também contribuirá para o aumento do calor.
Refrigeração – Um grave problema ambiental vem a reboque das altas temperaturas: o aumento da demanda por condicionadores de ar e equipamentos de resfriamento, grandes consumidores de energia e geradores de gases de efeito estufa, com tendência de crescimento de 20% do consumo total de eletricidade até 2050. O resfriamento convencional, como o ar-condicionado, responde hoje por mais de 7% das emissões globais. Por outro lado, nos países vulneráveis, estima-se que mais de 1 bilhão de pessoas correm riscos por falta de acesso a estes serviços, devido ao calor extremo, reduzindo a renda dos agricultores, a qualidade e segurança de alimentos e dificultando o acesso universal às vacinas.
Falta de água – A previsão é que o número de países expostos a um nível de pressão hídrica alto ou extremamente alto aumente de 47 para 58 até 2080. Segundo o Unicef, pelo menos um terço das crianças no mundo (953 milhões em 2022) estavam expostas a esta situação, nas regiões do Oriente Médio, norte da África e Sul da Ásia. A América Latina será a segunda região com maior escassez hídrica, com uma perspectiva de alta de 43% na demanda de consumo de água até 2080.
Populações vulneráveis – De acordo com o Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas, quase metade da humanidade, perto de 3,5 bilhões de pessoas, vive em zonas altamente vulneráveis às alterações climáticas. Pelas contas da ONU, os países em desenvolvimento enfrentam um déficit de investimento anual de US$ 2,2 bilhões para a transição energética e de US$ 4 bilhões para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, ODS.
Deslocados por desastres climáticos – Das 17,7 milhões de pessoas internamente descolocadas, segundo a Organização Internacional para Migração, 2 milhões foram vítimas de desastres relacionados a eventos climáticos e de tempo. Secas, enchentes, tempestades, furacões e ciclones provocaram a maior parte dos deslocamentos induzidos por desastres em 2018. O programa Sistemas de Alerta Precoce para Todos, lançado no ano passado pela ONU, aponta a necessidade de alertas para salvar vidas diante de eventos climáticos extremos. O custo estimado da proteção seria de cerca de US$ 3 bilhões. Em países com cobertura limitada de alerta precoce, a mortalidade por desastres é oito vezes maior do que em países com cobertura substancial ou abrangente.
Colaboração na cobertura da COP28: Ferraz Junior e Cinderela Caldeira.
Henrique Cortez *, edição.
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in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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