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Artigo

O Bioma Pampa ameaçado pelo agronegócio

 

artigo de opinião

O Bioma Pampa ameaçado pelo agronegócio, artigo de Eduardo Luis Ruppenthal

Entre os seis biomas brasileiros, o Pampa é o mais esquecido, o que possui os maiores índices de perda de vegetação nativa

No Dia do Bioma Pampa, 17 de dezembro, tivemos muito pouco a comemorar. Alertar, refletir e principalmente lutar por esse bioma brasileiro, que é exclusivo do Rio Grande do Sul, em torno de 68 % do território gaúcho, que se estende para os países vizinhos do Uruguai e da Argentina, que possui uma riqueza na sua sociobiodiversidade, única e exclusiva. E de uma importância histórica e cultural, que está presente na formação do povo desse território, desde aos povos originários, os primeiros aos habitantes dos dias atuais.

Entre os seis biomas brasileiros – Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, Pantanal e Amazônia, Pampa – é o mais esquecido, o que possui os maiores índices de perda de vegetação nativa, segundo os dados do MapBiomas (1985 a 2022) é uma perda de 9,1 milhões de hectares em 38 anos, o que equivale a uma perda anual média de 240 mil hectares, em torno de cinco vezes o município de Porto Alegre por ano.

Se não bastasse isso, ao mesmo tempo o menor índice de conservação de todos os biomas, somente poucos mais de 2% do território sob proporção de parques e reservas, sendo que os existentes estão em categorias de Unidades de Conservação (UC) das Áreas de Proteção Ambiental (APA) que são de baixa proteção, pois é permitido diversas intervenções antrópicas e o que não assegura a proteção necessária.

Essa conversão acelerada do bioma Pampa se deve principalmente à conversão dos campos nativos, extremamente ricos em biodiversidade, em áreas agrícolas, basicamente por monoculturas, com destaque principal para a soja, um avanço fora de controle e sem precedentes, já que se caracteriza inclusive como expansão das últimas fronteiras agrícolas no estado do RS, onde antes havia somente pecuária, esta incorporada e adaptada dentro dos campos, e das monocultura arbóreas: pinus e eucalipto. Sendo que os eucaliptais em maior escala, dominam, modificam e transformam o cenário e a paisagem pampeana.

Essas ameaças principais estão baseadas no modelo de desenvolvimento agrohidroexportador de comodities , que a partir dos anos 2000, é reafirmado e aprofundado com políticas públicas, financiado pelo Estado brasileiro, nos diversos governos estaduais e federais com vastos recursos públicos. E isso em toda a cadeia produtiva necessária: desde Planos Safras bilionários, investimentos em aumento da indústria de celulose, infraestrutura em rodovias e portos, mas também na flexibilização da legislação ambiental, tanto na alteração Código Florestal em 2012, e da não implementação de mecanismos de proteção como o Cadastro Rural (CAR), um impasse de uma década para o Pampa, como também recentemente das alterações pró-celulose, no Zoneamento Ambiental da Silvicultura (ZAS) no Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema). Esse processo é capitaneado pela Bancada Ruralista, tanto em nível federal e estadual, como também pelas entidades de classe representativas do agronegócio como a Farsul e CNA.

Um modelo hidroexportador se deve à exportação de água virtual, através dessas comodities, pois para serem produzidas, desde a irrigação no plantio até o exportação, há necessidade de enormes quantidades de água, que muitas vezes são invisíveis no processo. Mas lembrando que se não houvesse essa oferta de água, esses cultivos agrícolas não conseguiriam vingar e nem estabelecer toda a cadeia como a produção da celulose. Neste contexto, é importante ressaltar a presença do Aquífero Guarani em cima de todo o Bioma Pampa, que sofre as consequências desse modelo agrícola degradador, diretamente pela destruição dos ecossistemas, mas também indiretamente pelo alto uso e descontrolado de agrotóxicos. No contexto das mudanças climáticas, a degradação do Pampa, se expressa em eventos climáticos cada vez mais extremos e mais intensos, como estiagens, secas, enchentes e temporais com granizo.

Assim, é extremamente importante, garantir maior proteção em relação ao Bioma Pampa, tanto em lei específica como a da Mata Atlântica, conseguir que tenha um status de proteção e investimentos para a conservação. Lutar pela implementação de Unidades de Conservação de proteção integral, pois é necessário, devido a perda acelerada de ecossistemas. Essa medida é emergencial, temos que proteger antes que desapareça tudo. E a principal ação deve ser na mudança profunda ao modelo de desenvolvimento atual vigente, o agronegócio, já que para este, não há limites, já que sua lógica expansionista e degradadora, está na sua essência, é inerente ao seu funcionamento, que ao mesmo tempo exporta soja e celulose, exporta água e toda a nossa sociobiodiversidade, nossa cultura, nossa história, o nosso Pampa. Pela proteção do Pampa, pelo seu direito de existir, pelo Bioma Pampa, é urgente e necessário um outro modelo de desenvolvimento.

Eduardo Luis Ruppenthal – Biólogo, professor da rede pública estadual, especialista em Meio Ambiente e Biodiversidade (UERGS), mestre em Desenvolvimento Rural (PGDR-UFRGS), militante do coletivo Alicerce e da Setorial Ecossocialista do PSOL/RS

 

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in EcoDebate, ISSN 2446-9394

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One thought on “O Bioma Pampa ameaçado pelo agronegócio

  • Laudir Luiz Auozani

    Parabéns Eduardo Luis Ruppenthal pelo excelente artigo. Comecei minha vida profissional na década de 70, na Cooperativa Tritícola de Cruz Alta (COTRICRUZ), que faliu na década de 90, quando a cultura da soja, em acelerada expansão, começou a ocupar as terras das grandes fazendas o bioma Pampa. Com a política de incentivo do Governo Federal, bastava o agricultor (na época empresário agrícola), pegar uma Carta de Anuência, de seis anos, e ir no BB, onde recebia o financiamento, altamente subsidiado. Paulatinamente o Bioma Pampa foi ocupado. Na última vez que fui a Santana de Livramento\Rivera, divisa cm o Uruguai – há cinco anos – vi os campos cobertos de soja – Que bom encontrar seu artigo, abordando o tema.. Abraços

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