Lixo eletrônico: pedras artificiais no meio do ambiente
Lixo eletrônico: pedras artificiais no meio do ambiente, artigo de Eduardo Fernando Uliana Barboza
O e-lixo, nome dado para todo componente eletrônico descartado na natureza sem tratamento, polui o meio ambiente e causa problemas de saúde pública
No meio do caminho tinha uma pilha. Tinha uma bateria no meio do caminho. Tinham smartphones, computadores, televisores, rádios e outros aparelhos eletrônicos no meio do caminho. Você deve achar que tem alguma coisa errada com este poema de Carlos Drummond de Andrade. Mas não tem nada errado, ele foi apenas atualizado. As pedras drummondianas foram substituídas por aparelhos eletrônicos descartados de forma irregular no meio ambiente. Mas seja no texto original ou agora nesse modificado, o poema continua atual e as pedras ainda estão no caminho.
Se o poeta estivesse vivo ia se deparar com uma produção anual de 53,6 milhões de toneladas de lixo eletrônico e elétrico produzidos globalmente, uma média de 7,3 kg por pessoa, segundo o relatório Global E-Waste Monitor 2020 da Organização das Nações Unidas (ONU). Desse total, apenas 17,4% é reciclada. A pesquisa estima que em 2030 o lixo eletrônico gerado no mundo chegará a 74 milhões de toneladas por ano.
Ainda de acordo com E-Waste Monitor, em 2019, a China produziu 10,1 milhões de toneladas de lixo eletrônico. Depois estão os Estados Unidos, com 6,9 milhões de toneladas e a Índia com 3,2 milhões. Os três países foram responsáveis por quase 38% do lixo eletrônico produzido no mundo naquele ano.
Segundo a Green Eletron, gestora sem fins lucrativos que trabalha com logística reversa de equipamentos eletroeletrônicos, o Brasil produz aproximadamente 2 milhões de toneladas de lixo eletrônico por ano, sendo que apenas 3% desse montante é reciclado. O país está entre os cinco maiores produtores de lixo eletrônico no mundo, ficando atrás apenas de China, Estados Unidos, Índia e Japão.
Em toda América Latina, também apenas 3% do lixo eletrônico é descartado da forma correta e tratado de uma maneira que respeita o meio ambiente, como mostra pesquisa Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (Unido).
Conforme aponta a entidade, os outros 97% do e-waste gerado na América Latina não são monitorados, sendo que muitos desses materiais contêm metais preciosos e poderiam ser recuperados, gerando uma receita equivalente a US$ 1,7 bilhão por ano e novas oportunidades econômicas.
Já o relatório da Plataforma para Aceleração da Economia Circular (PACE) e da Coalizão das Nações Unidas sobre Lixo Eletrônico, prevê que o nível de produção de lixo eletrônico global deverá alcançar 120 milhões de toneladas ao ano em 2050. Além disso, aproximadamente 62,5 bilhões de dólares, mais que o PIB de muitos países, são desperdiçados com o lixo eletrônico não reciclado todos os anos.
O e-lixo, nome dado para todo componente eletrônico que é descartado na natureza sem tratamento, não polui apenas o meio ambiente. Também causa problemas de saúde pública, uma vez que expõe as pessoas a substâncias perigosas e cancerígenas como mercúrio, chumbo e cádmio. A presença de lixo eletrônico em aterros contamina o solo e os lençóis freáticos, colocando em risco sistemas de fornecimento de alimentos e recursos hídricos.
“Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas”, com certeza essa seria a parte do poema “No meio do caminho”, que Drummond usaria para expressar sua indignação com o rumo que a sociedade tomou.
Estima-se que 40% das pilhas comuns vendidas sejam falsificadas, produzidas sem controle, podendo conter um teor de metais pesados superior ao permitido pela legislação ambiental brasileira. Substâncias tóxicas como chumbo, cádmio, arsênio e mercúrio, presentes nas pilhas, baterias e placas eletrônicas podem entrar na cadeia alimentar por meio das águas utilizadas na irrigação de produtos agrícolas ou por organismos aquáticos, que servem de alimento para peixes, que por sua vez nos alimentam.
Além disso, o relatório da PACE e da Coalizão das Nações Unidas sobre Lixo Eletrônico aponta que a gestão inadequada do lixo eletrônico resulta em uma perda significativa de materiais brutos escassos e valiosos, como ouro, platina, cobalto e elementos terrestres raros. Para se ter uma dimensão do prejuízo econômico, 7% do ouro do mundo podem estar atualmente no lixo eletrônico, com 100 vezes mais ouro em uma tonelada de lixo eletrônico do que em uma tonelada de minério de ouro.
E agora, José? O que podemos fazer para diminuir os impactos do lixo eletrônico nas nossas vidas? A reciclagem e a implantação de sistemas de logística reversa são as melhores saídas para minimizar os efeitos pós-consumo. A coleta seletiva e a reutilização de materiais eletrônicos pode gerar renda e mais qualidade de vida para todos. De um quilo de smartphone, por exemplo, pode-se reaproveitar de 100 a 150 mg (miligramas) de ouro, 400 a 600 mg de prata, 20 e 30 mg de paládio, 100 a 130 gramas de cobre e 200 gramas de plástico. Em um microcomputador, 94% de seus componentes são recicláveis.
Mas a melhor forma de mudar essa situação é por meio da educação ambiental, que deve começar bem cedo. Seja dentro de casa ou nas escolas, crianças e jovens precisam aprender a separar os recicláveis e rever a própria maneira como consume, produz e depois descarta seus resíduos. Isso porque a questão ambiental ocupa cada vez mais espaço em nossas vidas. Escassez de água, falta de energia, acumulo de lixo e aquecimento global são temas que já estamos vivenciando. A ligação de tudo isso com nosso estilo de vida, nossa saúde e nosso comportamento não é uma discussão apenas necessária, é fundamental.
Documentários como Lixo Extraordinário, que mostra a vida dos catadores de material reciclável no antigo aterro sanitário do Gramacho, e o clássico Ilha das Flores que, contando a saga de um tomate, faz uma crítica ácida à nossa sociedade de consumo, são bons exemplos de como a arte pode ajudar nesse processo de educação, revisando hábitos de consumo, perspectivas e conceitos.
No Brasil, a destinação correta do lixo eletrônico está prevista na Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010) e é regulamentada pelo Decreto Federal 10.240/2020. Este dispositivo define metas para os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes sobre a quantidade de pontos de Entrega Voluntária (PEV) que devem ser instalados, o número de cidades atendidas e o percentual de aparelhos eletroeletrônicos a serem coletados e destinados corretamente.
Pelo decreto, as empresas devem, gradualmente, até 2025, instalar PEVs nas 400 maiores cidades do Brasil e coletar e destinar o equivalente em peso a 17% dos produtos colocados no mercado em 2018, ano definido como base, conforme informações publicadas pela Agência Brasil de Notícias.
“O planeta já dava sinais de ceder sob o peso da humanidade em 1972, quando a agência foi fundada. Nas décadas seguintes, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e seus parceiros trabalharam com os Estados-membros para combater a poluição do ar, restaurar a camada de ozônio, proteger os mares do mundo, promover uma economia verde e inclusiva e alertar sobre a perda de biodiversidade e as mudanças climáticas. Esse trabalho nunca foi tão importante”, declarou o Secretário-geral da ONU, António Guterres durante a 5º Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente, realizada em 2020, ano que o (PNUMA) completou 50 anos.
Eduardo Fernando Uliana Barboza é mestre em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP) e Doutorando em Comunicação no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Linguagens da Universidade Tuiuti do Paraná (UTP). Atualmente é professor contratado na Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT) no curso de Jornalismo do Núcleo Avançado de Rondonópolis.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2010753404704609
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in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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