COP28 é mais um evento de consenso oco, sem metas e compromissos
COP28 é mais um evento de consenso oco, sem metas e compromissos, artigo de Eduardo Luís Ruppenthal e Paulo Brack
Para provocar mudanças efetivas, além do rechaço necessário ao crescimento econômico ilimitado, é necessário desconcentrar capitais, descentralizar atividades
A 28ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 28) acontece em Dubai, Emirados Árabes, entre 30 de novembro e 12 de dezembro de 2023. A COP é o órgão supremo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, adotada em 1992, que começou a se reunir anualmente em 1995. O objetivo seria avançar em metas dos países, principalmente os mais ricos, em relação à realização de medidas para a diminuição da emissão de Gases do Efeito Estufa (GEE), como o gás carbônico (CO2), o metano (CH4), os gases de nitrogênio (NOx), entre outros.
Inicialmente, as COPs tinham intenções importantes, como no caso da COP 3, na construção do Protocolo de Quioto em 1997, substituído pelo Tratado de Copenhague (COP 15, em 2009) e depois pelo Acordo de Paris (COP 21, em 2015). Apesar de serem marcos importantes, principalmente no reconhecimento da gravidade das mudanças climáticas, não somente foram insuficientes como se tornaram um imaginário de mudanças que tentam esconder um fracasso generalizado.
Ou seja, há um discurso hegemônico na grande mídia, contraditório à realidade, em promover a “possibilidade” da redução dos GEE, que crescem sem parar, atingindo hoje, no caso do CO2, 420 partes por milhão na atmosfera. Pelo contrário, tudo demonstra, cada vez mais, o agravamento do aprofundamento da crise climática neste período.
O cenário conjuntural do clima, o ano de 2023 não poderia ser pior, confirmado-se como o ano mais quente dos últimos 120 mil anos, atingindo 1,5º C e se aproximando dos temíveis 2º C, desde a Revolução Industrial (Capitoloceno). A situação é profundamente delicada, sem perspectivas possíveis de reversão, trazendo eventos climáticos extremos pelo Brasil e pelo mundo, como enxurradas e secas, aquecimento dos oceanos e subida de seu nível. Paralelamente, a perda da biodiversidade e o aumento da poluição da Ecosfera está ultrapassando seis dos nove limites planetários de autorregulação dos sistemas ecológicos nos diferentes biomas da Terra. E, do ponto de vista social, a desigualdade também aumenta, imprimindo um caráter de classe neste contexto, porque quem sofrerá as consequências são os mais vulneráveis e os mais pobres (99%), portanto não sendo aqueles que conduzem o rumo da COP 28.
Retomando a cronologia das COPs, em Quioto, infelizmente, surgiram as “soluções” de mercado, via Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) e os polêmicos Créditos de Carbono, os quais nunca apresentaram, como se esperava, qualquer caminho eficiente para diminuir os GEE. Depois, em Copenhague, os países ditos desenvolvidos assumiram o compromisso de contribuir com US$ 10 bilhões/ano, entre 2010 e 2012, e com US$ 100 bilhões/ano a partir de 2020, para programas de mitigação e adaptação dos países mais vulneráveis frente aos efeitos das mudanças climáticas. Quase nada disso foi cumprido.
Em 2015, em Paris, uma das principais metas era reforçar os 100 bilhões de dólares anuais para países mais vulneráveis, e realizar esforços para reduzir os GEE e manter a temperatura em até 1,5º C em 2030. Entretanto, em novembro de 2023, foi registrado, pela primeira vez na história, a média acima de 2º C. Em relação às promessas bilionárias acima, nada ou quase nada disso foi cumprido, novamente, nos diferentes acordos, até porque China e EUA, os maiores responsáveis pelos GEE, nem participam, com seus chefes de estado, ou assinam a maior parte dos acordos. A ausência dos dois presidentes, chinês e estadunidense, ocorre nesta edição da COP 28.
Em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, no coração das empresas de petróleo, e no paraíso da ultra transformação da natureza em negócios, o que se pode esperar?
Se na COP 26, o número de lobistas passavam mais de 500 representantes privados, na COP 27, chegou a 636, e na atual edição promete superar as anteriores, fortalecidos pelas empresas petrolíferas, como também dos demais setores poluidores como mineradoras e de produtos agrotóxicos. As empresas que praticam o greenwashing (lavagem verde) têm espaço privilegiado, encontrando parceiros em representações públicas dos países que não só tentam “esverdear” sua agenda suja como também espaço de oportunidades para seus negócios para as próximas décadas. Para se ter uma ideia, empresas como a Vale (responsável pelos crimes socioambientais de Mariana e Brumadinho) assim como a Braskem (considerada a responsável pelo maior crime socioambiental em solo urbano no mundo, em Maceió) estão propagandeando “cases” de sucesso no pavilhão do Brasil sobre “soluções ambientais” para as mudanças climáticas.
Atrelados ao grande capital, os organizadores das Conferências negam-se em apresentar soluções profundas e verdadeiras, que deveriam ir muito além de mudar somente a matriz energética mundial para energias ditas renováveis. A tentativa de seguir defendendo o crescimento econômico ilimitado e concentrador é contraditória à raiz do problema. Propagandeiam fórmulas mágicas, como gigantescos parques eólicos e parques concentrados de geração de energia fotovoltaica associados, muitas vezes, ao chamado “Hidrogênio Verde”, insuficiente e pouco eficaz, como demonstra o físico espanhol especialista no tema, Antonio Turiel, já que afirma que “não há saída possível sem o decrescimento do consumo de energia”, principalmente dos países do chamado “Primeiro Mundo”. Além disso, os compromissos individuais de cada país, denominados de Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), não são vinculantes e deixam margem a regras nem sempre claras no que cada país fará para reduzir a emissão de GEE.
Esta edição da Conferência que ocorre em Dubai, em uma das principais capitais mundiais do consumismo, se o local fosse modelo e pudesse ser reproduzido para o mundo, precisaríamos de mais de 5 planetas Terra. Para manter a delirante artificialidade da cidade, maquiada de sustentável, é mister o incremento da “economia verde”, porém garantindo, na prática, sua insustentabilidade social e ambiental, em uma cidade que, a despeito de seu luxo extravagante, tampouco possui sistema de saneamento.
Para seus anfitriões e organizadores do evento, é mais uma oportunidade por parte dos principais responsáveis pela crise climática posarem bem para fotos e aprofundarem seus negócios, suavizando sua intenção em manter a sobrevida aos “negócios do petróleo”.
Se antes já havia questionamentos quanto ao conflito de interesses dos Emirados Árabes, um dos dez maiores produtores de petróleo do mundo, ser sede de uma COP do Clima e por terem nomeado para a presidência da Conferência o presidente-executivo da empresa petrolífera estatal, Sultan al-Jaber, recentemente ocorreu um vazamento de documentos, anunciados pela BBC, que indicavam que os Emirados Árabes planejavam usar seu papel como anfitrião da Conferência para fechar acordos sobre petróleo e gás com nações participantes do encontro, incluindo o Brasil. E, no rol de tantas contradições, no início de dezembro de 2023, surgiu a notícia de que nosso país vai participar da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), versão Opep+, que é a extensão do maior cartel de petróleo do mundo e que define o rumo dos preços da commodity.
O Brasil está longe de ser protagonista de mudanças necessárias, lamentavelmente, pois segue preso ao motor do crescimento econômico e às grandes obras de gigantesca pegada ecológica, de enorme consumo energético e destruição socioambiental em sua construção (ex. Hidrelétrica de Belo Monte ou Transposição do rio São Francisco). No final do mês de novembro, a Câmara de Deputados aprovou um PL que mantém subsídios de R$ 1 bilhão/ano ao funcionamento das térmicas a carvão mineral e visa ampliar o uso de combustíveis fósseis até 2050.
A infraestrutura a que nos submetemos reproduz a Divisão Internacional do Trabalho, em parte ainda presente na obra de Eduardo Galeano (1971), “As Veias Abertas da América Latina”, representada pela exportação de matérias primas (soja, petróleo, minério de ferro, alumínio, celulose, cimento, etc.) que implica em crescente gasto energético (setor industrial eletrointensivo, cujo alerta foi realizado pelos professores, Célio Bermann, USP, e Carlos Vainer, UFRJ), o que incrementa ainda mais a insuportável concentração de capital e a degradação socioambiental. A privatização do sistema de energia elétrica, no caso especial a Eletrobrás, é um enorme entrave à redução de consumo. Lamentamos a repetição do governo brasileiro em insistir em pedir recursos externos (isso tem custo) quase como uma condição de o país mudar seu modelo econômico que implica grande pegada em energia, simplesmente culpando os países ricos. Entre os pontos nacionais de manutenção perversa do modelo, é a composição e a linha dominante do Conselho Nacional de Política Energética, que não inclui a participação da sociedade, e cujo o assento é privilegiado ao setor governamental e econômico responsável pela farra de obras de geração de energia, e sem mudar a matriz produtiva energívora e degradadora do meio ambiente (ex. agronegócio, mineração e setor automotivo de veículos de transporte particulares).
Portanto, mais uma vez, o que se vê é que as COPs se transformaram em eventos totalmente contrários àquilo que se propuseram, apesar de algumas ONGs e políticos envolvidos genuinamente com as mudanças necessárias. Ou seja, pouco se vê em se enfrentar profundamente as mudanças climáticas, com a participação democrática das populações dos diferentes países que são representados nestes acordos, o que implicaria também em ir o questionamento das causas do próprio modelo econômico de consumo sem limites de energia e de recursos em um planeta finito.
As verdadeiras saídas e soluções não sairão das COPs, que se tornaram mais vitrines insustentáveis, como Dubai, assim como da continuidade no investimento em mais exploração de combustíveis fósseis, mesmo que de forma mais “branda”. O debate deve ir além da mera busca de investimentos em fontes de energias alternativas, que obrigatoriamente devem ser descentralizadas, não ao contrário como agora, partindo-se do questionamento sobre modelo energético vigente (Para que? Para quem?), na perspectiva de classe, da maioria.
Enquanto, a minoria (1%) seguir lucrando e determinando as regras de mercado (neoliberalismo), via grandes corporações que investem, geralmente com benesses públicas, em megaempreendimentos energéticos, de eficiência questionável, e não se apontar o dedo quanto às causas, poderemos ver outras COPs do clima seguirem sendo consideradas um “sucesso” ainda mais efêmero, diante do(s) colapso(s) que se avizinha(m). É um enorme desafio enfrentarmos a propaganda (greenwashing), de disputa ideológica e principalmente investidas econômicas para salvar o capitalismo e suas crises, sem abalar as suas estruturas e sua essência social e ambientalmente insustentáveis, que produzem ainda mais desigualdade ambiental e social.
Já estamos cansados da organização e falsas propostas, via “vitrines verdes”, que aprofundam ainda mais a gravidade da crise climática global e veem a própria crise climática como oportunidades de mercado. Não é mais possível admitir eventos midiáticos extremos, com um tema tão sério. Existe uma barreira de forte propaganda, principalmente via grande mídia, de um cenário ilusório que, em essência, garante os negócios concentradores e degradadores, agora ainda mais pintados de verde, mas fazendo de ouvidos moucos por parte dos poderes decisórios das nações, frente ao clamor e o sofrimento de suas populações que sofrem crescentemente a aceleração dos eventos climáticos extremos.
Para que as COPs fossem consequentes, seria necessária a superação da lógica da atual concentração de capital, rompendo a verticalidade das ações, desde governos à sociedade, garantindo maior envolvimento genuíno da mobilização das sociedades organizadas que cobram por mudanças verdadeiras, urgentes, ante o iminente colapso climático. E, para provocar mudanças efetivas, além do rechaço necessário ao crescimento econômico ilimitado, é necessário desconcentrar capitais, descentralizar atividades, longe das megaobras, desenvolvendo atividades que busquem as vocações socioambientais de cada canto do planeta, em diálogo com as comunidades, territórios e garantindo alimento, saúde, renda e vida digna, sem o império do mundo energívoro, sem a costumeira indução ao consumo de supérfluos e descartáveis.
Por isso, nos juntamos aos milhares de ativistas, lembrando a crítica à “economia verde”, lançada na Carta de Belém, e a todos grupos sociais que seguem denunciando, dentro ou fora da COP 28, principalmente aqueles(as) que ocupam as ruas do mundo inteiro, jovens da greve pelo clima, estudantes, originários/indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pescadores artesanais, agricultores, ambientalistas, ecossocialistas, para não somente denunciar a agenda oficial, que não rompe a lógica anti-ambiental, nessa Conferência, demonstrando-se que não há solução dentro das regras do capitalismo.
Estamos em mais uma encruzilhada, talvez insuficiente para nos livrar do colapso climático-ambiental, quase sem perspectiva de salvar a Ecosfera frente aos danos do modelo econômico predatório e dominante sobre a espécie humana. Mas, não podemos nos deixar abater pela desesperança. Nossos filhos e as novas gerações exigem nosso compromisso ativo na garantia das condições essenciais da continuidade da vida no Planeta.
* Eduardo Luís Ruppenthal é Biólogo, professor da rede pública estadual, especialista em Meio Ambiente e Biodiversidade (UERGS), mestre em Desenvolvimento Rural (PGDR-UFRGS). Paulo Brack é Biólogo, mestre em Botânica e doutor em Ecologia., professor titular do Departamento de Botânica, do Instituto de Biociências da UFRGS.
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in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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