Mudanças Climáticas: Fundo de Perdas e Danos é um passo na direção certa
Mudanças Climáticas: Fundo de Perdas e Danos é um passo na direção certa
Acordo sobre perdas e danos gera otimismo, mas deve ser apenas o começo, alertam especialistas
Fundo anunciado na abertura da COP28 é passo importante, mas deve ser acompanhado de acordos sobre eliminação gradual dos combustíveis fósseis
Por Juliana Zambelo
Instituto ClimaInfo
A COP28 teve início nesta quinta-feira anunciando um acordo histórico pela implementação do Fundo de Perdas e Danos para o enfrentamento das mudanças climáticas pelos países em desenvolvimento. Para representantes da sociedade civil, o anúncio surpreendeu positivamente e sinaliza que outras decisões importantes podem ser tomadas durante a Conferência, mas ainda é preciso avançar em alguns pontos da negociação. Além disso, esse otimismo não pode desviar as atenções da urgência das negociações para uma eliminação gradual dos combustíveis fósseis.
Os países em desenvolvimento mais vulneráveis aos impactos climáticos e a sociedade civil vêm fazendo campanha por um Fundo de Perdas e Danos há 30 anos. Após cinco reuniões neste ano, o Comitê Transitório de Perdas e Danos chegou a um acordo sobre um conjunto de recomendações para o fundo. A negociação avançou apesar de divergências entre países em desenvolvimento e desenvolvidos sobre várias questões, como o fato de o Banco Mundial ser a entidade responsável pelo fundo e mecanismos como o acesso direto.
“A adoção das recomendações do comitê sobre o fundo de perdas e danos é um passo muito importante e com um peso significativo por acontecer logo no começo da COP28. As negociações ao longo do ano foram duras, o resultado final não foi exatamente aquele desejado pelos países mais pobres e vulneráveis, mas o fato de os países terem concordado com a estrutura proposta para o fundo na primeira plenária mostra que existe a disposição dos governos para finalmente viabilizar uma resposta financeira para as perdas e danos decorrentes da mudança do clima”, diz Bruno Toledo, professor de relações internacionais e analista do Instituto ClimaInfo.
Gaia Hasse, advogada da Laclima (Latin American Climate Lawyers Initiative for Mobilizing Action), compartilha a percepção de que a decisão aumenta a expectativa por mais avanços durante a COP28. “A adoção da recomendação do Comitê já no dia de abertura da Conferência das Partes abre espaço para maior ambição em outros itens da agenda. O Fundo de Perdas e Danos agora conta agora com um instrumento de governança, será assistido por um secretariado independente e supervisionado por um Conselho indicado pelas Partes”, diz.
Entre os pontos-chave anunciados nesta quinta-feira, foi determinado que o Banco Mundial será o anfitrião interino do fundo por um período de quatro anos e que o fundo terá um secretariado independente e um conselho de administração composto por membros. Os membros do Comitê Transitório apelaram para que o fundo funcione de acordo com os princípios da UNFCCC e do Acordo de Paris. O Banco Mundial exigiu um mínimo de US$ 200 milhões para iniciar o fundo e os pagamentos para o fundo são efetuados em uma base voluntária, com os países desenvolvidos sendo “convidados” a contribuir. Todos os países em desenvolvimento são elegíveis para acessar diretamente os recursos, com uma porcentagem mínima de afetação para os países menos desenvolvidos e os pequenos Estados insulares em desenvolvimento.
“Dentre os aspectos relevantes sobre a operacionalização do fundo, destaca-se que foi decidido que todos os países em desenvolvimento terão acesso direto aos recursos, inclusive através de entidades subnacionais, nacionais e regionais, e que o financiamento será por meio de doações ou empréstimos altamente favoráveis, de forma a não aprofundar o endividamento dos beneficiados. Embora diversos aspectos da decisão tenham sido objeto de manifestações de insatisfação, a obtenção de consenso sobre um tópico historicamente polêmico é reflexo do esforço e flexibilidade de todas as partes envolvidas”, conclui Gaia Hasse.
Com o anúncio do acordo, os Emirados Árabes Unidos e a Alemanha prometeram US$ 100 milhões para o fundo inicial. Outras promessas vieram de Reino Unido (40 milhões de libras para o Fundo e 20 milhões de libras adicionais para outros mecanismos de perdas e danos), Estados Unidos (US$ 17 milhões), Japão (US$ 10 milhões) e União Europeia (225 milhões de euros, incluindo a Alemanha). Os países em desenvolvimento afirmam que as necessidades reais estão mais próximas dos US$ 400 bilhões por ano.
“Os anúncios das primeiras dotações do fundo pelos Emirados Árabes, Alemanha e Reino Unido também trazem mais otimismo, ainda que o volume anunciado de recursos seja pequeno em relação às necessidades. Isso põe pressão para que outros países desenvolvidos também coloquem recursos no fundo. Ao mesmo tempo, por ser uma decisão sobre financiamento, ela também pode ter efeito sobre as discussões sobre outros itens relativos ao financiamento climático ao longo desta COP. Se esse momentum se confirmar, as chances da COP28 entregar resultados significativos aumentam consideravelmente”, diz Bruno Toledo.
Joab Okanda, consultor sênior pan-africano da Christian Aid, destaca que o anúncio do fundo climático, apesar de positivo, não deve desviar as atenções de outro tema vital a ser discutido na Conferência, que é a eliminação dos combustíveis fósseis. “Para reduzir as perdas e danos causados pelas mudanças climáticas, os países precisam se comprometer com o abandono gradual dos combustíveis fósseis. Se continuarmos produzindo combustíveis fósseis teremos cada vez mais perdas e danos, e nenhum dinheiro será suficiente para enfrentar as consequências”.
Relatório lançado no último dia 28 mostra que a mudança climática causou uma perda do PIB global de 1,8%, ou US$ 1,5 trilhão, em 2022. O estudo “Loss and Damage Today: How climate change is impacting output and capital” apontou que os países menos desenvolvidos sofrem os maiores impactos, tendo sido expostos a uma perda média do PIB ponderada pela população de 8,3%. Sudeste Asiático e a África Austral foram particularmente afetados, com países perdendo, em média, 14,1% e 11,2% do seu PIB, respetivamente.
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in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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