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Entenda as urgências e tendências da COP28

 

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Imagem: Wikipedia

Entenda as urgências e tendências da COP28

2023 ficará na história como um ano em que recordes de calor foram batidos por uma grande margem em várias partes do mundo, inclusive no Brasil. Este ano poderá também ficar marcado como o momento em que o Acordo de Paris foi quebrado. Os governos e os líderes têm uma escolha: fazer o que é necessário agora ou acelerar uma catástrofe econômica e humanitária em nível mundial.

Por Cínthia Leone, Instituto ClimaInfo

O que a Sociedade Civil de Clima espera da COP28

    • Um sinal claro para a eliminação dos combustíveis fósseis;

    • Um sinal claro para triplicar as energias renováveis nesta década, com metas para países específicos e dobrar a eficiência energética;

    • Forte reação contra estratégias para atrasar a redução das emissões. Ex.: tecnologias não comprovadas de captura de carbono (CCS/DACs);

    • Uma definição clara sobre o que é “unabated” (não redutível) no contexto das emissões e produções de combustíveis fósseis e onde isso se aplica;

    • Pressão sobre as nações ricas e os grandes financiadores/doadores para que elevem rapidamente o financiamento climático;

    • A garantia de que as pequenas ilhas e as populações tradicionais serão ouvidas nas discussões sobre vulnerabilidade climática;

      Posicionar a produção de alimentos e a biodiversidade no centro das discussões de clima, com cronogramas e entrega de financiamento, como acordado em 2022.

 

Como o Brasil chega à COP28

O Brasil chega com sua maior delegação na história das COPs, com quase 2,4 mil pessoas. Os três poderes do país e quase todas as áreas do governo estarão representados – 16 ministros e os presidentes da Suprema Corte, da Câmara dos Deputados e do Senado.

Perfil: o país é sexto maior emissor de gases de efeito estufa do planeta, atrás de China, EUA, Índia, Rússia e Indonésia. A maior parte das emissões brasileiras vem do desmatamento.

A 11ª edição do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Seeg), divulgada este mês, indica que o país reduziu em 8% suas emissões em 2022 em relação ao ano anterior, mas mantendo-se em um patamar historicamente alto, como aqueles observados no final dos anos 1990 e começo deste século. O ano de 2022 está entre os maiores picos de emissão do país desde 2005, atrás apenas de 2019 e 2021.

Apesar da queda geral no ano passado, a agropecuária registrou aumento recorde de 3% nas emissões, o maior salto desde 2003. O setor é a segunda fonte de gases de efeito estufa no país, depois do desmatamento em si. O setor de transportes, maior consumidor de combustíveis fósseis no Brasil, também registrou alta nas emissões. O setor elétrico registrou queda de 5%, com o aumento do uso de hidrelétricas e crescimento de solar e eólica.

A queda das emissões em 2022 e a baixa acentuada no desmatamento em 2023 indicam que o país tem chances de cumprir suas metas climáticas sob o Acordo de Paris, podendo inclusive aumentar sua ambição.

O Instituto Talanoa fez um amplo e profundo levantamento de todas as políticas climáticas, nacionais e setoriais brasileiras e descobriu que apesar do novo governo ter corrigido os rumos da política climática, ainda há lacunas e retrocessos na agenda de adaptação à mudança do clima, transição energética e agricultura de baixo carbono. Outra conclusão do relatório é que a tendência de queda expressiva do desmatamento na Amazônia fará com que a agricultura e energia se tornem as principais agendas para o clima.

 

O que esperar do Brasil nas negociações e declarações da COP28:

  • O fundo para financiar grandes florestas tropicais pode ser o principal anúncio do país na COP28 e os detalhes serão dados pelo próprio presidente Lula. Seu desenho foi construída no âmbito da OTCA e em conjunto com os países amazônicos;

  • País pode apoiar meta para triplicar renováveis e dobrar eficiência energética;

  • Não há sinal de que apoiará um cronograma para eliminação dos combustíveis fósseis;

  • País também não avançou em relação ao roadmap de metano que pretendia apresentar na COP28;

  • É esperado um papel mais ativo nos temas de adaptação e financiamento nesta negociação (artigos 2.1c e 6.4). O Brasil defende que a agenda de Adaptação tenha sua própria arena de discussão permanente e metas claras;

  • Diplomacia e Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) estão trabalhando juntos nesta COP para a construção de um caminho até a COP30, em Belém do Pará, incluindo a designação de pontos focais para ao menos 8 temas de negociação;

  • O Global Stocktake é uma grande prioridade para o Brasil porque terá um papel importante em determinar as negociações da COP30;

  • O Brasil pode fazer algum apelo para alinhar o comércio internacional à agenda de clima e/ou outros incentivos que ajudem os países a irem além de suas NDCs (as metas de Paris);

  • O governo brasileiro divulgou em novembro sua estratégia para o G20 em 2024, no Rio de Janeiro, e ela deve focar em transição energética, reforma do multilateralismo e redução da pobreza em nível global.

 

Chegou a hora de os Emirados Árabes Unidos cumprirem o prometido

Os Emirados Árabes Unidos têm a oportunidade de unir o mundo em Dubai. Quando suas credenciais de produtor de petróleo foram questionadas, a resposta foi a de que eles poderiam atrair para a mesa de negociações os grandes produtores de combustíveis fósseis, os mais implicados no problema climático.

Um resultado sólido, com compromissos claros e mais rígidos, elevaria os EAU às fileiras dos grandes nomes da diplomacia global. O uso da Conferência do Clima da ONU para fortalecer agendas domésticas da indústria fóssil aponta para o caminho exatamente oposto.

O mundo está se tornando cada vez mais instável, com guerras na África, na Europa e no Oriente Médio, além de conflitos latentes na Ásia ocorrendo simultaneamente. Nosso vício em combustíveis fósseis e a destruição da biodiversidade tornarão nosso planeta um lugar mais perigoso para se viver.

 

Lucros recordes, emissões recordes, impactos recordes

O ano de 2023 se torna o mais quente da história, logo após a indústria fóssil, a maior causadora do aquecimento, registrar lucros estratosféricos. Como disse o chefe da ONU, António Guterres, não se trata mais de aquecimento global, mas de ebulição global. O setor de combustíveis fósseis tem sabotado os esforços de ação há décadas. O desafio agora é reagir.

A COP28 pode responder à destruição climática avassaladora que vimos este ano, elaborando um plano para fechar a lacuna da ação climática. Os líderes têm a oportunidade de tirar a humanidade do buraco que cavou para si mesma. Precisamos de mais energia renovável e menos combustíveis fósseis; mais financiamento climático e menos dívida climática; mais solidariedade e menos protecionismo.

É inadiável que a Cúpula do Clima da ONU se comprometa com uma eliminação rápida e justa do carvão, do petróleo e do gás, confirme a triplicação da energia eólica e solar e dobre os investimentos previstos para acabar com o desperdício de energia.

 

As petroleiras devem pagar, não as pessoas

As dez maiores empresas e países produtores de combustíveis fósseis obtiveram uma receita combinada de US$ 2,25 trilhões em 2022 – um faturamento gerado com base em desunião, violência e mortes que testemunhamos após a invasão da Ucrânia pela Rússia. Elas semeiam dúvidas sobre a crise climática e se divertem com a instabilidade global. É hora de pagarem pelos danos.

O presidente da COP, Sultan Al Jaber, diz que a redução gradual do uso de combustíveis fósseis é “inevitável”. Ele diz também que com sua posição única de CEO de uma das maiores petroleiras do mundo, a Adnoc, significa que ele sabe como levar isso adiante. A responsabilidade de cumprir a meta é dele.

É ótimo que agora haja um “Dia da Saúde” na COP28. Os Emirados Árabes Unidos querem que falemos sobre painéis solares em hospitais. Nós queremos falar sobre como os combustíveis fósseis deixam as pessoas e as economias doentes. A poluição do ar causada por combustíveis fósseis mata de 7 a 9 milhões de pessoas [OMS/Harvard] por ano – um quinto de todas as mortes prematuras no mundo.

CCS é uma armadilha criada pelo setor petrolífero

Atualmente, quase três quartos do CO2 capturado anualmente são reinjetados em campos de petróleo para extrair mais petróleo e gás do solo em um processo chamado Enhanced Oil Recovery (recuperação aprimorada de petróleo). A ciência nos diz simplesmente: precisamos eliminar gradualmente os combustíveis fósseis. A Captura e Armazenamento de Carbono (da sigla em inglês CCS) é uma perigosa distração dessa verdade.

CCS é mais útil para produzir petróleo do que para reduzir emissões de CO2. A técnica é também absurdamente cara e arriscada: cerca de US$ 4,5 trilhões teriam de ser gastos em CCS até 2030 para manter o mundo no caminho certo para emissões líquidas zero até meados deste século, de acordo com a BNEF. Em vez disso, devemos usar os recursos disponíveis para soluções de energia renovável comprovadas e de baixo custo, enquanto nos concentramos em organizar a eliminação gradual dos combustíveis fósseis.

A velocidade do desenvolvimento da CSS também é totalmente implausível com o que se espera de uma solução climática a essa altura. E apenas 5% dos projetos em andamento alcançaram a decisão final de investimento (FID). Mesmo que todos os projetos anunciados pudessem se concretizar muito rapidamente, ainda assim não capturariam nem a metade da quantidade de CO2 que a AIE diz ser necessária até 2030.

Reduzir a inflação, impulsionar o crescimento, apoiar as energias renováveis

As economias com maior penetração de energia eólica e solar sofrem menos inflação e mantêm as contas de eletricidade dos consumidores relativamente mais baixas, mitigando sua exposição a mercados globais voláteis e à manipulação de preços pelas grandes petroleiras. A energia eólica e solar oferece mais e melhores empregos.

A indústria fóssil acumulou lucros recordes após a crise de energia. Esse setor sabe que seus produtos causam mudanças climáticas há uma geração e tem sido mestre em negar, atrasar e distrair. É hora de usar seus cofres para pagar pela proteção das pessoas e pelas perdas e danos dos impactos climáticos.

A AIE disse que a demanda por combustíveis fósseis atingirá o pico nesta década, e as petroleiras estão intensificando sua campanha para serem vistos como uma parte inamovível de nossas economias.

 

Global Stocktake: um exame em que não podemos falhar

A ferramenta do Acordo de Paris para obter uma avaliação honesta do progresso e definir uma resposta para fechar a lacuna de implementação – conhecida como Global Stocktake (GST) – será lançada na COP28. E como vimos no seu primeiro retrato em setembro, estamos fora do caminho certo.

A questão para a COP28 é como os países, as corporações, as cidades e os estados abordarão essa questão. Ignorar os impactos climáticos devastadores deste ano, experimentados a 1,2 °C, jogará fora uma das últimas oportunidades restantes para reforçar o potencial do acordo multilateral para a ação climática.

Um acordo para triplicar o investimento em energia limpa até 2030 é importante, mas a Presidência da COP28 não pode parar por aí. Ela tem a obrigação de entregar um pacote abrangente detalhando como o uso de combustíveis fósseis diminuirá e como os fluxos de financiamento climático aumentarão em Dubai.

 

Adaptação é uma agenda financeira em si mesma

A adaptação é urgente em meio aos crescentes impactos climáticos. O investimento em adaptação oferece oportunidades econômicas e soluções também para outros problemas que afetam as sociedades.

A maneira mais eficiente de resolver problemas globais, como interrupções na cadeia de suprimentos, crises de alimentos e queda nos padrões de vida, é desenvolver a resiliência dos países às crises. E isso depende de mais dinheiro.

Os governos precisam cumprir sua promessa de dobrar o financiamento da adaptação para US$ 40 bilhões até 2025. Embora tenha havido uma tendência de aumento gradual do financiamento internacional para adaptação nos últimos anos, o nível atual de financiamento é de apenas US$ 28,6 bilhões.

É sobre dinheiro

Os países em desenvolvimento estão se afundando em dívidas, esmagados pelos impactos climáticos e recebendo quantias irrisórias das nações mais ricas responsáveis pela crise climática. Enquanto isso, o projeto de como os fluxos financeiros para o clima podem ser acessados é manipulado contra os interesses deles.

O financiamento climático em todos os países atingiu quase US$ 1,3 trilhão em 2021/2022, um aumento impulsionado principalmente pelo crescimento dos investimentos em energias renováveis e transporte eletrificado. Mas 90% do aumento do financiamento climático se concentrou nas grandes economias: China, EUA, UE, Brasil e Índia. Menos de 3% dos fluxos totais de financiamento climático foram para os países mais pobres.

A COP28 precisa ver metas revisadas e ambiciosas para aumentar os investimentos em ações climáticas para os países em desenvolvimento em US$ 2,4 trilhões anuais (ou 2% do PIB global) até 2030. Os países precisam intensificar os esforços para dobrar o financiamento da adaptação, triplicar o financiamento dos bancos de desenvolvimento e quintuplicar a mobilização de financiamento privado.

As questões de integridade e viabilidade financeira que vêm atormentando os mercados de carbono há anos continuam se acumulando. O apoio político de países como os EUA e os Emirados Árabes Unidos aos créditos de carbono como uma solução de mercado para o financiamento climático já se tornou uma ferramenta de procrastinação nas negociações, enquanto as questões estruturais precisam ser resolvidas nesta COP.

Os países ricos devem dobrar os compromissos assumidos este ano em relação à reforma das instituições multilaterais e da arquitetura financeira, o que depende de uma discussão multilateral bem conduzida sobre reforma e reestruturação das dívidas. Se os países que mais precisam não tiverem condições de acessar o financiamento, não haverá progresso na mitigação e na adaptação em todo o mundo, e os países em desenvolvimento continuarão a ser deixados para trás.

Protegendo as pessoas e o planeta

A destruição climática está aqui e está matando pessoas e destruindo comunidades.  As inundações devastadoras no Sul do Brasil, na Líbia e na Grécia, os incêndios florestais no Canadá e na Europa e a seca sem precedentes na Amazônia, trouxeram para o centro das atenções a necessidade urgente de proteger as pessoas dos impactos climáticos.

Os países ricos precisam desembolsar dinheiro para criar sistemas de alerta precoce, proteger as comunidades e garantir que a natureza, a segurança alimentar e os meios de subsistência sejam protegidos.

As perdas e os danos causados pelos impactos climáticos precisam ser reconhecidos e tratados. As nações concordaram em criar um fundo com esse propósito na COP do ano passado. Agora elas precisam colocá-lo para funcionar.

 

Natureza: a solução que está sendo destruída

Os novos planos climáticos precisam incluir os alimentos e a natureza. Isso significa que os países devem apresentar metas e cronogramas concretos para nitrogênio, metano e desperdício de comida. Também será necessário pensar cuidadosamente políticas para o consumo de alimentos.

Atualmente, os países ricos estão subsidiando a agricultura que prejudica a natureza e o clima no valor de US$ 540 bilhões. O dinheiro público deve ser destinado à proteção dos ecossistemas e dos agricultores familiares e povos indígenas que lideram as soluções climáticas em nível local.

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in EcoDebate, ISSN 2446-9394

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