Literatura e a busca da identidade nacional
Literatura e a busca da identidade nacional, artigo de Montserrat Martins
A literatura brasileira tem cumprido uma espécie de missão, mais que as ciências sociais: dizer como o Brasil funciona, observou Luís Augusto Fischer em seu livro Literatura brasileira: modos de usar – e esse tormento seria típico de um país jovem e colonizado, em busca de identidade.
Achar traços típicos num povo japonês, por exemplo, não parece difícil, mas e num país multifacetado?
Aqui se cultuam orixás e se come sushi, além das influências mais óbvias, europeia e norte-americana. Como forjar uma identidade visível, sólida, inequívoca, compartilhada, inquestionável? Só com muito esforço mesmo, ou com muita simplificação – e isso pode sufocar identidades parciais, muitas vezes caladas ou mesmo extintas em favor da identidade hegemônica, relacionada ao poder.
Artistas e pensadores brasileiros buscaram essa identidade em pelo menos três momentos distintos, no anseio de entender esse mistério chamado Brasil – analisa Fischer, se referindo ao Romantismo, Modernismo e Tropicalismo. O primeiro, entre 1830 e 1870, o da formação do Império, no Rio. O segundo, na São Paulo dos anos 20, novo centro econômico do país. E finalmente, o mundo pós Segunda guerra, da TV e do automóvel, uma terceira época.
O Romantismo de José de Alencar e de Gonçalves Dias foi a exaltação de nosso patrimônio natural, onde nosso céu tem mais estrelas e nossas matas tem mais flores, exaltando também nossos indígenas e vendo como destino sua fusão com o colonizador.
O momento seguinte foi de influência do parnasianismo, imitação europeia, ao qual sobreveio a segunda onda nacionalista, com o Modernismo paulista de 1920, cujo maior símbolo literário, depois, veio a se tornar Macunaíma, de Mário de Andrade, com sua miscelânia, “uma tentativa de síntese meio alucinatória”. A que se seguiram os anos 30 e 40 com romances realistas regionais, como os de Graciliano Ramos, que indagam sobre as elites regionais e sobre como vive o povo das regiões.
Nos anos 60, o tema retoma em tom diferente, num mundo em perspectiva de globalização. “Aí entra em cena a turma de Caetano, Gil, Tom Zé e outros (o Tropicalismo… que) misturaram tudo num grande caldeirão”. A visão do nacional como miscelânea é também de Nelson Rodrigues, para o qual “quanto mais misturados, mais brasileiros somos”.
Esse reconhecimento se torna mais comum e diminui a relevância do nacionalismo, em declínio na literatura, em tempos da geração das redes sociais, com interações internacionais. A Psiquiatria ainda não se dedicou a esse tema, mas talvez devesse.
A Literatura, além de refletir sobre temas sociais, também indaga sobre questões que a Psicologia e a Psiquiatria ainda não exploraram, que tem a ver com nossa identidade e cidadania.
Montserrat Martins é Médico Psiquiatra
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in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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