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Injustiças socioambientais nas cidades brasileiras

 

desigualdade

Injustiças socioambientais nas cidades brasileiras, artigo de Anderson Kazuo Nakano

A experiência histórica já nos ensinou que autoritarismos, negacionismos e improvisos irresponsáveis destroem e matam

A urbanização brasileira ocorrida ao longo do século XX foi parte do processo de expansão do capitalismo que produziu profundas desigualdades socioeconômicas entre trabalhadores e trabalhadoras de baixa renda, a maioria mulheres e homens negros, e os membros das classes com média e alta renda.

Inevitavelmente, tais desigualdades aparecem também nas condições de vida e nos bairros de moradia dessas classes sociais brasileiras.

Diante disso, é inegável a urgência de governar, planejar, gerir e regular as cidades brasileiras com o objetivo de realizar as necessárias justiças socioespaciais e socioambientais nas escalas locais, regionais e nacional. Isso significa que o Brasil não pode adiar a realização de processos que materializem cidades onde todas as pessoas, sem exceção, morem e vivam em segurança nas terras e localizações urbanas que:

  • Tenham boas provisões de diversos sistemas de serviços, equipamentos e infraestruturas que promovem acessos a todos os benefícios da vida urbana, os quais fortalecem e viabilizam o desenvolvimento humano;
  • Possuam as condições ambientais saudáveis e seguras que compatibilizam as convivências entre as dinâmicas e ciclos da natureza e os processos de urbanização e nas quais as pessoas vivam sem estarem vulneráveis e expostas a riscos, perigos e ameaças de vários tipos.

As injustiças socioespaciais e socioambientais urbanas existentes nas cidades brasileiras convivem com um paradoxo histórico que contrapõe, de um lado, o fato irrefutável de que a maioria da população brasileira, aproximadamente 86%, vive em cidades e, de outro lado, o fato, também irrefutável, de que há inexistência total de processos de governo, planejamento, gestão e regulação urbana que cumpram devidamente suas obrigações de formular e implementar devidamente as políticas públicas capazes de distribuir para todos os cidadãos e cidadãs, sem exceção, as condições adequadas e seguras de moradia, mobilidade, acessibilidade, saneamento ambiental, lazer, vivências culturais, dentre outros atributos inerentes à sociedade urbana.

As efetivações das justiças socioespaciais e socioambientais urbanas exigem a realização de esforços de curto, médio e longo prazos a serem levados a cabo em diferentes processos de governo, planejamento, gestão e regulação das cidades brasileiras e, por conseguinte, em diferentes âmbitos das políticas públicas. Atualmente, é absolutamente necessário que esses processos sejam formulados e implementados para enfrentar os impactos e consequências das ocorrências cada vez mais recorrentes de tragédias urbanas relacionadas com os eventos extremos decorrentes do aquecimento global e das mudanças climáticas.

Os eventos climáticos extremos já são parte da realidade atual e se repetem sazonalmente com intensidades e frequências crescentes e se manifestam tragicamente em ondas de calor e estiagens prolongadas causadoras das diminuições de volumes dos mananciais de água e, consequentemente, de preocupante escassez hídrica, bom como em ciclones extatropicais, tempestades e chuvas torrenciais que, diante dos problemas de macro e microdrenagens de águas pluviais nos espaços urbanos, resultam em enchentes, inundações, alagamentos e enxurradas. Nesse cenário, em muitos casos são acompanhadas por deslizamentos de terras em encostas de morros e rolamentos de rochas que destroem bens materiais e provocam mortes.

A associação entre esses eventos climáticos extremos e as persistentes injustiças socioespaciais e socioambientais urbanas resultam nas rotineiras tragédias e desastres que, desse modo, devem ser vistos como produtos da ação humana. Diante desses eventos, os processos de governo, planejamento, gestão e regulação das cidades brasileiras devem formular e implementar políticas, planos, programas, projetos, ações e investimentos de prevenção, remediação e atuação emergencial orientados para o enfrentamento daquelas tragédias e desastres ao mesmo tempo em que realiza as justiças socioespaciais e socioambientais nos espaços urbanos. Isso precisa ser feito nas articulações entre as escalas locais, regionais e nacionais. Para isso, é absolutamente necessário que tais processos deixem de priorizar os interesses políticos partidários de indivíduos ou grupos restritos e não se deixem pautar por interesse privados de grupos sociais privilegiados que detém poderes políticos e econômicos.

Neste século XXI, é extremamente importante avançarmos na definição clara das responsabilidades dos diferentes entes da federação, bem como na implementação das legislações existentes concernentes a diferentes componentes do desenvolvimento urbano. É de suma importância induzir processos de governo, planejamento, gestão e regulação das diversas cidades brasileiras de modo que compromissos sejam assumidos e decisões políticas sejam tomadas para atender prioritariamente as necessidades sociais, principalmente dos setores da sociedade de baixa renda que vivem em situações de vulnerabilidade. É fundamental mobilizar os sistemas universitários e de pesquisas meteorológicas, geológicas, hidrológicas, urbanísticas e ambientais, dentre outras, para que produzam conhecimentos, mapeamentos e instrumentos científicos, tecnológicos e técnicos capazes de subsidiar três tipos de medidas: preventivas, de remediação e de emergência.

As medidas de prevenção evitam a contaminação, perdas e desperdícios de água, bem como previnem o surgimento de assentamentos urbanos em áreas com riscos hídricos e geológicos, dentre outros. As medidas de remediação corrigem as situações de vulnerabilidade em que pessoas vivem expostas a diversos tipos de riscos, perigos e ameaças. Já as medidas de emergência alertam e protegem as pessoas em situações de tragédias e desastres iminentes e, logo após ocorrências, devem reduzir danos materiais e humanos.

Coordenadas pelas diferentes instâncias dos poderes públicos, as medidas de prevenção, remediação e de emergência devem ser adotadas conforme metodologias participativas que envolvam democraticamente toda a sociedade.

A experiência histórica já nos ensinou que autoritarismos, negacionismos e improvisos irresponsáveis destroem e matam. Portanto, aproveitemos as aprendizagens proporcionadas pela história para trabalharmos pela realização das justiças socioespaciais e socioambientais nas cidades brasileiras.

Anderson Kazuo Nakano é arquiteto, urbanista e demógrafo, professor do Instituto das Cidades da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394

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