Mudança climática influenciou a onda de calor mais do que do que o El Niño
Mudança climática influenciou a onda de calor mais do que do que o El Niño
Elaborado por pesquisadores brasileiros, europeus e norte-americanos, estudo de atribuição quantificou contribuição do aquecimento global para o episódio que elevou as temperaturas para mais de 40 graus no Brasil
Um estudo publicado nesta terça-feira (10) pela iniciativa World Weather Attribution concluiu que a influência da mudança do clima foi muito maior do que o atual fenômeno El Niño para a ocorrência de extremos de temperatura que atingiu a região central do Brasil.
A onda de calor registrada em setembro foi a responsável por recordes temperatura para o período dos últimos 63 anos em São Paulo e Cuiabá.
Segundo a análise, assinada por 12 autores, incluindo pesquisadores brasileiros, europeus e norte-americanos, a onda de calor do início da primavera foi ao menos 100 vezes mais provável devido à mudança do clima causada pela ação humana.
“Enquanto muitas pessoas relacionam o El Niño para explicar a onda de calor em partes da América do Sul, esta análise apresenta que a mudança do clima é um dos fatores principais para a intensidade e a magnitude do calor. Nós queremos ser claros, o fenômeno El Niño poderia ter contribuído com algum calor, mas sem a mudança do clima, a intensidade da onda de calor da primavera não seria tão intensa”, afirmou o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Lincoln Alves.
A onda de calor extremo analisada compreendeu o período de 17 a 26 de setembro, período esse onde uma grande massa de ar quente prevaleceu nas regiões sudeste e centro-norte do país. O pico de calor foi registrado em 25 de setembro, com anomalias de temperatura 7 graus Celsius acima da média para o período, como foi registrado no sul da Bahia, leste de Goiás e Mato Grosso do Sul, e norte do Paraná. Além disso, um domo de calor se instalou entre o Paraguai e o meio-este e sudeste do Brasil.
Com ajuda de três bases de dados e de multi-modelos climáticos, os pesquisadores analisaram a onda de calor em uma área territorial que abrange, além do Brasil, Paraguai, Bolívia e Argentina. Eles também analisaram os dados sobre temperaturas máximas em São Paulo entre 1961 e 2023 a partir de dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).
Para conseguir atribuir o calor extremo à mudança do clima, os pesquisadores calcularam o período de retorno, mudança na intensidade e razão de probabilidade entre 2023 e um clima com 1.2°C mais frio, ou seja, sem o aquecimento global antropogênico. De acordo com o estudo, todos os três conjuntos de dados mostram um claro aumento na frequência e intensidade de eventos quentes.
Para a análise, os pesquisadores selecionaram o período de retorno de 30 anos. Os dados indicaram que a intensidade, ou magnitude, de um evento de 10 dias que aconteceu em 2023 teria sido muito menor no passado. Além disso, eles calcularam que o evento de calor foi aproximadamente um evento de 1 em 30 anos no clima de hoje, ou seja, considerando o aquecimento global.
O pesquisador do Instituto Meteorológico Real dos Países Baixos, Izidine Pinto, destacou que não foi calculado o percentual exato de contribuição de cada fenômeno – El Niño e mudança do clima. Contudo, segundo ele, as contribuições do El Niño foram inferiores às da mudança do clima.
Com o aquecimento global, a perspectiva é de que ondas de calor se tornarão ainda mais comuns e com extremos de temperatura cada vez maiores. A temperaturas médias globais de 2°C acima dos níveis pré-industriais, um evento de calor como este será cerca de cinco vezes mais provável e 1,1 a 1,6 °C mais quente do que hoje.
O perigo das ondas de calor
Segundo especialistas, ondas de calor são a principal causa de mortes no mundo associadas a eventos extremos. No verão europeu de 2022, mais de 61 mil pessoas morreram de calor, de acordo com as estimativas do Instituto de Saúde Global de Barcelona divulgadas em julho deste ano.
Os pesquisadores defendem que os impactos humanos podem ser evitáveis por meio da execução de planos de adaptação ao calor extremo, evitando redução da morbidade e mortalidade. A diretora do Cento de Clima da Cruz Vermelha, Julie Arrighi, destacou que muitos locais ainda não dispõem de planos de adaptação, mas que “cidades e governos ao redor do mundo estão tentando desenvolver planos de ação.”. Ela citou o plano de ação desenvolvido por Paris, que envolve longo prazo e ações de baixo custo. Entre os exemplos está a possibilidade de fontes de água serem abertas ao público em momentos de calor para que a população possa se refrescar.
Estudos de atribuição
Os estudos de atribuição ainda são poucos no Brasil. A atribuição é quanto um fator contribuiu para a ocorrência de um fenômeno. De acordo com o pesquisador Lincoln Alves, a proposta é analisar o evento extremo logo após o ocorrido e seguindo protocolos muito bem definidos para sensibilizar a sociedade sobre o que está acontecendo.
Fundada em 2015, a iniciativa World Weather Attribution conta com colaboração internacional para analisar e comunicar a possível influência da mudança do clima em eventos climáticos extremos, como tempestades, extremos de precipitação, ondas de calor e secas. Mais de 50 estudos de atribuição já foram realizados pela iniciativa.
Referência:
Strong influence of climate change in uncharacteristic early spring heat in South America (22 pages, 4.29MB)
https://spiral.imperial.ac.uk/handle/10044/1/106753
Fonte: Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI)
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in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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