Mudança climática e destruição de habitat causam o declínio global dos anfíbios
Mudança climática e destruição de habitat causam o declínio global dos anfíbios
O estudo realizado por mais de 100 pesquisadores também descobriu que as salamandras são o grupo de anfíbios mais ameaçado e que novas doenças emergentes podem ter resultados devastadores para as salamandras nos Estados Unidos e na Europa.
A destruição do habitat e as doenças são causas bem documentadas do declínio dos anfíbios – que estão entre os animais mais ameaçados do planeta – mas, um novo artigo que analisa dados de duas décadas sobre anfíbios de todo o mundo, concluiu que as alterações climáticas são uma das maiores ameaças para sapos, salamandras e cecílias. O estudo foi publicado na revista científica Nature.
O estudo, “Ongoing declines for the world’s amphibians in the face of emerging threats” – traduzido livremente como “Declínios em andamento para os anfíbios do mundo diante de ameaças emergentes” – baseia-se na segunda Avaliação Global dos Anfíbios (GAA2), coordenada pela Autoridade da Lista Vermelha de Anfíbios (RLA), que é um ramo do Grupo de Especialistas em Anfíbios (ASG) da Comissão de Sobrevivência das Espécies da União Internacional para a Conservação das Espécies da Natureza (SSC-IUCN), hospedado e gerenciado pela Re:wild.
A avaliação classificou o risco de extinção de mais de 8.000 espécies de anfíbios no mundo todo, incluindo 2.286 espécies avaliadas pela primeira vez. Mais de 1.000 especialistas contribuíram com seus dados e conhecimentos e concluíram que dois em cada cinco anfíbios estão ameaçados de extinção. Esses dados serão publicados na IUCN Red List of Threatened Species™.
De 2004 a 2022, algumas ameaças críticas levaram mais de 300 anfíbios a estarem próximas à extinção, de acordo com o estudo. As alterações climáticas constituíram a principal ameaça para 39% destas espécies. Espera-se que este número aumente à medida que novos estudos com melhores dados e projeções sobre as respostas das espécies às alterações climáticas se tornem disponíveis. As alterações climáticas são especialmente preocupantes para os anfíbios, em grande parte porque estes animais são particularmente sensíveis às mudanças no seu ambiente.
“À medida que os humanos provocam mudanças no clima e nos habitats, os anfíbios se tornam reféns do clima por serem incapazes de se deslocar muito longe para escapar do aumento da frequência e da intensidade do calor extremo, dos incêndios florestais, da seca e dos furacões acarretados pelas alterações climáticas”, disse Jennifer Luedtke Swandby, gestora de parceira da Re:wild, coordenadora da Autoridade da Lista Vermelha do Grupo de Especialistas em Anfíbios da IUCN SSC e uma das principais autoras do estudo. “Nosso estudo mostra que não podemos continuar a subestimar esta ameaça. Proteger e restaurar as florestas é fundamental, não só para salvaguardar a biodiversidade, mas também para combater as alterações climáticas.”
A destruição e degradação do habitat como resultado da agricultura (incluindo plantações, silvicultura, pecuária e pastoreio de gado), desenvolvimento de infraestruturas e de indústrias ainda é a ameaça mais comum, de acordo com o documento. A destruição e degradação do habitat afetam 93% de todas as espécies de anfíbios ameaçadas. A expansão da proteção dos habitats e dos corredores ecológicos nos locais mais importantes para a biodiversidade continuará a ser crítica. Segundo Reuber Brandão, professor da Universidade de Brasília, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza, colunista do O Eco e coautor do artigo, a ameaça representada pela perda de hábitat em áreas críticas do planeta, como os hotspots de conservação, mostram a necessidade de ações concretas de proteção de hábitats em áreas como o Cerrado e a Mata Atlântica. “É necessário estabelecer amplas redes de Unidades de Conservação de Proteção Integral no Brasil”, pondera.
“O Brasil é o país com maior diversidade mundial em anfíbios, abrigando cerca de 1.200 espécies. Quase um terço dessas espécies ainda não havia sido avaliada globalmente!” disse Iberê Farina Machado, coautor do artigo, presidente do Instituto Boitatá, Autoridade da Lista Vermelha e coordenador da Avaliação de anfíbios no Brasil. Essa segunda avaliação, no Brasil, envolveu a colaboração de 86 especialistas de universidades públicas e privadas, instituições de pesquisa e Ongs, revelou aumento genuíno e preocupante no número de espécies ameaçadas. Em 2004, tínhamos 37 espécies em algum grau de ameaça; no entanto, atualmente esse número cresceu para 189 espécies classificadas como Criticamente Ameaçada, Em Perigo ou Vulnerável. O cenário é ainda mais sombrio, uma vez que 26 espécies foram classificadas como possivelmente extintas, não tendo sido avistadas em ambientes naturais desde a década de 1980 ou antes. Também foi possível confirmar que, devido às ações de conservação, nove espécies tiveram melhora em seus estados de conservação, como é o caso da perereca-de-Alcatrazes (Ololygon alcatraz) e rã-das-pedras-de-Alcatrazes (Cycloramphus faustoi), ambas espécies da Ilha de Alcatrazes no estado de São Paulo. “Em um país onde as alterações ambientais pioraram a situação das espécies, é importante ampliar as políticas de preservação ambiental, ampliar ações de conservação e mitigar os efeitos das mudanças climáticas. A perda da diversidade de anfíbios é um passo a mais em direção ao precipício.” conclui Iberê.
As doenças causadas pelo fungo quitrídeo – que dizimou espécies de anfíbios na América Latina, na Austrália e nos Estados Unidos – e a exploração excessiva continuam a causar o declínio dos anfíbios. A destruição e degradação do habitat, as doenças e a sobreexplotação são acentuadas pelos efeitos das alterações climáticas.
O estudo também descobriu que três em cada cinco espécies de salamandras estão ameaçadas de extinção, principalmente como resultado da destruição do habitat e das alterações climáticas, tornando as salamandras o grupo de anfíbios mais ameaçado do mundo. A América do Norte abriga a comunidade de salamandras com maior diversidade do mundo, incluindo um grupo de salamandras sem pulmões abundantes nas Montanhas Apalaches, no leste dos Estados Unidos. Por causa disso, os conservacionistas estão preocupados com a chegada nas Américas de uma doença mortal para as salamandras, chamada Batrachochytrium salamandrivorans (Bsal), que foi encontrada na Ásia e na Europa.
“O Bsal ainda não foi detectado nos Estados Unidos, mas como os humanos e outros animais podem introduzir o fungo em novos locais, pode ser apenas uma questão de tempo até vermos a segunda pandemia global de doença nos anfíbios”, disse Dede Olson, um ecologista pesquisador do Serviço Florestal do USDA, membro do Grupo de Especialistas em Anfíbios da IUCN SSC e coautor do artigo. “É fundamental que continuemos a implementar ações proativas de conservação para evitar a propagação do Bsal nos Estados Unidos, incluindo práticas eficazes de biossegurança para anfíbios selvagens e em cativeiro, e medidas rápidas de detecção e resposta. A Força-Tarefa Bsal da América do Norte inclui um plano estratégico multifacetado que inclui: uma rede continental de vigilância e monitoramento; estudos de investigação que identificam geografias e espécies de alto risco; e parcerias colaborativas entre os setores público, privado e governamental.”
O artigo da Nature atualiza o marco de 2004, o qual foi baseado na primeira avaliação global de anfíbios para a Lista Vermelha da IUCN, e revela, pela primeira vez, o desenrolar da crise dos anfíbios e estabelece uma base para monitorar tendências e medir o impacto na conservação. De acordo com este novo estudo, quase 41% de todas as espécies de anfíbios avaliadas estão atualmente ameaçadas globalmente, consideradas criticamente ameaçadas, em perigo ou vulneráveis. Isto é comparado com 26,5% dos mamíferos, 21,4% dos répteis e 12,9% das aves.
Quatro espécies de anfíbios foram documentadas como extintas desde 2004 – o sapo-arlequim-Chiriquí (Atelopus chiriquiensis) da Costa Rica, a rã-diurna-de-focinho-afiado (Taudactylus acutirostris) da Austrália, a rãzinha Craugastor myllomyllon e a salamandra-de-riacho-falso-Jalpa (Pseudoeurycea exspectata), ambas da Guatemala. Vinte e sete espécies que antes constavam como criticamente ameaçadas agora são consideradas possivelmente extintas, elevando o total para mais de 160 anfíbios criticamente ameaçados que são considerados possivelmente extintos. A avaliação também concluiu que desde o ano de 1980 houve melhoria nos status de conservação de 120 espécies de anfíbios. Das 63 espécies que melhoraram como resultado direto de ações de conservação, a maioria é devido à proteção e à gestão do habitat.
“A própria história da conservação dos anfíbios prova o quão vital é esta informação”, disse Adam Sweidan, presidente e cofundador da Synchronicity Earth. “Se a Lista Vermelha da IUCN tivesse sido atualizada na década de 1970 numa escala semelhante à que é hoje, poderíamos ter rastreado a ampla pandemia da doença dos anfíbios 20 anos antes de devastar as populações de anfíbios. Não é tarde demais – temos esta riqueza de informações, temos o Plano de Ação para a Conservação dos Anfíbios, embora os planos e a informação não sejam suficientes. Precisamos agir. Precisamos agir rápido.”
Os conservacionistas utilizarão as informações deste estudo para colaborar em um plano de ação de conservação global, para priorizar ações de conservação ao nível global, para procurar recursos adicionais e para influenciar políticas que possam ajudar a reverter a tendência negativa para os anfíbios.
“Os anfíbios estão desaparecendo mais rapidamente do que podemos estudá-los, mas a lista de razões para protegê-los é longa, incluindo seu papel na medicina, no controle de pragas, alertando-nos para as condições ambientais e tornando o planeta mais bonito”, disse Kelsey Neam, coordenadora de prioridades e métricas de espécies da Re:wild e uma das principais autoras do artigo da Nature. Kelsey ainda enfatizou que “Embora nosso artigo se concentre nos efeitos das alterações climáticas nos anfíbios, o inverso também é extremamente importante: a proteção e a restauração dos anfíbios é uma solução para a crise climática devido ao seu papel fundamental na manutenção da saúde dos ecossistemas que armazenam carbono. Como comunidade global, é hora de investir no futuro dos anfíbios, o que é um investimento no futuro do nosso planeta.”
Foto: A salamandra verde Hickory Nut Gorge, uma espécie da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, é classificada como criticamente ameaçada pela Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da IUCN como resultado da destruição e degradação do habitat e dos efeitos das mudanças climáticas. As salamandras constituem o grupo de anfíbios mais ameaçado, de acordo com um novo artigo publicado na revista científica Nature. (Foto de Todd W. Pierson)
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in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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