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As mudanças climáticas não são boas para o Canadá

 

As mudanças climáticas não são boas para o Canadá, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

Canadá que é um país rico, de temperatura temperada e com grandes extensões de gelo não está imune à crise climática e ambiental

“A era do aquecimento global terminou e a era da ebulição global chegou”
Secretário-geral da ONU, António Guterres, 2023

 

O Canadá é um dos países mais frios do mundo. A temperatura média do ano gira em torno de 6º Celsius, mas varia entre 35º C no verão e – 30º C no inverno. Boa parte do território ao norte do país é coberto por gelo. Para efeito de comparação, o Brasil tem uma temperatura média anual de 24º C e não existem áreas cobertas permanentemente por gelo.

O Canadá, que é um dos países do G-7, possui uma população de 39 milhões de habitantes em 2023, com uma densidade demográfica de apenas 4,3 habitantes por km2, segundo a Divisão de População da ONU. A renda per capita, em preços constantes, em poder de paridade de compra é de US$ 50 mil, segundo o FMI. E possui um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,931 em 2021, um dos mais elevados do mundo.

Os indicadores econômicos e sociais são excelentes. A população canadense deve continuar crescendo ao longo do século XXI, devendo alcançar 54 milhões de habitantes em 2100, segundo a projeção média da ONU. Este crescimento deve ocorrer em função da imigração internacional, pois a taxa de fecundidade está abaixo do nível de reposição.

Muitas pessoas diziam que o aquecimento global, embora ruim para a maioria dos países, seria um fenômeno bom para o Canadá, pois geraria um clima menos gelado e ampliaria as áreas agricultáveis do país. Nestas condições, o país mais setentrional da América do Norte, que já é rico e com baixa densidade demográfica poderia aumentar a população e a economia e ser uma nação cada vez mais influente no cenário internacional.

Porém, o Canadá está enfrentando dificuldades ambientais inesperadas e, ao mesmo tempo, alarmantes. Literalmente, o Canadá está pegando fogo e o ano de 2023 tem batido recordes sucessivos de queimadas, poluição do ar e destruição de cidades e de benfeitorias.

Os incêndios florestais, que ocorreram em maio de 2023, destruíram parte da cidade de Fort McMurray, no estado de Alberta, centro da indústria petroleira do Canadá, e causaram danos materiais calculados em US$ 2,7 bilhões. Assim, o gigantesco incêndio do país se tornou o desastre natural mais caro da história canadense.

Mas os problemas não pararam por aí. As queimadas se expandiram e a fumaça dos incêndios florestais no Canadá chegaram aos Estados Unidos. Em junho, uma névoa escureceu os céus de centenas de cidades canadenses e dos EUA. Uma grande névoa de fumaça cobriu muitas cidade do Norte da região do Meio-Oeste americano. Cidades muito populosas como Detroit, Indianápolis, Cleveland, Milwaukee e Nova Iorque passaram a conviver com índices de qualidade do ar extremamente perigosos.

Em agosto de 2023, milhares de residentes da Colúmbia Britânica (BC) ficaram em alerta máximo de evacuação, depois que incêndios florestais de rápida intensificação forçaram a província canadense a declarar estado de emergência, enquanto algumas seções de uma importante rota de trânsito entre a costa do Pacífico e o resto do oeste do Canadá foram parcialmente fechados.

A província ocidental de BC experimentou ventos fortes e raios secos devido a uma massa de ar frio interagindo com o ar quente acumulado no verão abafado. Isso intensificou os incêndios florestais existentes e provocou novas queimadas. Um incêndio fora de controle no sul de BC cresceu mais de cem vezes em 24 horas e forçou a evacuação de mais de 2.400 imóveis. O incêndio foi centrado em Kelowna, uma cidade a cerca de 300 quilômetros a leste de Vancouver, com uma população de cerca de 150.000 habitantes.

Moradores e turistas fugiram em estradas ladeadas pelo fogo e fumaça, enquanto autoridades locais e federais expulsaram alguns outros. Cerca de 140.000 quilômetros quadrados de terra, aproximadamente o tamanho do estado de Nova York, já foram queimados, e funcionários do governo projetam que a temporada de incêndios pode se estender até o outono devido às condições generalizadas de seca no Canadá.

O gráfico abaixo, do instituto Copernicus, indica que de 1º de janeiro a 31 de julho, as emissões acumuladas de carbono dos incêndios florestais no Canadá totalizaram 290 megatoneladas. Isso já é mais que o dobro do recorde anterior para o ano como um todo e representa mais de 25% do total global para 2023 até o momento.

emissões acumuladas de carbono dos incêndios florestais no Canadá

 

De fato, as imagens da devastação dos incêndios florestais são apocalípticas: com casas carbonizadas, cidades envoltas em fumaça mortal e pessoas fugindo em meio às chamas. Os incêndios são agravados pelo aquecimento global e, ao mesmo tempo, agravam o aumento da temperatura.

Uma das maneiras mais abrangentes pelas quais os incêndios impactam o clima é sua capacidade de liberar grandes quantidades de carbono armazenado em árvores e solos na atmosfera. Em um ciclo vicioso de retroalimentação, o CO2 adicional contribui para o mesmo aquecimento de longo prazo do planeta que torna os próprios incêndios mais prováveis.

Os incêndios florestais também podem influenciar o clima no solo em decorrência do efeito Albedo, que é capacidade de refletir a luz. Após um incêndio, as superfícies carbonizadas podem reduzir o albedo, levando a um aumento no aquecimento da superfície.

Outro processo envolve a evaporação da água. Plantas prósperas liberam água de suas folhas em um processo conhecido como transpiração, e a água também evapora diretamente do solo e das copas. O ar circundante é resfriado como resultado. Mas quando os incêndios florestais suprimem isso, o aquecimento aumenta.

O aumento da temperatura e o degelo do Norte do Canadá deixam expostos os solos do permafrost que possuem grande quantidade de metano (um gás cerca de 25 vezes mais poluidor do que o CO2). Assim, em vez de aumentar as áreas agricultáveis, o degelo pode acelerar em muito a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera.

Assim, parece que o Canadá está saindo do Antropoceno diretamente para o Piroceno. A crise climática já está presente no dia a dia, centenas de pessoas morreram em enchentes e incêndios devastadores em todo o mundo nos últimos meses, com milhares de desabrigados e bilhões de dólares em prejuízos econômicos. A temperatura diária do ar de 2 metros mais quente registrada globalmente de 1979 a 2022 foi de 16,924°C. Mas em julho de 2023 a temperatura ultrapassou 17º C e, até o final de agosto, neste ano, houve 42 dias com uma média global mais quente do que todos os recordes anteriores.

Países pobres e países ricos estão sofrendo as consequências dos eventos meteorológicos extremos. O que varia é a capacidade de resposta e de adaptação. A crise é global e, a despeito das diferenças, todos os países vão sofrer, ninguém vai sofrer sozinho.

Portanto, o Canadá que é um país rico, de temperatura temperada e com grandes extensões de gelo não está imune à crise climática e ambiental. Os desastres ecológicos do Canadá em 2023 são um alerta para que o mundo mude rapidamente a maneira como se relaciona com a natureza.

Além do sofrimento animal e do colapso da biodiversidade, é a própria existência da humanidade que está em jogo.

José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382

Referência:
ALVES, JED. Crescimento demoeconômico no Antropoceno e negacionismo demográfico, Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v. 18, n. 1, e5942, maio 2022
https://revista.ibict.br/liinc/article/view/5942/5595

 

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in EcoDebate, ISSN 2446-9394

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