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Encontro liderado por Raoni reafirma direitos dos povos tradicionais e rejeição ao marco temporal

 

Encontro liderado por Raoni reafirma direitos dos povos tradicionais e rejeição ao marco temporal

O Chamado do Cacique Raoni ficará marcado como a mais contundente manifestação pela preservação de direitos dos povos indígenas.

O “Grande Encontro das Lideranças Guardiãs da Mãe Terra” ocorrido entre os dias 24 e 28 de julho, na Aldeia Piaraçu em Mato Grosso, reuniu em torno de mil pessoas – 800 indígenas e mais 200 não indígenas.

Por Marcelo Freitas, IPAM

Um manifesto, escrito pelos representantes de diversas etnias, traduziu o sentimento de angústia nas aldeias. Trouxe ao debate a necessidade de rejeitar a tese do marco temporal e acendeu o alerta para discutir e tomar providências urgentes para as mudanças climáticas. “Se o céu cair, a terra incendiar e as águas subirem, todos nós iremos morrer. Não há dinheiro que compre outro planeta”, cita um trecho do documento.

Rodeado por 54 lideranças indígenas, Raoni Metuktire demostrou querer ser mais do que exemplo, mas fiador da manutenção da cultura dos povos indígenas. Aos 93 anos, ele não perde a vocação de guerreiro e, antes de liderar um processo de sucessão como líder Mẽbêngôkre (Kayapó), espera que outros povos conquistem um direito fundamental de ter as terras reconhecidas. “Para conquistar o território, os brancos quiseram me matar. Senti a ponta da espingarda no meio do peito”, relembrou citando o processo de demarcação do Parque Nacional do Xingu, liderado por ele em 1961.

Em cinco dias de debates, jovens, homens, mulheres e anciãos chegaram a uma lista de reivindicações com pedidos como: a desintrusão de terras indígenas ocupadas por garimpeiro, inclusão dos povos indígenas em negociações do mercado de carbono e criação de uma secretaria especial de educação indígena. Também foram reivindicados o fortalecimento de órgãos do governo como o Ministério dos Povos Indígenas, Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) e Sesai (Secretaria de Saúde Indígena). O documento também pede a incorporação de florestas públicas não destinadas às terras indígenas.

As conversas também serviram para demonstrar como a pauta indígena é ampla e o desrespeito tem consequências perversas para a vida. “O útero das mulheres está contaminado pelo mercúrio”, exemplificou Alessandra Mundukuru, liderança da bacia do Rio Tapajós citando estudo da Fiocruz sobre contaminação em mulheres indígenas causadas pela extração de minérios próximo a rios em áreas de aldeia. “Ninguém está morrendo de fome, estamos morrendo de doenças do garimpo ilegal”, pontuou Davi Kopenawa, líder do povo Yanomami.

Entre os povos originários, há um esforço de transmitir o conhecimento de Raoni para os mais jovens. Há propostas para a criação de uma universidade indígena para levar a sabedoria ancestral e possibilitar que tenham oportunidades de desenvolver a língua estrangeira, por exemplo. As mulheres também estão sendo preparadas para se tornarem lideranças cada vez mais participantes de decisões nas aldeias.

Participaram do evento: a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, representando o presidente Lula; a presidente da Funai, Joênia Wapichana; além de autoridades dos governos estaduais e do Judiciário. De medida concreta, foi anunciada a aprovação dos estudos de Identificação e Delimitação da Terra Indígena (TI) Kapôt Nhĩnore, localizada nos estados do Pará e Mato Grosso (onde nasceu Raoni). O governo Lula promoveu até agora a demarcação de seis novos territórios. A ministra prometeu novidades para o 9 de agosto, Dia Internacional dos Povos Indígenas.

O chamado despertou a atenção mundial. O rei Charles III, do Reino Unido, enviou carta a Raoni. “Sua voz tem sido fundamental no Brasil e no mundo em esforços para preservar a Amazônia e no apoio a todos os povos indígenas”, afirmou o monarca. O cantor britânico Sting e sua esposa, a atriz Trudie, enviaram um vídeo. “Sua proteção da floresta é crucial para todos, porque esses ambientes sequestram carbono e regulam padrões climáticos do mundo”, disse o artista, um dos financiadores da demarcação da terra indígena no Xingu.

Antecipação do futuro

A região do Xingu, que abriga boa parte dos territórios tradicionais e das terras indígenas da Amazônia, vive um preocupante cenário relacionados às mudanças climáticas. As temperaturas elevadas superam facilmente os 40ºC, a mata perde a umidade e os rios secam. Estima-se que 40% dos leitos dos rios desapareceram na região. Menos umidade, menos chuvas.

“Estudos do IPAM mostram que está instalado hoje na região um clima previsto para 2050. A gente está vivendo 2050. Chegou a esse ponto e que bate com os modelos que nós estamos trabalhando para esse local/território: de aumento de temperatura e redução de chuva. Somado à irrigação de soja que tem em alguns lugares, você tem uma queda de chuva e uma queda do recurso hídrico, que é o que as comunidades indígenas estão vivendo”, apontou Paulo Moutinho, pesquisador sênior do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia).

Os impactos ambientais são uma preocupação constante. Em recente estudo, o IPAM revelou que 55 milhões de hectares de vegetação nativa poderiam ser devastados caso prospere a tese do marco temporal, que só considera demarcações feitas até a Constituição Federal de 1988. O impacto ambiental também seria danoso. Até 18,7 bilhões de toneladas de gás carbônico seriam jogadas na atmosfera. É como se o equivalente a 14 anos de emissões brasileiras fosse para o ar de uma vez.

Para Moutinho, é precisar parar o desmatamento na Amazônia e adaptar as populações para uma nova realidade do clima e encontrar soluções conjuntas. “Precisamos juntar a ciência e o conhecimento tradicional milenar”, ponderou. “Nós estamos diante de uma biblioteca enorme, da qual ninguém nunca leu nenhum livro. E nós estamos queimando essa biblioteca. É impossível tomadores de decisões do século XXI se darem ao luxo de incendiar conhecimentos milenares que os povos indígenas adquiriram e mantêm”.

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in EcoDebate, ISSN 2446-9394

 

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