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Dia da Sobrecarga da Terra: 02 de agosto de 2023

 

Dia da Sobrecarga da Terra: 02 de agosto de 2023, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

A humanidade já ultrapassou a capacidade de carga da Terra e os efeitos da crise ambiental e climática são evidentes

“Precisamos pegadas menores, mas também precisamos de menos pés”
D.W O’Neill (2010)

O Dia da Sobrecarga da Terra (Earth Overshoot Day) acontece, no corrente ano, em 02 de agosto de 2023. Este dia marca o momento em que o sistema de produção e consumo absorveu todos os insumos naturais renováveis oferecidos pelo planeta previstos para os 12 meses do ano. É o dia em que a civilização global sai do verde do superávit ambiental para entrar no vermelho do déficit ecológico. Em seguida, serão cerca de 5 meses no “cheque especial”.

O Dia da Sobrecarga em 1971 ocorreu em 25 de dezembro. Mas foi sendo antecipado para 20 de novembro em 1981, para 20 de outubro em 1991, para 13 de setembro de 2001, para 6 de agosto de 2011 e para 02 de agosto de 2023.

dia da sobrecarga da terra

 

Para determinar a data do Dia da Sobrecarga da Terra para cada ano, a Global Footprint Network calcula o número de dias desse ano em que a biocapacidade da Terra é suficiente para fornecer a Pegada Ecológica da humanidade. O restante do ano corresponde à Sobrecarga global.

O Dia da Sobrecarga da Terra é calculado dividindo a biocapacidade do planeta (a quantidade de recursos ecológicos que a Terra é capaz de gerar naquele ano), pela Pegada Ecológica da humanidade (a demanda da humanidade para aquele ano) e multiplicando por 365, o número de dias em um ano:

A Pegada Ecológica Global e as métricas de biocapacidade são calculadas anualmente nas Contas Nacionais de Pegada Ecológica e Biocapacidade. Usando estatísticas da ONU, essas contas incorporam os dados mais recentes e a metodologia contábil mais atualizada e usando os dados mais recentes de fontes adicionais, como o Global Carbon Project.

O gráfico abaixo, também do Instituto Global Footprint Network, apresenta os valores da pegada ecológica global e da biocapacidade global de 1961 a 2019, com uma estimativa até 2022. Em 1961, a população humana era de aproximadamente 3 bilhões de habitantes, com uma biocapacidade de 9,75 bilhões de gha e uma pegada ecológica de 7,22 bilhões de gha.

Portanto, havia um superávit ambiental no mundo, superávit este que se manteve na década de 1960 e está representado pela área verde do gráfico.

Mas, com o crescimento da população e o maior volume da produção de bens e serviços, a pegada ecológica global ultrapassou a biocapacidade global a partir do início da década de 1970, gerando um déficit ecológico que se ampliou ao longo dos anos (representado pela área vermelha do gráfico).

Para 2022, com uma população mundial de cerca de 8 bilhões de habitantes, a pegada ecológica está estimada em 20,6 bilhões de gha e a biocapacidade global em 12 bilhões de gha. Portanto, o déficit ecológico absoluto é de 8,6 bilhões de gha e o déficit relativo é de 71%.

pegada ecológica e biocapacidade global

 

Os números de 2019 são semelhantes aos números de 2022, sendo que em 2020 e 2021 houve uma redução da pegada ecológica global em função do impacto da pandemia da covid-19 que provocou uma recessão econômica internacional. Mas, com a retomada das atividades econômicas, a pegada ecológica voltou a aumentar e, consequentemente, cresceu o déficit ambiental. Ou seja, em 2022, a humanidade estava consumindo 71% a mais do que o planeta podia fornecer de forma sustentável.

Portanto, a humanidade já ultrapassou a capacidade de carga da Terra e os efeitos da crise ambiental e climática são evidentes. Os últimos 9 anos foram os mais quentes do Holoceno (últimos 12 mil anos), sendo que os meses de junho e julho foram os mais quentes dos últimos 120 mil anos.

A temperatura da água marinha na ponta da Flórida atingiu os níveis das banheiras de hidromassagem, ultrapassando 37,8 graus Celsius por dois dias seguidos, o que os meteorologistas dizem que pode ser a água do mar mais quente já medida. A temperatura bateu recordes nos continentes e nos oceanos.

As consequências são múltiplas e nunca ficaram tão evidentes quanto atualmente. Na véspera do Dia da Sobrecarga da Terra em 2023 o mundo vive ondas letais de calor no hemisfério norte, com incêndios no Canadá, no Oregon nos Estados Unidos, em várias ilhas gregas, na Rússia, etc. Enchente ocorrem também no Canadá, na Itália, na Índia e diversos países asiáticos.

A camada de gelo marinho na Antártida nunca foi tão baixa quanto em 2023 e os índices estão assustando os cientistas que não esperavam uma situação tão crítica. Com menos gelo marinho, as calotas de gelo sobre o continente ficam desprotegidas e podem colapsar em breve, provocando uma grande elevação do nível dos oceanos.

A Antártida é um regulador importante do clima global. O derretimento do gelo marinho pode ter consequências significativas, afetando habitats de muitas espécies, incluindo baleias, pinguins e focas, além de gerar mudanças na salinidade dos oceanos que afetariam toda a vida marinha. Além disso, o derretimento do gelo pode afetar a circulação oceânica e atmosférica, o que teria impactos significativos no clima global.

Estudos recentes descobriram que o sistema de circulação do Oceano Atlântico estava mais fraco do que há mais de 1.000 anos e mudou significativamente nos últimos 150 anos. Agora em julho de 2023, um novo estudo publicado na revista Nature (Ditlevsen & Ditlevsen, 25/07/2023) descobriu que a Corrente Meridional do Atlântico (AMOC na sigla em inglês) pode entrar em colapso em meados deste século, ou até mesmo em 2025.

Os autores usaram medidas indiretas para estimar os riscos para da AMOC e chegaram a conclusões perturbadoras. Para funcionar, a AMOC depende de dois fatores principais: as diferenças de temperatura e de salinidade entre as massas de água. De maneira geral, massas de água mais quentes e com menos sal tendem a ser menos densas e a ficar por cima, enquanto a água mais fria e com mais salinidade tende a afundar.

Com um derretimento maior das geleiras do planeta a tendência é que ocorra um volume cada vez mais intenso de água doce no oceano, o que altera sua salinidade. E é justamente por causa da importância do equilíbrio entre a temperatura e a salinidade da água que a AMOC pode ficar desequilibrada por conta da aceleração do aquecimento global que, por sua vez, é provocado pelo aumento da Sobrecarga da Terra. A interrupção da AMOC causaria um grande desastre climático. Não está certo que isto possa acontecer, mas só a possibilidade já assusta.

Sem dúvida, são muitos os pontos de inflexão, pois o crescimento da pegada ecológica está desestabilizando o clima do planeta e provocando a aceleração da 6ª extinção em massa das espécies. O Planeta está chegando ao limite da sua capacidade de resiliência. A produção de alimentos está ficando cada vez mais difícil e cara.

O decrescimento demoeconômico está se tornando uma necessidade cada vez mais iminente. Como disse D.W O’Neill et al (2010): “Precisamos pegadas menores, mas também precisamos de menos pés” No modelo atual, mais cedo ou mais tarde, o sobrepeso das atividades antrópicas provocará um colapso ambiental. Então, será impossível continuar antecipando o Dia da Sobrecarga da Terra e aumentando o déficit ecológico.

José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382

Referências:

ALVES, JED. Crescimento demoeconômico no Antropoceno e negacionismo demográfico, Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v. 18, n. 1, e5942, maio 2022
https://revista.ibict.br/liinc/article/view/5942/5595

O’Neill, D.W., Dietz, R., Jones, N. (Editors), Enough is Enough: Ideas for a sustainable economy in a world of finite resources. The report of the Steady State Economy Conference. Center for the Advancement of the Steady State Economy and Economic Justice for All, UK, 2010. http://steadystate.org/wp-content/uploads/EnoughIsEnough_FullReport.pdf

Peter Ditlevsen & Susanne Ditlevsen. Warning of a forthcoming collapse of the Atlantic meridional overturning circulation, Nature Communications volume 14, 25 July 2023
https://www.nature.com/articles/s41467-023-39810-w

 

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in EcoDebate, ISSN 2446-9394

 

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